Projetos inovadores diversificam economia algarvia

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Para lá da costa e das praias, há um Algarve serrano que vale a pena ser conhecido. Não só pelas suas gentes e tradições, mas também pelas potencialidades socioeconómicas, pelos novos negócios que podem combater o despovoamento e imprimir prosperidade e dinamismo aos locais mais remotos da região

Barras energéticas fabricadas em Querença, um retiro espiritual no ponto mais alto do Algarve, um hotel para cães a caminho de Monchique ou um museu de arte digital no entre o barrocal e a serra são alguns dos projetos de quem pensa a região a olhar para o futuro e para as potencialidades dos produtos locais e que já fazem eco além-fronteiras pela forma como articulam tradição e inovação.

As barrinhas mais conhecidas (e saborosas) do Algarve

Ana Barreto (49 anos) e Mafalda Covedo (19 anos) arregaçaram as mangas e são agora os rostos (e as mãos) por detrás das Barras Energéticas de Querença (BEQ). A ideia surgiu em 2015 por via de um grupo de pessoas ligadas à Universidade do Algarve e também aos municípios de Faro e Loulé. A ideação de projetos que dinamizassem os recursos naturais e estimulassem o empreendedorismo nos territórios do interior do Algarve faziam parte dos objetivos do Projeto Querença. Quase sempre, uma ideia surge de mãos dadas com uma necessidade e, neste caso, não foi diferente. (…)

Ana Barreto e Mafalda Covedo (BEQ)

Um retiro no interior, mas com vista para o mar

O Karuna Retreat Center é um centro de meditação e retiros localizado num dos pontos mais altos da serra de Monchique. O Centro é a prova de que o Algarve pode ser vivido de uma forma alternativa, com tudo aquilo que a região tem para oferecer. O Karuna é gerido por uma transmontana de 60 anos, que vive no Algarve há pelo menos 38. Ana Ferraz é um dos rostos do interior algarvio. As cidades nunca foram “um sítio atrativo”, confessa ao JA. A seu ver, o litoral “é muito povoado” e é exatamente o oposto do estilo de vida que segue e partilha com dezenas de pessoas. Ana gosta do campo, onde “há outra tranquilidade e se consegue ter o tempo que a cidade absorve”. É na montanha que obtém o melhor de dois mundos: “a serra e o mar”, isto porque tem a sorte de conseguir ver o mar a partir das montanhas. A responsável pelo centro de retiros defende que “as pessoas do campo precisam de mais” e exorta a que não se deixem morrer os sítios e as tradições. Apesar de a comunidade local não estar “muito sensibilizada para o conceito”, maleita que só o tempo curará, na sua opinião, há pessoas que chegam do outro lado do mundo só para se conectarem com os ares de Monchique (e consigo próprias).
A ideia de criar um centro de retiros em plena serra de Monchique começou no início dos anos 90, mas até chegar a ser um Centro, tal como é nos moldes atuais, “demorou algum tempo”. Na altura “não se chegava de carro nem havia eletricidade”, recorda a transmontana. Quando lhe chegou aos ouvidos que a estrada de acesso seria alcatroada, Ana Ferraz ficou “muito reticente”. Sabia que era necessário o desenvolvimento, mas temia pela paz “que se poderia perder por culpa da velocidade”. O alcatrão acabou por não ser “o bicho papão” que Ana esperava. Hoje, ao JA, assevera que está num local “pacífico e único”, de onde não pensa sair. Apenas torce o nariz aos ralis que se correm no concelho, “pelo ruído e pelos danos que causam nos acessos circundantes” e que “bloqueiam os residentes” durante o decorrer daqueles eventos.
O Centro está aberto para retiros de grupo e individuais. Em sânscrito, “Karuna” significa “compaixão”.

retiro
Karuna Retreat Center

Maior hotel para cães da Europa fica a caminho de Monchique
Miguel Costa, de 54 anos, é um dos sócios do Hotel do Cão – uma unidade hoteleira criada exclusivamente a pensar nos animais de estimação. Engenheiro agrónomo de formação, Miguel Costa vive no Algarve há mais de 30 anos, onde em 2013 decidiu criar um projeto inovador em Vale da Rainha (Monchique). Dadas as particularidades dos seus clientes de quatro patas, é no campo que é possível contar com todas as condições para prestar um serviço de qualidade aos animais. A Quinta do Vale da Rainha, a caminho de Monchique, é o único lugar “onde faz sentido” a localização. Aqui temos tudo o que os nossos hóspedes adoram: espaço, diversão e liberdade. A localização é uma mais-valia e um fator determinante para o negócio”, explica o lisboeta. No Vale da Rainha há 30 mil metros quadrados de relva. Por ser um sítio calmo, o ruído exterior é mínimo, o que proporciona uma experiência única aos patudos que por ali passam.
O Hotel, com capacidade para 150 cães e 40 gatos, tem como mercado potencial os residentes de toda a região. Contudo, durante o verão, é de Lisboa que chegam a maioria dos animais, mas já chegaram a receber cães nova-iorquinos. Os animais que passam uma estadia em Monchique têm a garantia de umas férias com tudo incluído: parques de passeio, atividades, boxes, quartos de hotel, comida e tratamento adequado às suas necessidades e até uma praia fluvial, sem faltar o carinho e a dedicação dos monitores.
Miguel Costa diz-nos que o negócio surgiu “por acaso”, mas a verdade é que, reconhece, vai de vento em popa. No início, apercebeu-se da sua viabilidade quando recebeu 200 chamadas num só dia, graças à publicação de um vídeo de promoção do espaço, idealizado em torno de uma narrativa romântica e protagonizado por um cão e uma cadela, que se conheceram no hotel. O vídeo tornou-se viral e chegou mesmo a passar na televisão, no programa da RTP “Animais Anónimos”, apresentado por Nuno Markl.

