OBRAS NA EN 125: Longa espera esgota paciência da Região

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O tremendo impasse jurídico em que se transformaram as obras de requalificação da EN125 entre Olhão e Vila Real de Santo António terá que esperar agora pela decisão do Tribunal Constitucional. Enquanto isso, o projeto está pronto a arrancar no terreno, depois da decisão judicial. Dez anos depois dos primeiros passos, a paciência de cidadãos e autarcas esgota-se

Apesar da espera que se avizinha, a maior parte das fontes ligadas ao processo contatadas esta semana pelo JA mostram-se convictas de que o recurso do Estado para o Constitucional, face ao chumbo do plenário do Tribunal de Contas do processo de revisão da concessão, visa apenas ganhar tempo. E protelar as indemnizações chorudas que o Estado terá que entregar à concessionária das obras, a Rotas do Algarve Litoral (RAL), por quebra de contrato. Afinal aproximam-se as eleições e as contas finais do défice público.

Em causa está o processo de requalificação da EN125, a sotavento, no valor de 23 milhões de euros. Em 2009 lançaram-se oito concessões no Algarve, uma das quais a requalificação da EN125, de Vila do Bispo a Vila Real.
Na altura, o Tribunal de Contas recusou o visto, porque o contrato tinha pagamentos contingentes. Quer dizer, incluía os juros dos empréstimos a que a concessionária teve que recorrer, na altura já em crescendo devido à crise internacional, e atirava o montante da concessão para valores muito superiores ao montante facial do contrato. A pagar pelo Estado.
Por outras palavras, a remuneração não era fixa, pois incluía um valor variável que dependia da subida dos juros. Exigência da RAL, que fez saber que, perante a crise que dava então os primeiros sinais, os juros podiam subir e que era preciso fazer refletir esses juros no contrato. O Tribunal de Contas chumbou: não pode haver contratos com pagamentos contingentes, sentenciou.

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Os pagamentos contingentes: gato escondido com o rabo de fora
Perante a exigência, em 2010 a Estradas de Portugal (sob gestão do Governo Sócrates) apresenta ao Tribunal de Contas um contrato sem os pagamentos contingentes, embora, na prática, tenha celebrado tais pagamentos com os privados.
A solução encontrada pressupunha que seria possível ao longo dos anos da concessão refinanciar os contratos em condições vantajosas. Ficaram pois em anexo as “side letters”, prevendo pagamentos contingentes que assegurariam aos bancos as condições de remuneração dos contratos inicialmente recusados.

Mas em 2011 uma auditoria do Tribunal de Contas às contas da Infraestruturas de Portugal (IP) deitou o expediente a perder: descobriu os famosos anexos ao contrato e acusou a IP de ter escondido esses acordos paralelos quando apresentou os contratos revistos, para obter o visto prévio. De forma ilegal. Por isso, o Tribunal vem a considerar à margem da lei quaisquer pagamentos ao abrigo dessas cláusulas paralelas.
“O que aconteceu foi um crime e os responsáveis deviam ser levados a Tribunal”, resumiu ao JA o deputado do PSD Cristóvão Norte. “O Governo escondeu informação ao Tribunal de Contas, informação essa que levaria o Tribunal a chumbar de novo o contrato. Para mim isso é crime”, reforça.
A decisão judicial sobre a via concessionada do Algarve acabaria por contaminar os contratos já renegociados a nível nacional, designadamente os contratos das subconcessões Pinhal Interior, Autoestrada Transmontana e Baixo Alentejo, o que elevou a fasquia do conflito e criaria um autêntico braço de ferro entre Governo e concessionárias, com muitas centenas de milhões de euros pelo meio.
Em 2011, face às exigências da Troika, de diminuição da despesa pública, o Governo de Passos Coelho decidiu dividir a requalificação da estrada longitudinal do Algarve: entre Olhão e Vila do Bispo – com as obras já então em andamento – manter-se-ia na esfera da concessionária, a RAL, enquanto o troço Leste, até Vila Real de Santo António, passaria para a esfera pública, assumindo as Estradas de Portugal (hoje Infraestruturas de Portugal) a execução da obra e da posterior manutenção.

