Porto de Abrigo do Algarve salvou mais de 500 animais marinhos em 20 anos

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Com uma área de atuação no litoral que vai do Rio Mira até à foz do Guadiana, o Porto de Abrigo do Algarve dedica-se há quase 20 anos ao salvamento de animais marinhos. Segundo os seus dirigentes, terão sido salvos neste período mais de 500 animais, sobretudo mamíferos e répteis (com o grosso da coluna, neste item, constituído por tartarugas e cágados)

Instalado no interior do parque marinho Zoomarine, na Guia (Albufeira) que o financia integralmente, o Porto de Abrigo conta com parecerias diversas com entidades oficiais e organismos ligados à preservação da natureza, salvamentos e vida marinha. Entre elas está a Autoridade Marítima, a Marinha, o Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) da GNR, o Instituto de Socorros a Náufragos e a Abrigos, uma rede de salvamento que pretende pôr à distância de um telefonema a diferença entre a vida e a morte de um animal em apuros na costa sul de Portugal, seja a que horas for, do dia ou da noite.
Não é, pois, de admirar que, quando na manhã do passado dia 19 de maio foi devolvido ao mar, 10 milhas a sul de Faro, o último destes animais, uma tartaruga comum batizada de “Tortuga”, após convalescença nas instalações da Guia, houvesse uma miríade de entidades oficiais e representantes de organizações diversas, encimadas pelo próprio chefe de Estado Maior da Armada, almirante Gouveia e Melo, o célebre “almirante das vacinas anti-covid”.
De resto, embora sempre com o Zoomarine na liderança do processo de criação do Porto de Abrigo, a verdade é que a génese do nascimento destes meios de socorro contou, numa primeira instância, com mais dois parceiros: o Jardim Zoológico de Lisboa e o projeto Delfim Sado. Corria o ano de 1997.
Mas foi o parque marinho algarvio que sempre esteve na liderança do processo. O biólogo Élio Vicente, 50 anos, diretor do Porto de Abrigo, explica como tudo começou: “O Porto é a materialização física de uma série de dinâmicas que começámos a fazer em Portugal em 1989. Começámos a ser chamados pelas autoridades para dar apoio a animais que davam à costa. E tentámos em 1989 (então ainda eramos os Golfinhos de Miami em Lisboa) a convencer as autoridades a criar uma rede de alojamentos”.
Situações que, segundo o especialista são comuns e ocorrem desde tempos imemoriais, estas de os animais darem à costa – fenómeno a que se designa cientificamente “um arrojamento” -, embora agora sejam mais visíveis, devido à maior sensibilidade das pessoas para o fenómeno e a própria intermediação mediática. Estamos a falar de golfinhos, focas, tartarugas marinhas, pequenas baleias, lontras e cágados.
“Em 1988 e 89 começámos a ter estes pedidos e em 1991, quando o parque abriu, começámos a tentar criar esta estrutura, uma rede de alojamentos e centros de arrojamentos, com a ajuda do Governo através do Instituto de Conservação da Natureza (ICN). Como o Governo não avançou na altura, em 1997 criámos a estrutura de rede, com os dois parceiros já referidos”

Piscina com capacidade para animais até 400 quilos
Finalmente em 1999 o ICN aceitou criar a rede de arrojamentos, no âmbito das quais começaram a ser feitas várias dinâmicas de salvamento, mas os animais eram recebidos em piscinas portáteis e não havia uma estrutura física. “Também neste caso, como o Governo não avançou para a criação de estruturas permanentes, tivemos que ser nós a avançar e criámos o primeiro centro, aqui, que foi durante muitos anos o único porto de abrigo a nível nacional para receção de animais marinhos”. Há outro centro congénere em Ílhavo, próximo de Aveiro, na região centro do País.
Financiado em exclusivo pelo parque, sem dinheiros estatais, é no plano de outras ajudas que as autoridades coadjuvam estas missões salvadoras: “Há parcerias político-legais, o Governo autoriza que o nosso pessoal vá à praia e toque nestes animais, temos licença para isso. Também temos autorização para os transportar. Por delegação de competências e ausência de respostas durante muitos anos fomos o único local do País onde esses animais podiam estar em recuperação”, frisa Élio Vicente.
Hoje, o panorama é diferente: nas instalações do Porto de Abrigo, recatadas das enormes avenidas deambuladas quotidianamente por milhares de visitantes do parque marinho, as instalações do Porto de Abrigo consistem numa enorme piscina redonda com capacidade para animais até 400 quilos, várias outras piscinas, um laboratório, uma enfermaria com Cuidados Intensivos e outras estruturas.
No Porto de Abrigo, que faz 20 anos no próximo mês de dezembro, trabalham a enfermeira veterinária Antonieta Nunes, o biólogo Yhoann Santos e o estagiário Pedro Ramos, mas, ressalva Élio Vicente, “há toda uma outra estrutura, de monitorização da qualidade da água, alimentação, educadores, médico-veterinária, etc.”, que o centro de ajuda vai buscar à estrutura humana e logística do parque.
Para socorrer os animais doentes ou em aflição, os resgatadores têm competências delegadas pelo ICN, Marinha Portuguesa e municípios. E a provar que se trata mesmo de um trabalho de equipa, o diretor do Porto de Abrigo sublinha que, na praia, a organização que dirige conta com o apoio da Polícia Marítima, capitanias, técnicos do ISN e SEPNA. “Mas legalmente só quem pode tocar, recolher, resgatar, transportar e tratar somos nós”.

