Opinião: Os sem medo

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Opinião de Fátima Murta

Era uma vez um homem que conheceu um outro homem. No tempo em que era bastante mais conhecido um terceiro homem, do que os restantes homens que se iam conhecendo (e reconhecendo) uns aos outros.

O primeiro homem era um Poeta. O segundo um fala-barato como a maioria dos rapazes; por isso, tratá-lo enquanto homem, será um abuso de linguagem. O terceiro, e que viria a ser abatido do outro lado da fronteira que isolava o País onde ia ficando cada dia mais famoso, envergava uma farda militar. Ou seja, o primeiro tinha por companhia uma caneta; o segundo, um muro que decidiu saltar para não ter que passar a vida em choraminguice. E o terceiro, uma bravura de um general.

O Poeta José Gomes Ferreira resolveu meter no “panfleto mágico em forma de romance” (As Aventuras de João sem Medo) um regresso do herói natural de Chora-Que-Logo-Bebes explicado ao Guardador do Muro: “A falar verdade, fartei-me deste Imprevisto Anárquico do Sonho em que vivi e agora apetece-me voltar a povoar aquilo a que chamamos realidade… Além disso…(…) Saudades terríveis… Dessa coisa grosseira que se chama bacalhau com batatas… Duma boa bacalhauzada com grelos (…). São estas pequenas coisas miseráveis que suscitam os grandes movimentos espirituais. O da saudade, por exemplo…

A primeira versão desta narrativa fora concebida e publicada em 1933, “esfacelada em episódios n’ “O Senhor Doutor”, escreve José Gomes Ferreira na 2ª edição de “As Aventuras de João Sem Medo” (1973). O pseudónimo escolhido, “Avô do Cachimbo”. A intenção do Poeta fora a de “desmistificar os Gigantes, os Príncipes, as Princesas, as Fadas”.

João Sem Medo, apesar de rapaz fala-barato, foi dotado pelo Poeta “da mais nobre virtude de que um ser vivente se pode orgulhar: a coragem. A verdadeira coragem. A força do coração.”

Quanto ao General Humberto Delgado, não foi nem Poeta nem Personagem de uma prosa mágica. Antes, um gigante desbravador de novas prosas para as vidas reais dos homens do seu tempo. Em 1958, candidato a Presidente da República, atreveu-se a ser sincero (coisa rara nos políticos de hoje): “Se for eleito, é óbvio que demito o Presidente do Conselho”.

Mataram-no pouco tempo depois. Ficou sendo o “General Sem Medo”.

José Gomes Ferreira já nos deixou há alguns anos. À semelhança de muitos outros Príncipes do Reino da Poesia, pouco se fala dele, para além do que os alunos aprendem nos manuais escolares e esquecem assim que se tornam “Fenómenos do Avesso”.

O João Sem Medo, tornou-se real na pessoa de muitos rapazes forçados a saltar o muro para cair nas terras a que chamavam províncias ultramarinas. Ainda hoje continua por cá, e podemos vê-lo em tantos dos jovens universitários a quem lhes foi dado um pontapé de saída. E, também eles tiveram que saltar o muro. Quanto a matar saudades do bacalhau com batatas, só nas escapadelas que as férias permitem; e se houver dinheiro. Muitos deles partiram com medo e regressam com ele, de avião. A maioria através do Aeroporto da Portela; em breve, Aeroporto Humberto Delgado, o General sem Medo.

Só espero que algum islamita (básico e ignorante, como quase todos) não venha a ler neste novo rosto do Aeroporto de Lisboa, um convite a responder-se a “uma estúpida provocação”. É que esta é uma forma bem mais inteligente de proclamar “Je suis Paris”.

Fátima Murta

 

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