O Racismo está na ordem do dia

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Colaboradora. Designer.

A morte de um negro aos pés (ou ao joelho) de um polícia branco, algures em Minneapolis, nos Estados Unidos da América, registada por um telemóvel, veio relançar uma questão de há muito latente, e que a presidência de Barack Obama não fez mais que adiar – a iniludível questão do racismo. Algo deveria ter sido feito durante a sua presidência, mas creio que as condições não terão sido julgadas as mais favoráveis e nesse capítulo, pouco ou nada mudou. Presumo que Obama não tenha querido agitar uma causa que também lhe é própria mas, embora discorde da sua atitude, entendo-o. Mais não fez que adiar um problema que terá de ser, mais tarde ou mais cedo, encarado de frente, e que não engloba só negros, mas também centro e sul-americanos e outros imigrantes não-brancos. O consulado de Donald Trump tem funcionado como uma espécie de “movimento de rectificação” anti-Obama, desfazendo o pouco de social que Obama tinha conseguido realizar em prol das classes mais desfavorecidas que é como quem diz, de negros, ameríndios e brancos pobres (que são bem mais que o que se pensa). Para esse “movimento de rectificação”, reavivou mitos adormecidos (KKK, supremacia branca, etc.) e rancores dormentes (polícia musculada, Tea Party, etc.), ao mesmo tempo que promovia uma supostamente melhor imagem e condição americana no Mundo: o tal “America First!”. Os resultados externos foram pífios, à excepção do Brexit cujo êxito defendeu.

A tentativa de isolar o Irão funcionou mal, a minimização da China Popular não resultou, a Coreia do Norte lá continua fechada e muitos outros confrontos com a Europa, o Canadá e o resto do Mundo ficaram-se pelo enunciado. Tudo isto, contudo, tem sempre maior repercussão externa que interna, porque os americanos são pouco sensíveis a jogos externos. Internamente, nem as propaladas políticas de contenção de imigração não branca tiveram sucesso: da promessa de um muro na fronteira mexicana à proibição de entrada de muçulmanos (leia-se árabes, indonésios, etc.) no país, tudo tem redundado em grandes fiascos. No entanto, com o advento da pandemia, tudo mudou. Porque a pandemia foi subestimada por Trump, os números cresceram rapidamente e com estrondo, com dramáticas consequências internas.

Com os confinamentos, muita gente foi imediatamente atirada para o desemprego, em particular as classes mais desfavorecidas (as do costume), a que se somaram os jovens. Trump, com as suas atitudes erráticas ditadas exclusivamente pelos seus objectivos pessoais, mais não tem feito que agravar o clima de crispação. Recordo que nos EUA não existe Segurança Social como na generalidade dos países europeus e assim, grassando o desemprego, grassa imediatamente a fome. A confusão criada com informações contraditórias (entre Trump e os especialistas médicos) ajudou a agudizar o clima reinante.

A parti daí, qualquer coisa seria suficiente para “incendiar toda a pradaria”, mas a verdade é que o processo de detenção do negro George Floyd não foi “qualquer coisa”: tinha todos os ingredientes para ser elevado a grande incidente sob a bandeira do “Black Lives Matter”, e foi! Na verdade, o ocorrido era simultaneamente um conflito rácico (negro/branco) e uma atitude prepotente (polícia/cidadão) causadas por uma suspeita não confirmada (dinheiro eventualmente falso). Todos estes ingredientes se misturaram e facilmente deflagraram de tal forma que ainda hoje não sabemos se a nota de US $ 20 (origem de todo o incidente) era verdadeira ou falsa, nem isso é agora relevante. Toda a situação foi conhecida através de um dramático registo vídeo de telemóvel. Dias depois, e numa manifestação convocada para protestar contra a violência racial, um polícia foi filmado a empurrar intempestiva e deliberadamente um branco de 75 anos, apoiante da manifestação em curso. Este, caiu desamparado no chão, de costas, ferindo-se visivelmente com alguma gravidade (sangrou imediatamente da cabeça), não tendo qualquer polícia esboçado um único gesto em seu socorro. Bem mais grave, claro, o assassínio de George Floyd, mas o padrão foi o mesmo. Tal só juntará mais gente ainda, se possível, ao forte movimento “Black Lives Matter” que, na verdade, se deverá transformar em “Lives Matter”.


Creio estarem os EUA já suficientemente maduros para enfrentarem a magna questão da violência racial e social, que se arrasta desde o fim da escravatura, e por causa dela. Como aqui já afirmei, o racismo pouco tem a ver com a origem (étnica ou social) de cada um porque não se nasce racista. O racismo é incutido e dele resulta uma supostamente natural supremacia social! Essa supremacia social, herdada da escravatura, nunca foi erradicada. Pelo contrário, essa supremacia social foi deliberadamente “promovida” a supremacia racial, tornando mais fácil a identificação e o condicionamento das duas “raças” em presença. As condições de negro e de branco remetiam cada um para uma posição social bem definida e “inelutável”. Hoje, embora haja alguns negros que romperam a barreira (quase) intransponível da classe social (de Obama a Tiger Woods ou Spike Lee), para a grande massa de descendentes de escravos, a classe média continua inatingível.

Além disso, a “condição racial” branca será, quanto mais ariana e loura (ou ruiva), melhor. Do “outro lado” da barricada étnica aos negros somaram-se os latinos, os asiáticos e os ameríndios. Estes, oriundos do próprio Continente Americano, têm culturalmente hábitos de grande mobilidade estranhos à sociedade dominante, que foi moldada por princípios anglicanos e norte-europeus. São os chamados “mexicanos” que, na verdade, são bem mais que esses: mexicanos, salvadorenhos, guatemaltecos etc. Essas “novas” gentes, os verdadeiros habitantes originais de todo o continente, fazem hoje o que sempre fizeram ao longo da sua longa (mas muito ignorada) História: mover-se para as melhores localizações possíveis em cada momento, sem olhar a fronteiras. Juntam-se assim duas questões que, embora não se tenham ainda fundido, brevemente poderão fazê-lo: a questão da condição social dos negros e a questão da condição social dos ameríndios e outros povos deslocados, tão deslocados quanto os brancos, na verdade. É essa a magna questão que os EUA terão de resolver, quanto antes melhor, para bem de todos mas, sobretudo, do próprio Continente Americano. Se algo não começar a acontecer agora, cada vez o futuro daquele fantástico país que são os Estados Unidos da América será mais sombrio! Esperemos que não!

Nota: Porque o problema também nos toca bastante a nós portugueses, aqui discorrerei sobre ele proximamente.

Fernando Pinto

Arquiteto

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