O pequeno mundo dos relógios em Castro Marim

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A vila de Castro Marim tem um mundo em miniatura oculto de muitos, mas dominado e conhecido por poucos, como é o caso do relojoeiro José Cavaco, falamos do pequeno mundo dos relógios. Um mistério que o Jornal do Algarve dá a conhecer através da entrevista com o único relojoeiro do Baixo Guadiana. Venha connosco descobrir este mundo mágico

José da Palma Cavaco, nasceu em Alcoutim e atualmente exerce a profissão de relojoeiro na vila de Castro Marim, onde se localiza a sua loja. É um dos poucos relojoeiros que conserta as relíquias antigas, uma arte que aprendeu com seu pai. Sempre considerou interessante este mundo em miniatura, por isso, decidiu obter mais formação com outros relojoeiros em Faro com Manuel Miranda originário de Miramar, depois de vir da tropa montou um negócio com seu pai, e voltou a ter formação, desta vez, em grandes empresas em Lisboa como a Omega e a Tissot.


Jornal do Algarve: Como surgiu a paixão pelos relógios?
José Cavaco: Via o meu pai a consertar relógios e tinha curiosidade, porque cada marca utiliza peças diferentes, cria máquinas novas. Para reparar uma máquina é preciso estudá-la, cada relógio representa um mundo novo a descobrir. Mas nesta profissão é preciso ser paciente, ter calma, concentração e ser responsável porque os clientes esperam que consertemos os seus relógios. Gosto de comparar os relógios, ver como as marcas fabricam, cada marca tem peças específicas, os países também têm diferentes modos de produzir os relógios. Gosto do desafio, de tentar perceber se consigo consertar. Todos os dias aprendo porque cada as semanas aparece na loja uma máquina diferente, o que me motiva a ir descobrindo como funciona.

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J.A: Como é constituído um relógio por dentro?
J.C: É um mundo enorme, porque são todos diferentes. No fundo tudo vai dar ao mesmo porque o resultado é dar horas, mas as maquinarias que os compõem são complexas e diversificadas, por isso, é tão interessante. Posso dizer-lhe que em termos de calibre, tenho milhares de peças com diferentes modelos, mas que desempenham a mesma função, é tudo tão diferente. O ser humano é um génio imaginativo e cada um adapta a máquina à sua maneira para depois se diferenciar da concorrência e vender tendo acesso à sua rentabilidade, pois, ao diferir do outro obriga a quem vai consumir ter de gastar o material daquela marca, porque as restantes peças não podem ser usadas para aquele relógio. Esta necessidade de diversidade para se destacar na sociedade de consumo é antiga. A maioria das peças são diferentes, por vezes, conseguimos adaptar, no torno limamos as peças, corrigimos as diferenças. Estas peças tão minúsculas quando não são originais não encaixam, há sempre um pequeno pormenor que não dá, ou são mais altas, baixas, mais espessas. Por isso, somos obrigados a adquirir peças a um determinado fornecedor e isso exige investimento.


J.A: Quais são as peças mais importante que um relógio necessita ter para funcionar?
J.C: Para mim todas são importantes, mas o coração é fundamental. O coração é um conjunto constituído pelo balanço e pelo cabelo, mola que abre e fecha; depois existe a ancora e a roda de escape. Se alguma estiver estragada nada funciona. O relógio é como o corpo humano.


J.A: Qual a diferença entre relógios astronómicos, mecânicos e de quartzo?
J.C: O Relógio Mecânico utiliza uma mola espiral, que fica fechada na caixa do relógio, quando damos corda a mola fecha e permite dar as horas para que o relógio trabalhe. O Relógio de Quartzo usa um sistema de bobines que levam um choque elétrico, tem uma pilha que possibilita que a bobine trabalhe, mas é muito sensível, porque qualquer impureza faz com que o relógio pare de funcionar. Para mim o quartzo não tem futuro…o futuro é voltar ao mecânico. O relógio astronómico também possui um sistema mecânico, mas tem duas correntes dentadas, uma abre e outra fecha, a corrente sai de uma roda e entra na outra, faz a desmultiplicação.


