“Palavra de honra!”

Esta era uma afirmação que aprendi de menino, significando que se empenhava a sua própria honra na palavra dada. Em sociedades em que a capacidade de passar a escrito o que se acordava era reduzida, a palavra de honra e o compromisso da palavra eram fundamentais! Havia também as “Juras” e outras expressões de valor semelhante, tal como, por exemplo, “O prometido é devido!” ou “Palavra de rei não volta atrás!”. Todas queriam significar que a palavra dada era verdadeira e que o compromisso assim tomado era para levar muito a sério. Recordo que no Liceu D. João de Castro onde andei, se contava que o patrono, o próprio D. João de Castro, tinha empenhado a sua barba em pesado compromisso com a palavra dada! E para um respeitável senhor daquela época, a barba era um atributo sem o qual nenhum homem se deveria apresentar! A credibilização da palavra dada ajudou a modelar uma sociedade baseada na veracidade do que se afirmava! Um compromisso era um compromisso e a palavra era o comprometimento da honra! Foi também assim que foram nascendo os banqueiros (ainda antes dos bancos), cujo compromisso de honra era um valor seguro.


Em 1980, na sequência do grande sismo dos Açores, fui para lá trabalhar e descobri de novo esse velho sentido para a palavra de honra! Tendo sido convidado por um presidente de câmara para fazer um projecto, foi-me por ele dito que preferia acertar oralmente os termos do acordo, que formalizar um contrato escrito. “A palavra de um homem é a palavra de um homem”, disse, “e os advogados só servem para conseguir perverter o que fica escrito!” Fiei-me na “palavra de um homem” e não me decepcionei: tudo me foi pago no acto de entrega do projecto! Recordo também uma história que me foi contada por um amigo que lá vendia tractores. Porque o volume de vendas é naturalmente baixo, não há nas ilhas tractores para exposição ou demonstração: os tractores são vendidos por folhetos e catálogo! Assim, o meu amigo, na sua tarefa de vender essas alfaias, visitava potenciais clientes e, apoiado na literatura disponível, explicava o melhor que sabia as virtudes do seu produto. Um dia, após uma explicação particularmente convincente, ouviu esta resposta: “Pois é, caro senhor, gostei muito desse tractor! O problema é que eu comprei um há dias! Mas o próximo, será consigo!” Na verdade, ele não tinha dado “mais” que a sua palavra a outro vendedor e por isso considerava-se vinculado ao seu primeiro acordo! Não sei se, 40 anos depois, os Açores ainda praticam a mesma honradez, mas gosto muito de, para a minha própria sanidade mental, acreditar que sim! Cá pelo continente, recordo quando cheguei a Évora, o “Dia de S. Porco”, às terças-feiras, em que uns grupos de homens se juntavam na Praça do Giraldo pela manhã e negociavam o gado que havia ficado nas camionetas e atrelados, estacionados no Rossio de S. Brás.

Depois de fechados os negócios, lá iam então entregar, receber e finalmente conhecer o gado transaccionado. Isto implica uma grande confiança na palavra do outro, que julguei ser transversal a toda a sociedade. Sei hoje, por experiência própria, que não é assim, pois até já fui vítima de um perjúrio por parte de gente supostamente íntegra e responsável, que vergonhosamente negou ter-me encomendado um projecto em que o meu gabinete trabalhou durante meses! Na verdade, a palavra de honra e as outras expressões, são um bem caído em desuso e, o que é muito mais grave, o seu conteúdo também. A palavra, mesmo a de honra, parecem já não vincular nada nem ninguém! A palavra de rei, a tal que não volta atrás, por exemplo, tem visto bem maus dias ultimamente, pelos reinos em que essa obsoleta e pouco democrática instituição ainda teima em subsistir! Ao menos os presidentes e as suas famílias sabem que a sua “protecção” é transitória e por isso tenderão a ser aparentemente mais precavidos. Isto, no caso em que não se transformem em ditadores (ou “reizinhos”), com o que isso implica de impunidade vitalícia. Se é um dado adquirido que a palavra de Donald Trump é um bem sem qualquer valor, que dizer da credibilidade de todos os banqueiros que ainda hoje nos obrigam a pagar as suas diatribes? Ou do emérito rei de Espanha? A palavra destes exemplares (que, infelizmente, são meros exemplos) nada vale e isso desacredita as instituições onde operam, como a banca e os governos. Parece já não haver gente “acima de qualquer suspeita” e é por aqui que entra a corrupção, que é a capacidade de distorcer e falsear a verdade, favorecendo uma pessoa ou um grupo, em prejuízo de outro ou outros. Recordo contudo uma senhora bem pobre que se perguntava perante as câmaras de televisão, entrevistada por ocasião de uma tentativa de suborno que lhe tinham feito “Se não tenho mais nada senão a minha palavra, que me restaria se a vendesse?” Precisamente o contrário do que ainda há pouco “aprendi” num dos inúmeros programas televisivos de análise futebolística: “Se o árbitro não viu, não é falta!” O futebol só é preocupante porque nele se revêm muitos dos nossos jovens, que assim aprendem que uma coisa só é errada se e quando for detectada! Uma malandrice bem feita, não será por isso, errada! O que se vê na sociedade em geral, é este princípio aplicado a tudo!


O Mundo está muito confuso! As instituições que nos habituamos a reconhecer como credíveis e confiáveis são hoje muitas vezes reféns de indivíduos pouco escrupulosos, que com eles arrastam a credibilidade das instituições que gerem. E assim o Mundo se vai tornando cada vez mais num lugar onde reina a lei do mais forte (o que tem o dinheiro, o que tem as armas, o que tem o poder do arbítrio, etc), descredibilizando, paulatinamente, as instituições que nos são necessárias à vida em sociedade como a democracia, a honorabilidade, ou a própria palavra. Palavra de Honra!

Fernando Pinto

Arquiteto

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