Peça arqueológica exposta em Loulé pode afinal não conter escrita do sudoeste

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Uma estela (bloco de pedra) com escrita do sudoeste encontrada na serra algarvia e exposta em Loulé pode afinal não conter vestígios dessa primeira forma de escrita surgida há 2.500 anos na Península Ibérica, admitiu à Lusa um investigador.
O arqueólogo Pedro Barros é investigador do Projeto Estela – criado em 2008 para estudar e promover o legado desta escrita criada a partir do alfabeto fenício, na Idade do Ferro – e reconheceu que está em curso um debate sobre a presença ou não da escrita do sudoeste nessa estela, encontrada em 2018, quando estava a ser utilizada como pedra de lavar numa recriação histórica, no concelho de Loulé.
“Estamos a falar de uma peça arqueológica, sem dúvida, uma peça arqueológica que é uma epígrafe, uma pedra gravada, mas nós, neste momento, não temos tanta certeza se aquilo efetivamente é uma estela com escrita do sudoeste. Tem havido alguma discussão em torno disso”, afirmou Pedro Barros.
A mesma fonte esclareceu que a hipótese de não ser escrita do sudoeste foi levantada durante um “colóquio de línguas e culturas paleo-hispânicas, onde as problemáticas das línguas pré-românicas da zona Península Ibérica são abordadas” e onde “alguns cientistas se debruçaram sobre a estela da Cortelha”, assim designada porque pertencia à associação da localidade homónima do concelho de Loulé.
“E há leituras diferentes e entendimentos distintos, que apontam para que poderá, ou não, ser uma estela com escrita do sudoeste”, acrescentou a mesma fonte, frisando que esse é o debate que os especialistas fazem neste momento.
Pedro Barros salientou que, “mesmo que não seja uma estela com escrita do sudoeste”, trata-se de “uma peça arqueológica, escrita com processos muito semelhantes à Idade do Ferro” e “se calhar, em contextos da época medieval”, pelo que representa “uma escrita antiga” e torna a estela “importante na perceção das escritas do interior do Algarve”.
A escrita do sudoeste surgiu na Idade do Ferro, antes da época romana e depois da Idade do Bronze, e há vestígios da sua presença no Algarve, Baixo Guadiana e estuários do Sado e do Tejo, mas também na área que vai se Cáceres a Sevilha, em Espanha, segundo o investigador.
A partir do alfabeto fenício, foi feita uma “transformação e adaptação pela comunidade local à língua que se falava na região”, com a mistura de carateres fenícios com signos que as comunidades locais criaram para traduzir sons que não tinham equivalência no seu dialeto, explicou a mesma fonte.
Os investigadores ainda não conseguem perceber o sentido da escrita e Pedro Barros deu o exemplo do sueco para explicar o porquê: “conseguimos reconhecer os carateres da língua sueca, porque são os nossos, conseguimos ler um texto sueco com a nossa entoação, mas podemos não acertar nos sons nem perceber a mensagem do texto”, justificou.
A diretora do Museu Municipal de Loulé, Dália Paulo, contou à Lusa que a estela foi achada durante a festa da Espiga, em Salir, quando o fotógrafo Jorge Graça, que já tinha feito trabalhos sobre a escrita do sudoeste, reparou nas inscrições existentes numa “estela que estava a ser aproveitada como pedra de lavar” por uma associação da aldeia de Cortelha, na serra algarvia.
“Os especialistas confirmaram que se tratava de uma estela e a associação fez a doação para a integração no espólio do Museu de Loulé. Como na altura tínhamos as restantes estelas do Museu Nacional de Arqueologia, suprimos a lacuna e pudemos ter mais uma estela que os visitantes pudessem ver”, enquanto as restantes estavam fora em exposição, disse.
Dália Paulo destacou que a pedra foi “recolhida por uma pessoa que a reutilizou como pedra de lavar, mas deu-lhe valor”, e salientou a importância de dar a conhecer este património à população para que ela possa conhecer, identificar e até recuperar este património, “que faz uma aproximação às pessoas que viviam nesse território há 2.500 anos”.

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