J.A: Que tipo de relógios conserta?
J.C: Conserto de tudo. O relógio que vem à minha loja pela primeira vez é estudado para que eu consiga perceber qual é o problema e verifique o que posso fazer para repará-lo. Tudo o que vier eu reparo. Aparecem relógios de todos os modelos, tipos e formas. Razão pela qual eu digo que todos os dias surge uma novidade, porque a diversidade é imensa. Podemos durar séculos, mas em termos de relojoaria todos os dias temos uma surpresa.


J.A: Quais os segredos desta arte?
J.C: Os segredos é ter paciência, dedicação, gostar do que se faz. Nesta profissão é tudo um pouco fechado “tipo casulo”, cada um sabe o que sabe. Mesmo entre colegas somos muito fechados, eu por acaso nesse aspeto não sou assim, tenho colegas com quem falo sobre este trabalho, mas é uma profissão muito restrita, em que aquilo que se sabe não é partilhado, guardam tudo em segredo. Eu não concordo, penso que está errado. Antigamente, quando havia mais relojoeiros, cada um escondia do outro, eu sei e o outro não sabe fazer. Não davam uma dica para o outro aprender e fazer. Hoje já não é bem assim, há mais partilha. Só temos a ganhar, porque já somos poucos, assim a profissão morre com os mais velhos que levam com eles os conhecimentos.


J.A: Quais foram os relógios mais estranhos que consertou?
J.C: O mais estranho foi um astrolábio, um relógio dos barcos. É muito diferente e complicado, mas desperta a curiosidade e mesmo quem não esteja habituado consegue perceber e reparar.


J.A: Tem algumas histórias interessantes para contar sobre os relógios?
J.C: Tenho muitas, todos os dias aparecem histórias… recordo-me agora de uma entre várias, quando eu estava na tropa existia um relógio que já estava abatido no inventário do quartel. Era um relógio de parede grande com uma campânula enorme. Eu reparava os relógios dos militares do quartel e um dia disseram-me que havia aquele relógio, e pediram-me para eu ver se conseguia reparar. Pensavam que não tinha conserto, o relógio já tinha ido a vários sítios para ser consertado e ninguém tinha conseguido. Eu desmontei e vi que existiam duas rodas e os raios, dentes das rodas, estavam partidos. Ninguém queria ter a responsabilidade de tentar reparar as rodas. Comprei o que era necessário, eu e o mecânico de automóveis do quartel soldamos os raios, comprei uma lima para limar a bola de solda que tinha ficado e o relógio começou a trabalhar, mas não dava horas. O relógio era americano de 6 barras e tinha uma escala dentada, uma régua que dava as horas, mas estava gasta. Informei o comandante de que o relógio já trabalhava, mas não dava horas porque precisava de um “dentado” novo, e que só conseguiria fazer esse trabalho em casa. Eu disse que podia fazer a reparação numa semana e ele deu-me três. Vim para casa e ao fim de três dias tinha a roda feita, fiquei as três semanas em casa (risos). Quando voltei para o quartel montei a régua e o relógio começou a trabalhar. O Comandante ficou louco de ver o relógio a funcionar. Um relógio do século XVIII, todo trabalhado, tinha uma enorme campânula e dava um som tão grande que parecia um sino, o pêndulo era gigantesco, na frente tinha o brasão da artilharia. O relógio foi abatido em 1965 e a Condessa de Vale Verde queria comprar mesmo avariado. Os oficiais já antigos não queriam acreditar que o relógio estava a funcionar. O problema residia no facto de não haver peças e tinha de se experimentar reparar. Era uma máquina que já estava inutilizada, perdida, estava no armazém e iria mais cedo ou mais tarde para o lixo. Foi um relógio interessante e diferente porque a maioria dos relógios têm uma escala redonda dentada que dá as horas e este tinha uma régua dentada.

Carmo Costa

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