Veraneantes são “patrulhadores informais” e dão o alarme
Aliás, os responsáveis do centro, pela voz do diretor, aconselham vivamente a que as pessoas que veem um animal desses “não mexam, não toquem, não interajam. Façam o que se faz com os humanos, avisem as autoridades competentes: pode ser o ICN, pode ser a rede dos arrojamentos, que a maioria das pessoas desconhece, mas funciona 24 horas por dia. Por seu lado, o SEPNA [GNR] tem a função de fazer de interface com a entidade de recolha”, explica.
Sobre os números de deteções e recolhas, enfatiza que eles variam muito: “Podemos estar cinco anos sem receber uma única foca e às vezes no mesmo ano, por causa das correntes, recebemos 5 ou 7 focas. Infelizmente, muitas não sobrevivem.
Por outro lado, fatores como a altura do ano ou mesmo a hora do dia podem fazer toda a diferença nos números de avistamentos ou deteções: “Para detetar estes animais é preciso que haja pessoas na praia, a maior parte dos animais são detetados pelos que estão na praia. Por exemplo, há mais arrojamentos no verão, porque as pessoas estão na praia, assim como há mais casos entre sexta à tarde e domingo. que é quando as pessoas têm tempo para ir para à rua”, exemplifica, “As pessoas que avistam estes animais são ‘patrulhadores informais’. Funcionam mais de dia, em dias de folga e com bom tempo. No inverno à noite ninguém está na praia”, salienta o diretor do Porto de Abrigo do Algarve.

“Destruir” meio avião para levar uma tartaruga
Num contexto em que cerca de dois terços dos animais recolhidos e tratados são répteis do tipo tartarugas e cágados, os espécimes mais fáceis de tratar são estes últimos, uma espécie de tartarugas marinhas de muito pequena dimensão, cujo habitat é a água doce de rios e lagos.
Mas como assinala Élio Vicente, os técnicos do centro de ajuda não escolhem: paredes meias com os minúsculos cágados de 150 a 300 gramas podem conviver (num tanque à parte, claro) tartarugas enormes. A maior de todas já ali tratadas foi uma “tartaruga de couro” que pesava 295 quilos à chegada ao Porto de Abrigo.
Corria o penúltimo mês de 2011 quando uma outra tartaruga de grandes dimensões, graciosamente batizada de “Johnny Vasco da Gama” em honra à sua história de vida, protagonizou um episódio que assinala o esmero dos técnicos do Zoomarine e do trabalho de equipa entre várias entidades: quando chegou a vez de regressar ao mar (o objetivo destas operações de salvamento é sempre devolver os espécimes ao meio natural), esse regresso fez-se do outro lado do mundo: e os “salvadores” acompanharam o réptil ao Golfo do México, de onde era natural, apesar de ter sido recolhido na Holanda. Graças a uma pareceria com a TAP Cargo, a viagem foi graciosa, para o animal e para os dois técnicos que o acompanharam no voo: o próprio Élio e a enfermeira veterinária Antonieta Nunes.
“Para que a viagem fosse possível, a TAP modificou um airbus, retiraram uma fila de cadeira e tiveram que voltar a certificar esse aparelho para que pudéssemos ter a tartaruga ao nosso lado no voo. Tiraram a última fila de cadeiras do avião, desmontaram as casas de banho, voltaram a montar as casas de banho e a caixa teve que ser amarrada e tivemos que pedir autorização para aumentar a temperatura para que a tartaruga fosse ao nosso lado. E a tartaruga foi ao nosso lado, monitorizada ao minuto. Foi em novembro de 2011. Tivemos direito a reportagem da CNN”, narra Élio Vicente, garantindo que não foi caso único: graças à pareceria com a TAP, já foram feitas várias viagens congéneres à volta do mundo.
Mas porque arrojam (entram em terra ou aproximam-se demasiado dela) estes animais? “Arrojam por quase tudo o que tem a ver com doenças humanas, sobretudo os que são mamíferos como nós, sejam golfinhos, lontras, focas ou outros. Infeções, infestações, gravidez, pneumonias, velhice. Outro problema acrescido são os animais emaranhados em artes de pesca ou redes, abalroados por navios e lanchas ou jet-sky. Colisões que partem ossos, fazem perfurações nos pulmões e outros órgãos. Estão condenados à morte. E há as vítimas de hélices, em que os animais ficam retalhados. E as pessoas a bordo nem notam, sobretudo se for um grande navio. E depois há os plásticos. Há muitos que dão à costa porque tiveram o azar de interagir com um objeto que eles não sabem o que é e que pensam que é alimento. E é um plástico. O animal não está preparado para que, no mundo selvagem, o que está ao pé da boca não seja alimento”.

