Os 260 anos da bateria/fortaleza do Medo-Alto e do sistema defensivo da foz do Guadiana

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O presente ano de 2022 assinala os 260 anos do sistema defensivo da foz do Guadiana e, por inerência, de uma das suas fortalezas mais representativas: a bateria do Medo-Alto. Com efeito, foi durante a Guerra Fantástica de 1762 que foi instalado, no termo de Santo António de Arenilha, um dispositivo defensivo constituído por várias baterias de artilharia costeiras e ribeirinhas que visavam a defesa dos areais do extremo sudeste algarvio e o controlo da desembocadura do Guadiana. De facto, as referências mais antigas relativas à instalação e operacionalização deste sistema defensivo remontam à década de sessenta da centúria setecentista, em data anterior à construção de Vila Real de Santo António. Uma dessas referências surge, desde logo, no (Mapa da) Configuração da Costa do Reyno do Algarve, de autor anónimo, à guarda do Instituto Geográfico Português e onde aparecem representadas todas as baterias, fortes e fortalezas algarvias, nomeadamente: “nesta praia foraò estabelecidas no ano da guerra quatro batarias de duas peças cada huà: Torre cahida, cabeca, cabo de S. Antonio e a Fortaleza da praia”, sendo que o mesmo documento refere ainda a construção da bateria que haveria de ficar conhecida por Medo-Alto, ou seja, o “Barranco. Neste sítio no ano da guerra se contruio hua bataria de madeira, para senhoriar o rio guadiana a qual o tempo já destruio: a utilidade de senhoriar e navegação do dito, mostra a necessidade de ser restabelecida” (I.G.P., C.A., Nº 241).

Carimbo alusivo ao Sistema Defensivo de Vila Real de Santo António – 260 anos do Medo-Alto

Ora, o facto de esta carta ser anterior à construção de Vila Real de Santo António revela, portanto, tratar-se da Guerra Fantástica de 1762, conflito militar que teve lugar no contexto da Guerra dos Sete Anos e durante o qual Sebastião José de Carvalho e Melo (o futuro marquês de Pombal) incumbiu o governador de Armas do Reino do Algarve, o Marquês de Louriçal, da construção de baterias nos locais de maior necessidade, sendo que “na foz do Guadiana, fronteira a Ayamonte (…) no sítio de Barrancos foi edificada a Bateria de Medo Alto” (Arquivo Nacional, Vol. 11, p. 302). Do mesmo modo, outras fontes como a Carta Hydrographica das margens do Rio Guadiana… são lacónicas ao remeter a construção da bateria do Medo-Alto para o “ano da Guerra para Senhoriar a navegaçam do Rio Guadiana” (I.G.P., C.A., Nº 255). De resto, sabemos através de outros documentos, como a Carta Topographica (…) do termo da V. de S. An.to d’Arenilha de 1775, que esta fortaleza/bateria de artilharia foi edificada no “Sitio do Medo Alto”, no cimo de uma grande duna de areia localizada nas proximidades do “lugar aonde na baixamar de agoas vivas tem aparecido alguns vestígios da antiga V.ª” (I.G.P., C.A. Nº 259), motivo pelo qual esta estrutura defensiva ficou conhecida pela imponente designação de Medo-Alto.

Painel toponímico da Praceta da Bateria do Medo-Alto

As supracitadas cartas militares não são, no entanto, as únicas fontes a atestar o funcionamento desta bateria/fortaleza para os anos que se seguiram à Guerra Fantástica. É o caso de um conjunto de três documentos epistolográficos à guarda do Arquivo Histórico Militar e datados de 1766, isto é: dez anos antes da fundação de Vila Real de Santo António. Trata-se dos ofícios do Governador do Reino do Algarve e do governador da praça de Castro Marim para o secretário de Estado da Marinha e do Ultramar acerca de um navio oriundo da praça portuguesa de Mazagão, em Marrocos, e que chegou à “fortaleza de Medo Alto” com dez éguas para o rei D. José I (PT/AHM/DIV/1/06/19/05). De resto, a bateria do Medo-Alto acabou por ser restaurada já depois da construção da vila pombalina, tendo sido representada nas obras cartográficas de engenheiros militares como José de Sande Vasconcelos, Baltazar de Azevedo Coutinho ou Eusébio de Sousa Soares, entre outros.
Contribuiu para a vitória portuguesa na Grande Batalha do Guadiana de 1801, no contexto da Guerra das Laranjas, e assistiu a momentos incontornáveis da nossa História Contemporânea, como a Guerra Peninsular ou as Guerras Liberais. De facto, um episódio que bem ilustra a carga simbólica atribuída à bateria do Medo-Alto ocorreu em 1808, quando o capitão Francisco Xavier Mimoso, governador interino de Vila Real de Santo António, empunhou o estandarte real e, acompanhado por uma escolta de artilheiros a fazer-lhe as honras, dirigiu-se do antigo quartel do destacamento do Regimento de Artilharia do Algarve (actual Centro Cultural António Aleixo) para a bateria do Medo-Alto, de modo a anunciar à população a libertação de VRSA e o início da luta contra os invasores franceses. Mais tarde, em 1862, esta fortaleza foi munida de farol/mirante. Transformada em posto da Guarda Fiscal, subsistiu até ao séc. XX, quando o imponente medo de areia foi destruído. Já em Setembro de 2021, a Câmara Municipal de VRSA procurou recuperar a memória deste antigo monumento, inaugurando o painel toponímico da Praceta da Bateria do Medo-Alto, nas imediações do local onde outrora se levantou esta estrutura representativa da defesa da soberania nacional.

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Capa da separata As baterias ribeirinhas de Vila Real de Santo António na cartografia militar setecentista, de Fernando Pessanha

É, portanto, com manifesto regozijo que tomamos conhecimento de que a secção de coleccionismo da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Vila Real de Santo António e Castro Marim pretende realizar uma exposição dedicada ao “Sistema Defensivo de Vila Real de Santo António – 260 anos do Medo-Alto”, entre 1 e 18 de Julho de 2022, e que o mesmo tema dará origem a um carimbo comemorativo a ser lançado pelos CTT no 5 de Julho de 2022. Para os eventuais interessados em aprofundar conhecimentos sobre o sistema defensivo da foz do Guadiana e sobre a bateria do Medo-Alto recomenda-se a leitura de “As baterias ribeirinhas de Vila Real de Santo António na cartografia militar setecentista”, trabalho que originalmente publicámos no Vol. XLIII dos Anais do Município de Faro e que brevemente lançaremos como separata, em data ainda a anunciar.

Fernando Pessanha

*Historiador

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