Custos estratosféricos para o Estado
Com a entrada em funções do Governo de António Costa, o início das obras é prometido primeiro para 2016, depois para 2017, depois para 2018, enquanto a IP continua a fazer o seu trabalho de sapa: os projetos, que então conclui.
Em 2017 o Estado apresenta ao Tribunal de Contas a sua pretensão de renegociar o contrato. Em junho de 2018 a rene-gociação seria chumbada de novo pelo Tribunal de Contas, com a alegação, uma vez mais, de que havia pagamentos contingentes no contrato anterior nunca aprovados por aquela instância. Tudo ilegal, sentenciou, fazendo saber que sem contrato legal não havia condições para a resolução do contrato.

“Só no caso do Algarve, aquilo pressupunha um aumento de custos para o Estado de 228 a 394 milhões de euros”, garante Cristóvão Norte. O facto de se tratar de pagamentos deferidos representou um aumento brutal de encargos, que seriam pagos pelo Estado, não fosse o chumbo do Tribunal.
O novo chumbo leva o Estado a suspender pagamentos à concessionária, por falta de ba-se legal, e a renegociação do contrato é suspensa. Tudo volta então à estaca zero, enquanto a decisão da secção do Tribunal de Contas motiva um recurso da empresa de infraestruturas tutelada pelo Governo para o Plenário do Tribunal de Contas.

Como tudo mudou com decisão (repetida) do TC
No início de junho deste ano, o referido Plenário reincide no chumbo da renegociação, com os mesmos argumentos. Um mês depois, a 18 de Julho, a RAL anuncia que vai denunciar o contrato com o Estado, face a um ano de prejuízos acumulados devido à suspensão de pagamentos estatais.
Com o caminho livre pela retirada da RAL (que reivindica o direito de dirimir agora em tribunal as indemnizações a que tem direito), várias fontes ligadas ao processo sugeriram ao JA que é altura de o Estado resgatar a obra, pois não há impedimentos legais para que isso não aconteça.
“Hoje, o privado, por força de ter denunciado o contrato, abriu a oportunidade ao Estado, sem precisar do Tribunal de Contas, para avançar com as obras. A via voltou às mãos do Estado. O privado veio fazer para os algarvios o que o Estado não foi capaz de fazer”, acentua Cristóvão Norte.
As próprias autarquias querem fazer parte do processo e ainda em Junho, ainda antes de a RAL ter abandonado o contrato, a AMAL (Comunidade Intermunicipal do Algarve) fê-lo saber. Joaquim Brandão Pires, 1º secretário da AMAL, disse ao JA que “os municípios, embora sejam parte interessada, não têm parte ativa neste negócio. Mas não se importam de ter. Se for necessário nós chegamo-nos à frente. As autarquias estão dispostas a ver com o Estado central a possibilidade de ficarem com a EN125”.

O ganho de tempo do Governo e a perda de tempo de todos os outros
Depois de 10 anos de atrasos e incidentes processuais, o presidente da Câmara de Castro Marim, Francisco Amaral, lança um apelo em nome de todos os autarcas algarvios: “Nós pedimos ao Governo que, duma vez por todas, resgate esta obra, porque há um imbróglio jurídico que se pode arrastar anos e anos nos tribunais. O Governo que lance a obra, porque já chega, a situação é insustentável, a 125 está num estado lastimável, além de não ter bermas, faltarem rotundas, etc. Todos os dias há acidentes. Já chega, os algarvios do sotavento não são portugueses de segunda”.
Mas, a braços com a possibilidade de ter que prover centenas de milhões de euros em indemnizações, a IP decidiu avançar para o Tribunal Constitucional. Uma démarche que outro autarca, um socialista que não quis ser identificado, de-signou como “uma tentativa de ganhar tempo”, por ser “óbvio que a empresa privada vai ter que ser ressarcida, face a um contrato que não foi cumprido pelo Estado”.
Por outras palavras, o que para os autarcas e a população é uma perda de tempo, para o Governo é um ganho de tempo. Os interesses de cada um dos lados parecem ser distintos.
Ao JA, fonte da Infraestruturas de Portugal confirmou o recurso para o Constitucional, mas foi adiantando que a empresa estatal está pronta para avançar com a obra e que o projeto está concluído. “Só faltam os concursos, que levarão alguns meses”, disse a fonte da empresa, reconhecendo que desde o início “a relação com a RAL foi muito difícil”.