Quinta do Vale da Rainha (Monchique)

Primeiro museu de arte digital da Europa vai nascer… no interior
Ainda não abriu portas, mas há muito tempo que dele se fala. Foi em 2017 que o JA dava a notícia do primeiro museu português exclusivamente dedicado à arte digital. Localizado nos antigos silos de cereais e armazéns da Cooperativa Agrícola de Santa Catarina da Fonte do Bispo (Tavira), o Museu Zer0 será também o primeiro museu de arte digital da Europa. Paradoxalmente, associamos a arte digital aos centros urbanos. Contudo, este projeto cultural, idealizado por Paulo Teixeira Pinto, já trabalha para conectar a magia do digital às tradições e costumes do interior, sem descurar a participação da comunidade local. João Vargues (65 anos), membro da Comissão Executiva do Museu, adianta ao JA que a inauguração está prevista para o início de 2023. O Museu Zer0 irá estabelecer-se num edifício simbólico e que está ligado às raízes do Algarve rural, o que o torna num projeto híbrido que abraça o passado, o presente e o futuro.
Antes da inauguração, o Museu Zer0 já é um projeto que estimula a criação e a produção artística regional, com o objetivo de acolher, incubar e apoiar iniciativas empreendedoras no futuro Centro de Experimentação e Criação Artística em Arte Digital (CECAAD). Ali serão apoiados projetos artísticos de criação, produção e apresentação de arte digital, bem como de iniciativas empresariais de suporte. Neste momento, o projeto colabora com 15 artistas e empreendedores, entre especialistas em artes digital e tecnologias, no âmbito do Projeto Magalhães, financiado pelo Programa Interreg VA España-Portugal (POCTEP) e que promove projetos de cooperação transfronteiriça com o apoio da União Europeia.
O grande desafio do projeto parte do contexto onde se fará esta intervenção, apoiada pelo CRESC Algarve e pelo Turismo de Portugal: instalações industriais abandonadas, num território ainda sobretudo agrícola, em vias de desertificação, mas onde permanecem vivos extraordinários aspetos e valores da etnografia, cultura e património algarvios. Parte sobretudo da ambição de transformar um velho celeiro num centro dedicado à produção artística que projetará o Algarve e Portugal a nível internacional.

O primeiro museu de arte digital da Europa, Museu Zer0 vai nascer em Santa Catarina (Tavira)


Para João Vargues, este projeto “só poderia nascer no interior”, num local que acaba por ser por si só “uma inspiração para os artistas e pelas pessoas que ali passam”. A arte digital que nasce num antigo equipamento industrial “vai reforçar a identidade do projeto e criar uma modernidade assente nas raízes locais como um ponto de articulação com a comunidade e os artistas”, sublinha. No Museu Zer0, a arte artesanal será incorporada em instalações de arte digital, algo que desperta curiosidade entre os locais.
O conceito principal em que assentará este Museu será a criação de um lugar de representação física de obras de arte de carácter digital. Essa materialização passará pela partilha (das obras ao público), pela sensibilização de alunos para a arte digital, mas também pela hospitalidade, através do acolhimento dos artistas residentes. Neste sentido, serão quatro as palavras que vão desafiar os artistas e que representam igualmente as pedras basilares do projeto, de acordo com João Vargues: Paisagem (mundo rural), Ambiente (sustentabilidade), Território (Comunidades) e as Tradições (património histórico-cultural).

Joana Pinheiro Rodrigues

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Matéria-prima algarvia é a base de outros projetos que dão que falar

