Recentemente, a imprensa e televisão têm referido a resistência do SNS (Serviço Nacional de Saúde) em pagar tratamentos caros – na ordem de centenas-de-milhar ou mesmo milhões de euros. Uma questão muito sensível quando se lida com vidas e sofrimentos humanos.
É difícil ser a favor da resistência do SNS em pagar esses tratamentos. Uma boa parte de quem é a favor que o SNS pague esses tratamentos argumenta que a vidas e o sofrimento humano não têm preço. Por exemplo, recentemente morreu um bebé prematuro que tinha sido transferido do hospital de Faro para um em Lisboa. A razão da transferência foi a falta de incubadoras no hospital de Faro.
Não vou dizer aqui que compreendo a dor dos pais aquando da morte de um filho. Deve ser coisa que só se compreendo verdadeiramente passando por situação igual. Porém, eu e todos os leitores desta coluna compreendem que é muito difícil passar por situações semelhantes
Num certo sentido eu concordo que as vidas e o sofrimento humanos não têm preço. No entanto, é possível medir as vidas e o sofrimento humanos em relação a mais sofrimento humanos. Talvez vá parecer insensível com o que vou escrever a seguir. Para esticar a “manta” para cima é preciso destapá-la embaixo. Ou seja, não existem dinheiro e recursos para acudir a todas vidas e sofrimento humanos. Assim, é necessário traçar uma linha algures. Onde deve estar essa linha muito discutível.
Dito isto, aceito, por exemplo, a possibilidade de gastar um milhão ou dois de euros para resolver definitivamente o problema de uma criança. Agora, convém ter a noção que isso vai ter consequências negativas noutras pessoas.
O estado tende a acudir mais rapidamente o que é mediático. Como são os casos de crianças com pouca idade com doenças raras que necessitam de tratamentos muito caros. Estudos noutros países, indicam que o acudir aos casos mais mediáticos levou a desinvestimento em áreas da saúde com menos visibilidade.
Algum leitor poderá estar a pensar que então o estado deve endividar-se para acudir a todos os casos. Parecendo talvez insensível, digo que não. Dividas é contribuir para o sofrimento e perda vida de humanas no futuro.
Pessoalmente, tenho poucas dúvidas que vários milhares de portugueses morreram por causa dos anos da crise. Morreram, nomeadamente, devido ao desinvestimento no SNS e nas estradas. Consequência de dívidas passadas.
Outros leitores podem dizer que devem ser desviados recursos de outras áreas para o SNS e utilizar o dinheiro que existe da melhor forma. É fácil concordar e escrever sobre isso. Porém, o “diabo” está nos detalhes. Como utilizar melhor o dinheiro e onde se vai buscar recursos não são questões pacíficas. Uns dizem uma coisa e outros outra.
Não se pode acudir a todos. É mesmo necessário estabelecer uma linha algures. Se calhar até estou a escrever contra os meus interesses. Tenho um problema nos olhos que talvez possa ser resolvido com tratamentos e medicamentos a sair depois de 2022. É quase certo, pelo menos inicialmente, que vão custar os “olhos da cara”. Assim, devem ficar do lado “errado” da linha.
Ivo Dias de Sousa
*professor da Universidade Aberta – [email protected]