O português que ganha 14.500 euros por dia e escandaliza os sindicatos

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Carlos Tavares

Os franceses não estão habituados a estas notícias sobre os portugueses de França e, de um modo geral, ficaram boquiabertos logo que a ouviram. “Um português a ganhar, de salário, na indústria, em França, 14.500 euros por dia, sábados e domingos incluídos?”, disseram alguns de manhã cedo quando o assunto abriu os noticiários das rádios e das televisões francesas. Mais do que o desvio de um avião egípcio ou as ameaças terroristas, era este o tema que se debatia no Flash, um café popular do bairro número onze de Paris, frequentado por clientes “habitués” e modestos.

A maioria dos franceses apenas conhece portugueses da base social, porteiros e pedreiros, que normalmente ganham pouco mais do que o salário mínimo local – à volta de 1500 euros por mês. Os gauleses sabem vagamente que também há diversos grandes patrões portugueses de origem emigrante em França, sobretudo nas áreas da construção civil, dos transportes (táxis) e de produtos alimentares. Mas desconheciam que havia assalariados como Carlos Tavares a ganhar milhões por ano.

“Uma afronta”

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Os dirigentes das duas principais centrais sindicais – CFDT e CGT, respetivamente moderada e próxima dos comunistas – vieram aos noticiários e denunciaram aquilo que definem como “um verdadeiro escândalo” e “uma afronta, uma partilha desigual dos lucros da empresa”.

“É uma pouca vergonha, porque os nossos salários estão bloqueados desde há três anos e ele duplicou o dele!”, exclama ao Expresso José Manuel de Queiroz, 43 anos, militante da CFDT, há 16 anos e meio a trabalhar no grupo Peugeot (PSA) e que aufere uma remuneração mensal ilíquida de pouco mais de dois mil euros por mês – “recebo 1.800 limpos por mês”, informa.

Os sindicatos reconhecem que, “numa perspetiva capitalista”, o gestor português fez um bom trabalho desde que chegou à presidência do grupo, que estava em crise aguda, em 2014. Mas evocam o que consideram “uma indecência” e um líder da CGT na Peugeot apela mesmo à greve.

O próprio Governo, socialista, que tem dois representantes (minoritários) no conselho de administração da PSA, opôs-se ao aumento do ordenado do presidente do grupo, que passou de 2,75 milhões, em 2014, para 5,24 milhões em 2015. O Governo informou que defendia um aumento de cerca de 30 por cento da remuneração do português, de 57 anos, nascido em Lisboa e emigrante em França desde os 17 anos, onde estudou nas chamadas “grandes escolas” de Paris.

“O preço do sucesso”

Pelo contrário, a maioria dos administradores e dos membros de “conselho de vigilância” do grupo acharam que Tavares cumpriu os objetivos “a 99 por cento” e que, por esse motivo, merece o aumento.

A mesma opinião tem o grande patronato francês. “Temos de felicitar Carlos Tavares pelo trabalho excecional que fez na PSA; bravo, esta remuneração é o preço do sucesso e é preciso saber recompensar o sucesso”, disse, na manhã desta terça-feira, Pierre Gattaz, líder do MEDEF, a principal associação patronal francesa.
Regresso aos lucros

Com o gestor português, o grupo PSA regressou aos lucros (1,2 mil milhões) em 2015, o que não acontecia desde 2010. A empresa decidiu por esse motivo atribuir um prémio de dois mil euros a cada assalariado.

Mas os sindicatos acham que essa recompensa é “muito insuficiente”. “É poeira para os olhos, o que nós queremos são aumentos de salários. E o prémio, depois dos descontos, é de apenas 1400 euros”, explica José Manuel de Queiroz, técnico do grupo em Garennes-Colombes, na região parisiense. Queiroz, nascido em França, filho de emigrantes modestos de Vila Verde, no distrito de Braga, fala um português perfeito, tal como Carlos Tavares, que também é filho de portugueses – a mãe era professora de francês e o pai funcionário de uma seguradora francesa.

“Este tipo de salários, como o do presidente, são negativos e põem em causa a coesão social no grupo”, diz Laurent Berger, líder da CFDT, central sindical moderada considerada próxima dos socialistas franceses.

O grupo PSA, com capital repartido entre várias instituições, designadamente a família Peugeot, o Estado francês e um grupo chinês, tem 184 mil funcionários e vendeu, no ano passado, cerca de três milhões de veículos no mundo inteiro.

Daniel Ribeiro (Rede Expresso)

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