Para além dos projetos inovadores que querem imprimir dinamismo ao interior algarvio e associar a região a ofertas e produtos alternativos, existem outros negócios que, embora não sejam sediados no interior ou até mesmo na região, utilizam matérias-primas locais, mão de obra algarvia e que não podia representar melhor o Algarve. Um gin à base de medronho, um têxtil de alfarroba como alternativa ao couro animal ou peças de decoração de cortiça que são um sucesso no Qatar, são alguns dos projetos que estão a fazer furor.
É o caso da ARBUN, marca de bebidas destiladas à base de medronho algarvio. João Martins e o sócio Luís Domingos são dois engenheiros florestais na casa dos quarenta que decidiram reinventar um dos produtos de maior valor económico na região. Os dois sócios viram “um potencial imenso” naquela árvore, o que os levou a explorar o mercado (nacional e internacional) e idealizar como seria possível reinventar a utilização do medronho para atingir novos públicos, sem fugir ao aproveitamento tradicional do fruto. No início, apostaram em Cachopo (Tavira), onde transformaram uma destilaria tradicional. Mais tarde, rumaram a outras bandas e fixaram-se na fronteira entre o Algarve e o Alentejo, em São Barnabé (Almodôvar). Lá construíram uma das destilarias mais inovadores do país. Contudo, é no Algarve que está (o coração) e a sede da ARBUN, situada em plena Serra do Caldeirão. Hoje, mantêm a produção de aguardente, reinterpretam a melosa, mas a estrela da casa é o gin de medronho, um produto premium que “não é só para velhos”, afirma João Martins. O fruto que processam na destilaria provém de áreas que gerem no Algarve. Em 2021 compram cerca de 50 por cento dos medronhos a diversos produtores da Serra do Caldeirão. Exploram cerca de 400 hectares de medronheiro espontâneo, sendo que em 2019 iniciaram a plantação de uma área de cerca de 50 hectares de medronheiros clonados, que serão explorados como um pomar. É no Algarve que estão grande parte dos clientes da ARBUN, desde hotéis, lojas e bares, ainda que esta seja já uma marca conhecida a nível nacional.

Artesãos do interior são uma ajuda preciosa no trabalho da cortiça
Mobiliário e acessórios de cortiça combina o espírito das tradições portuguesas com o respeito pela natureza. São os artesões do interior e a matéria-prima de excelência que fazem toda a diferença. Sandra Louro, responsável pela marca Likecork, começou a criar peças em cortiça em 2006. Natural de Faro, formou-se na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, mas voltou para o Algarve já a pensar no que poderia fazer com um material que tanto lhe dizia e que representa a região e o país. Apesar de trabalhar na capital algarvia, é na serra que a designer de 46 anos vai buscar a cortiça e a casa com outros materiais de uma forma orgânica e requintada. Enaltecer a região através do seu trabalho é uma das suas missões. A sinergia entre o tradicional e a vanguarda estão no ADN da marca, que procura sempre “extravasar outros caminhos e formas de trabalhar a cortiça”. As lamparinas algarvias, inspiradas nas chaminés da região, os candeeiros tagine, os bancos e as mesas rolha são alguns dos produtos mais procurados pelos clientes, mas também pelas lojas, decoradores, restaurantes e hotéis da região. É também no estrangeiro que a marca soma cartas. Sandra Louro conta-nos que um dos seus clientes mais extravagantes está no Qatar, para onde foram enviadas “duas paletes com material”.
A empresária conta com o apoio de uma rede de oficinas e artesãos do interior com os quais desenvolve peças que espelham a identidade e a cultura do sul, de uma forma moderna e sofisticada.

Alfarroba é a base de um projeto revolucionário no mundo da moda
Mónica Gonçalves criou um têxtil de alfarroba que promete revolucionar o mundo da moda. A sua criação, baseada num conceito de slow fashion foi idealizada para ser uma alternativa sustentável ao couro animal. O projeto Alfarroba.Tex foi lançado em fevereiro de 2022, em Lisboa, pela designer, de 33 anos, que está ligada à região: “Tenho uma costela muito algarvia. O meu pai é natural de Portimão e os meus avós viviam no Algoz. Tenho muito orgulho na história da minha família e sempre estive ligada ao Algarve e aos produtos locais, nomeadamente à alfarroba”, conta. O Alfarroba.Tex é um projeto que faz da alfarroba a estrela de uma história que tem tudo para ter um final feliz.
O material ecológico por si criado pode ser utilizado na confeção de vestuário e calçado, mas também na marroquinaria ou em peças de decoração. Mónica Gonçalves trabalha há dois anos em investigação na área têxtil e por isso se propôs criar uma alternativa a um material que habitualmente advém “de um processo químico altamente poluente”, explica. Mas porquê apostar na alfarroba? Bem, tudo começou na infância, nos verões quentes que passou na região. Foi nos campos algarvios que teve os primeiros encontros sensoriais com os cheiros e sabores da região. O cheiro e o sabor peculiar da alfarroba ficaram-lhe na memória. Depois de ter sido mãe pela primeira vez, Mónica confessa que precisava de adrenalina e de criar algo de novo. E é aí que entra a alfarroba – uma matéria-prima pouco ou nada explorada na área da moda e com propriedades únicas de resistência e elasticidade.
Hoje, é a família do Algarve e os amigos que são os seus fornecedores. Mónica tem o sonho de tornar a Alfarroba.Tex numa grande marca, com um material “que assim o merece”. Sabe que este é ainda um produto de nicho, mas está também convicta que “pode posicionar a região, os materiais algarvios e os portugueses noutro patamar”. Para Mónica, a visionária ‘meio algarvia’, a moda sustentável “é o caminho”.

J.P.R.

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