PSD: “Que se lixem as eleições” em versão algarvia
Para Cristóvão Norte, que em 2017 redigiu no Parlamento uma petição que pedia celeridade no processo, o recurso para o Constitucional não faz sentido: “Já não há objeto de recurso. O recurso morreu por impossibilidade de objeto. Porque a partir do momento em que o privado rescinde o contrato como é que eles vão recorrer, recorrem de quê? Já não há contrato, como pode haver renegociação de um contrato que já não existe?”.

Cristóvão Norte, que é número 1 da lista do PSD às eleições de 6 de outubro, afiança que nem se importaria que as obras fossem lançadas em período eleitoral: “Lancem já o concurso, a gente não se importa, a gente apoia! Nós queremos é a obra feita, queremos lá saber das eleições para alguma coisa”.
Uma opinião secundada por Hugo Pena, do Movimento de Cidadania dos Utentes da Estrada Nacional 125: “A partir de agora o Estado só tem que assumir, vamos resolver isto com eles [RAL] mas entretanto vamos fazer a obra. Tal como fez com o túnel do Marão, e nós não somos menos do que os outros. Nas outras concessões há contratos, aqui a concessionária desistiu”, afirma, lamentando também ele que o recurso para instância superior venha a protelar ainda mais uma obra urgente.
“Queremos uma boa requalificação, não o mesmo que fizeram no barlavento. Tem que primar pela segurança, mas também fluidez. Na outra zona não há fluidez, são filas imensas. Veículos de socorro não passam. Há tempos, um veículo teve um furo e foi preciso mudar a roda, na via, com uma enorme fila de carros parados à espera”, afirma.


A requalificação do troço Olhão/Vila Real Santo António implica a construção de variantes (Olhão e Luz de Tavira), rotundas e bermas, o asfaltamento e o alargamento da via.
Recentemente, decorreram alguns trabalhos em zonas mais degradadas da via. ”Foram umas obrazinhas, passaram uma lama asfática superficial para não se degradar o piso. É para inglês ver”, resume Francisco Amaral.
Negando que se trate de obras “para inglês ver”, e adiantado que foram investidos mais de 1 milhão de euros, fonte da IP disse ao JA que as referidas obras ficaram a cargo da empresa do Estado, uma vez que a RAL se recusou a avançar para elas. A IP vai exigir ser ressarcida pela RAL, que por sua vez só deverá pagar quando receber da IP. Uma espécie de acerto de contas, ou mais prosaicamente uma “pescadinha de rabo na boca”. Isto se os tribunais derem razão a ambas…
Em nota pública em que anunciou a denúncia do contrato, a empresa privada estima que, ao longo dos 10 anos de vigência do contrato, investiu cerca de 200 milhões de euros na via, de Vila do Bispo a Vila Real (incluindo as variantes).
Lamenta que a IP não esteja em condições de cumprir os seus compromissos, levando ao abandono da subconcessão.
Justifica a denúncia considerando que neste momento é impossível continuar a assegurar o serviço sem qualquer expectativa de retorno do investimento efetuado.

COM ELIÇÕES À VISTA, PAGAMENTOS VOLTAM À BAILA:

Portagens na A22 dividem utentes e políticos

Em véspera de eleições, os movimentos de utentes das duas principais estradas da região dividem-se sobre as portagens: a Comissão de Utentes da Via do Infante continua a exigir a abolição total, mas o Movimento de Cidadania dos Utentes da EN125 já se contenta com metade.

“Se eles baixassem os 50%, nós enquanto movimento já não achávamos mau. E tirava muito mais trânsito à EN125”, disse ao JA Hugo Pena, do Movimento da EN125, mesmo reconhecendo que seria muito mais benéfica a abolição total das portagens. Mas contrapondo que “para abolirem nesta [EX-SCUT] teriam que abolir em todas as outras do País”.
Exemplificou com o caso de uma viagem entre Faro e Castro Marim, que atualmente custa um pouco mais de 4 euros, 8 euros ida e volta: “Uma ida e volta que ficasse em 4 euros era minimamente aceitável. E eu acredito que um condutor, que se sente muito mais seguro na autoestrada, não é por pagar esses 4 euros que vai deixar de o fazer”.

