OPINIÃO: A fábrica da CIMPOR e o direito do país a produzir

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Opinião de Vasco Cardoso

Bem sabemos que o desprezo pelo aparelho produtivo na região do Algarve, como aliás no restante território nacional, é muitas vezes apresentado como sinónimo de modernidade, nesse misterioso embuste a que chamam desmaterialização da economia. Para muitos, o Algarve é, apenas e só, turismo e os serviços que lhe estão associados. Pouco importam as imensas potencialidades regionais, a começar pelo mar e pelas pescas, empurradas para um papel cada vez mais residual apesar do país ser actualmente deficitário na captura/produção de peixe. De pouco valem as enormes potencialidades agrícolas, que não se confinam aos pomares de laranja ou de amêndoa, presentes num território com condições excepcionais para a produção de alimentos quando nos grandes hipermercados da região as prateleiras estão carregadas de produtos importados. E o mesmo acontece na indústria que, nesta região, tem um valor cada vez mais arqueológico em vez de um esteio para o seu desenvolvimento. Na mente de alguns, os barcos de pesca, os campos agrícolas, a indústria transformadora, são coisas do passado quando não uma ameaça ao lucro fácil da especulação imobiliária e das grandes cadeias de hotéis.

Ora acontece que tudo quanto não se produzir em Portugal tem que ser importado. E acrescento mais: se alguém julga que na origem do brutal endividamento externo do país estão “apenas” os processos de especulação com a dívida e os milhões de euros de recursos públicos transferidos -por via dos juros, das rendas, dos benefícios fiscais e apoios cedidos ao grande capital – pois que também tenha presente que quanto menos se produzir em Portugal, mais se deve.

Vem isto a propósito da ameaça de imposição de Lay-off na fábrica da CIMPOR- Loulé. Uma decisão que só pode surpreender quem acreditou que, com a privatização da CIMPOR (iniciada em 1994, prosseguida por vários governos do PS e PSD e concluída pelo anterior Governo PSD/CDS), o centro de decisão desta empresa continuaria em Portugal. De facto, a CIMPOR (que tem mais duas fábricas no país em Alhandra e Estarreja) é propriedade de um grupo económico brasileiro – Camargo Correa – cuja holding conta actualmente com 39 fábricas de cimento espalhadas pelo mundo que geraram mais de 500 milhões de euros de lucros só em 2015. Se se confirmar o desenvolvimento “natural” deste processo que obedece à lógica de gestão capitalista da empresa (e não aos interesses nacionais), não serão apenas os salários e postos de trabalho dos 200 trabalhadores que operam naquela fábrica que estarão em causa, serão também os interesses nacionais que ficarão em risco, ou não fosse o cimento uma matéria prima estratégica para qualquer país. Tudo isto foi recentemente denunciado pelo PCP que já questionou o Governo na Assembleia da República exigindo resposta face a uma ameaça que é bem real.

Mas a denúncia desta situação não pode ficar por aqui. A luta dos trabalhadores daquela empresa será seguramente determinante para impedir desfechos que comprometam o futuro daquela fábrica, mas é preciso que se alargue a consciência de que o Algarve não está condenado a ficar apenas dependente dos fluxos turísticos internacionais. A diversificação da actividade económica nesta região, contrária à política de direita que foi imposta ao longo de décadas pelo PSD, PS e CDS, é fundamental para combater o desemprego, a sazonalidade, a precariedade e, simultâneamente, para produzir riqueza para o povo e o país.

A região e o país vão continuar a precisar de cimento para o conjunto das infraestruturas e equipamentos, a não ser que façam como na obra do IKEA em Loulé – outro investimento que terá um fortíssimo impacto no pequeno comércio da região que ainda resiste – que cresce a olhos vistos ao lado da CIMPOR com cimento vindo de… Espanha.

Vasco Cardoso

*Membro da Comissão Política do PCP

 

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