Não devolvam os animais ao mar, roga Porto de Abrigo
Sobre números de animais tratados, eles são muito contingentes: segundo Antonieta Nunes, em 2019 entraram 11 e 3 morreram no centro de reabilitação, mas há anos em que chegam aos 20. “Este ano estamos no sétimo animal recolhido. E 95% dos animais recuperam. Para nós um animal que recuperou, é um animal devolvido ao selvagem. Isso é sucesso”.
“Em média, chegamos a fazer 10 a 12 devoluções por ano ao meio natural. Mas pode ser o dobro. Ou metade. Não depende de nós. Nós estamos passivamente à espera que nos chamem, como nas emergências médicas”, ajunta Élio Vicente.
E os números oscilam também em função do tipo de socorro prestado: “Às vezes vamos à praia, mas não precisamos de trazer o animal. Ele precisa de ajuda lá, só precisa de reabilitação e pode ser devolvido à natureza ali mesmo”.
No entanto, o líder do Porto de Abrigo salvaguarda que só um técnico está habilitado, em condições científicas rigorosas, a fazer essas devoluções: “Há pessoas que tentam levar os animais para o mar. Um animal que dá à costa é porque está doente ou ferido e metem-no na água. É o mesmo que pegar numa pessoa que foi às urgências médicas e levá-la de volta para a sua aldeia. Se a pessoa está no hospital, precisa de ajuda. As pessoas na sua boa vontade estão a fazer com que o animal vá morrer longe. E terá uma morte ainda mais lenta e dolorosa porque não recebeu a ajuda que poderia ter recebido!”.
O que fazer então em casos destes, por exemplo, um golfinho em dificuldades em Vila do Bispo? Um telefonema para o SEPNA, por exemplo: “Eles ligam para o ICN ou diretamente para nós e enquanto um de nós está a avisar o ICN, o outro membro da equipa está a agarrar nas nossas mochilas de emergência que estão preparadas e prontas a sair e a nossa equipa de resgate faz-se à estrada”, descreve Élio Vicente, sublinhando que os meios de transporte terrestre são do próprio Porto de Abrigo. “E agora vamos ter uma espécie de ambulância zoológica. Mas um animal como a tartaruga de couro tem que vir numa carrinha de caixa aberta”.
Quanto a meios de transporte marítimos, a Marinha é, (depois do ICN, por outras razões), a parceria mais antiga e regular. “Tem facilidade de levar os navios a qualquer local do País sem precisar de pedir autorização. E eles precisam de dar treino aos seus militares. Somos os parceiros da Marinha e da Autoridade Marítima para os acidentes com petróleo no que respeita à emergência com animais em marés negras”.
Sobre custos, Élio Vicente reconhece que a administração do parque evita o assunto: “Não queremos que estes animais sejam contabilisticamente tratados por economistas. Quanto custa cada um e qual é a taxa de gastos por animal. Isso é humanisticamente perverso. O porto de abrigo é uma missão, não é um projeto financeiro. Salvamos todos os animais. Nunca fizemos taxas de sobrevivência, nem custos médios de sobrevivência, nem de internamentos”, explica, admitindo, contudo, que, no que respeita a taxas de sobrevivência, elas são altas, embora dependa da espécie de que se trata. Pode passar dos zero por cento no caso dos golfinhos (um autêntico bico de obra em matéria de sobrevivência, com raríssimos casos de sucesso) e os 95% das tartarugas marinhas, as espécies mais resilientes quanto às possibilidades de sobrevivência.

Cágados e tartarugas são os principais beneficiários do Porto de Abrigo

Segundo o Porto de Abrigo do Algarve, mais de meio milhar de animais já foram tratados, entre operações que implicaram o seu transporte para as instalações da Guia e socorros de emergência nos locais de arrojamento. Mas se se contabilizar todos, incluindo os que foram tratados a pequenos ferimentos e devolvidos ao meio marítimo, talvez cheguem a 700, admite o responsável máximo do Porto de Abrigo do Algarve, Élio Vicente.
Os números são de várias ordens de grandeza: o ano com mais entradas no Porto de Abrigo foi 2012, com 35 animais; o ano com menos entradas foi 2020 (ano da eclosão do covid-19), com 5 animais.
A espécie com mais entradas nas instalações é o cágado do Mediterrâneo, com um total de 223 espécimes tratados em praticamente duas décadas.
A segunda espécie com mais tratamentos é a tartaruga comum, com 59 espécimes socorridos e tratados.
Ao longo dos anos, o Porto de Abrigo recebeu para resgate, reabilitação e devolução ao meio natural 11 espécies (cágados, tartarugas marinhas, lontras, focas e golfinhos)

João Prudêncio

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