Offshores: todos querem mudar exceto o PS

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O caso “Panama Papers” teve, para já, um impacto politicamente relevante: pôs a classe política em alerta máximo. O discurso que durante anos só se ouvia à esquerda mais radical — é preciso cortar o mal pela raiz e acabar com os offshores — é hoje assumido por personalidades do centro-direita (Luís Marques Mendes propôs na TVI que se acabe a nível global) e há várias iniciativas na calha para, pelo menos, minorar os efeitos negativos dos paraísos fiscais.

O seu extermínio puro e simples não é a solução consensual — há nos partidos com assento parlamentar quem sublinhe que o recurso a offshores não tem necessariamente contornos ilícitos. Mas se nos últimos anos já houve trabalho feito (à esquerda e à direita), o impacto mediático dos “Panama Papers” puxou o tema para a ordem do dia. PSD, CDS, BE e PCP preparam-se para apresentar no Parlamento novas propostas.

Maria Luís Albuquerque, ex-ministra das Finanças, lembra que houve trabalho feito pelo anterior Governo: “Estivemos na linha da frente na UE pela defesa da diretiva que será transposta para Portugal ainda este ano, e que torna automática a troca de informações entre as autoridades tributárias. E aumentámos para 15 anos os prazos de prescrição das investigações dos crimes penais associados a offshores”, disse ao Expresso.

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A atual deputada reconhece, no entanto, que há muito a fazer, nomeadamente para rastrear o dinheiro que sai do país. E é com esse objetivo que os deputados do PSD na Comissão de Assuntos Europeus vão propor uma recomendação à Comissão Europeia para que aperte verdadeiramente o controlo das transações financeiras entre a UE e os regimes fiscais claramente mais favoráveis.

Tal “responsabilidade deverá estar acometida a uma entidade europeia na esfera dos bancos centrais”. O PSD também propõe a publicação obrigatória de todos os contratos celebrados entre Estados-membros da UE e empresas. Bem como a adesão da UE ao programa da OCDE de controlo da fuga ao fisco a nível internacional.

Numa entrevista ao “DN”, o ex-ministro da Economia e atual diretor na OCDE, Álvaro Santos Pereira, veio esta semana informar que a partir do próximo ano as Finanças vão passar a receber anual e automaticamente todos os dados relativos a contas dos portugueses no exterior. Também pelo CDS, Diogo Feio, fiscalista e ex-eurodeputado, anuncia que os centristas apresentarão uma proposta nesse mesmo sentido.

Da parte do PS e do Governo, as revelações dos últimos dias não motivaram qualquer novo impulso legislativo. Pelo contrário, António Costa, questionado ontem no debate quinzenal, considerou que o quadro legislativo é adequado, faltando apenas regulamentar duas portarias que foram aprovadas no Orçamento do Estado e que têm que ver com a evasão fiscal e branqueamento de capitais.

Mas o PS será confrontado no Parlamento com as iniciativas dos partidos à sua esquerda, que querem ir mais longe. PCP e Bloco já reclamaram o fim da zona franca da Madeira e Jerónimo de Sousa pediu o apoio dos socialistas para viabilizar uma proposta dos comunistas para a “criação de uma taxa que impeça no imediato a utilização [dos offshores] para fugir ao pagamento dos impostos”.

Os bloquistas, historicamente com uma posição muito dura neste campo, irão brevemente apresentar uma proposta para impedir a contratação pública com empresas que tenham ligações a offshores ou que integrem na sua estrutura corporativa outras companhias com sede em offshores (ou ainda que tenham esquemas de planeamento fiscal agressivo).

Para José Gusmão, da comissão política do BE, o Estado obterá tais garantias através das condições dos concursos públicos, pois deverá “exigir às empresas declarações em que estas assumam não ter ligações a offshores”.

Reconhecendo que o grau de informação sobre a verdadeira situação daquelas companhias face aos paraísos fiscais ficará em parte à mercê do que cada uma das empresas declarar, Gusmão elenca, no entanto, mecanismos que permitem uma melhor fiscalização.

Por um lado, o BE defende igualmente que devem ficar registados no Banco de Portugal os “beneficiários últimos de todo o capital das instituições financeiras”. Por outro, admitindo que há situações diferenciadas (os offshores cooperantes prestam alguma colaboração), o dirigente do BE salienta que “o grau de exigência da contratação pública pode variar conforme a jurisdição em causa”.

No essencial, resumeGusmão, “quem recorre aos offshores deve ser prejudicado no acesso à contratação pública”.

Ângela Silva, Filipe Santos Costa e Paulo Paixão (Rede Expresso)

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