Já para João Vasconcelos, da Comissão de Utentes da Via do Infante, a continuação das portagens “é a persistência num erro muito grave em 2011 do PSD/CDS, na altura com o apoio do PS”.
Recorda que a debandada da autoestrada, e o recurso dos automobilistas à EN125, tem contribuído para o aumento da sinistralidade rodoviária: “Houve 7000 acidentes na EN125. Nos mesmos últimos 3 anos houve mais de 10 mil acidentes no Algarve. E sempre a aumentar. Os números não diminuíram, pelo contrário”.

Os dois dirigentes coincidem em que a Via do Infante (A22) não tem perfil de autoestrada e que o modelo de financiamento não foi o das ex-SCUT espalhadas pelo País para invocarem a posição excecional daquela via longitudinal do Algarve, embora advogando soluções diferentes.
“O trânsito desvia para a EN125 porque as portagens são caras e porque o próprio piso da A22 é mau. Aquilo nem sequer tem características de autoestrada, aquilo não era uma autoes-trada”, lembra Hugo Pena.

Por seu lado, João Vasconcelos – também deputado pelo Bloco de Esquerda e atual cabeça-de-lista por aquele partido – recorda que nos últimos quatro anos o Bloco apresentou 9 projetos de resolução para abolir as portagens. “E o que faz o PS? Os deputados do Algarve votam a favor dos projetos, mas o grosso dos deputados desse partido votam contra”. Considera que se trata de uma “coligação negativa” PS/PSD/CDS.
Do lado do PSD, a posição é clara: “Não temos condições para propor a abolição das portagens porque sabemos que, independentemente das especificidades do Algarve, apenas se pode progredir nesse sentido se houver um quadro nacional em que se envolvam as restantes ex-SCUT”, disse ao JA o cabeça-de-lista Cristóvão Norte, recusando “prometer coisas que não podemos cumprir, a exemplo do que fizemos há 4 anos”.
Em vez disso, o atual deputado social-democrata defende uma redução significativa das portagens, “sem que isso acarrete custos contratuais para o Estado”. Sobre o montante da redução, remete para análise posterior, mas lembra que um estudo de 2014 reivindicava como possível os 35% nos veículos ligeiros.

Numa coisa os três homens concordam: a crítica ao atual primeiro-ministro, António Costa, que tinha prometido reduções de 50% (houve uma altura em que prometeu a abolição total, recorda João Vasconcelos) e acabou por não cumprir: a descida foi de cerca de 15%.
Do lado do PS, o atual número 3 da lista, Jorge Botelho (presidente da Câmara de Tavira com o mandato suspenso) garante que trabalhará para novas reduções: “Temos que ser pragmáticos, a redução do preço ajuda. Tem que haver ponderação nacional, o que nós queremos tem que ser avaliado também com as outras regiões do País, pois o Algarve não é uma região isolada da realidade do resto do País”, afirma, coincidindo na opinião com o seu adversário político Cristóvão Norte, mas declarando-se “por princípio” pela abolição total.
Numa coisa a simples redução não terá, por si só, quaisquer efeitos benéficos: as filas de automobilistas espanhóis no Posto Misto junto à ponte internacional do Guadiana, à entrada de Portugal.
“O que se passa na ponte do Guadiana tira a vontade aos espanhóis de virem ao Algarve. Para o turismo algarvio é horrível. É um mau cartão de visita, e os espanhóis antes de virem ao Algarve pensam duas vezes”, atira a propósito o social-democrata Francisco Amaral, presidente da Câmara de Castro Marim.
“Se eu tivesse que ir à Espanha e tivesse que ficar horas numa fila de carros, eu não ia a Espanha”, afiança, manifestando-se pela abolição total de portagens e declarando-se indignado pelas promessas eleitorais na altura da campanha, quando “prometem este mundo e mais o outro”.
“Devia de haver um pouco de decência da classe políticas. Para ganhar eleições, promete-se tudo a todos. Chega de enganar o povo”, declara.

João Prudêncio

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