Qualidade do trabalho em Portugal: porque estamos tão mal?

ouvir notícia

A insegurança no mercado de trabalho foi o que mais se agravou nos últimos anos e que põe Portugal nas piores posições entre os países da OCDE

Se um trabalhador quiser sentir-se seguro no mercado de trabalho, o melhor é não escolher Portugal. É que somos o terceiro país entre os 34 membros da OCDE onde se corre o maior risco de perder o trabalho e ficar mais tempo no desemprego – à nossa frente só a Espanha e a Grécia.

Somos também um dos cinco países onde entre 2007 e 2013 mais pioraram as condições económicas e o apoio dado a quem fica numa situação de desemprego. E isso faz com que Portugal seja o quarto país da OCDE onde os trabalhadores menos segurança têm no mercado de trabalho.

As conclusões fazem parte de uma base de dados sobre a qualidade do trabalho nos países-membros da OCDE, publicada esta semana, e que parte de três grandes indicadores: a segurança no mercado de trabalho, a qualidade dos ganhos (e a forma como contribuem para o bem-estar do trabalhador) e o ambiente de trabalho e desgaste que os trabalhadores vivem no seu emprego.

- Publicidade -

O que a OCDE diz de Portugal é que “a qualidade dos ganhos estagnou e a segurança no mercado de trabalho caiu consideravelmente devido ao aumento do desemprego, que está ainda longe de ter sido absorvido, enquanto a qualidade do ambiente de trabalho melhorou para as pessoas que ainda estão empregadas”.

Os números mostram que em Portugal existe um risco de desemprego de 17,1%, abaixo da Grécia e Espanha. Este indicador aglomera duas dimensões: o risco de um trabalhador ficar desempregado e a provável duração desse desemprego. Entre os 34 países membros da OCDE, o menor risco vive-se na Coreia do Sul, Noruega, Japão e Suíça. A Alemanha surge a seguir, sendo o país da União Europeia (UE) que ocupa a melhor posição.

O risco de desemprego, associado ao facto de Portugal estar entre os 13 países onde o apoio económico e social dado às pessoas numa situação de desemprego é pior, leva a que seja o quarto país da OCDE com pior nível de segurança no mercado de trabalho.

“Como a Espanha e a Grécia, também Portugal foi fortemente abalado pela crise financeira global com um aumento rápido e acentuado do desemprego: de 8,6% no início de 2008 para um pico de 17,3% no início de 2013, surgindo a seguir às taxas de desemprego registadas em Espanha e Grécia”, explica ao Expresso Sandrine Cazes, economista da OCDE e especialista na área do mercado de trabalho.

“Os três países caracterizam-se por um mercado de trabalho fortemente segmentado (ou seja, com uma grande proporção de trabalhadores independentes ou com contratos a prazo). Quando a crise chegou, foram estes trabalhadores com contratos temporários (sobretudo os jovens) que estiveram na situação mais provável de perderem o trabalho.”

E se compararmos os dados nos últimos anos, percebemos que entre 2007 e 2015 foi na insegurança do mercado de trabalho que Portugal mais piorou. Se o nível de insegurança era de 5,61% em 2007, entretanto tinha passado para 11,68% em 2015.

“A segurança do mercado de trabalho degradou-se na maior parte dos países da OCDE, em particular em Espanha e na Grécia”, aponta a organização. “A crise não só afetou fortemente o número de empregos disponíveis, como também a sua qualidade. A qualidade dos ganhos, tendo em conta que o número de postos de trabalho destruídos durante a crise eram predominantemente mal pagos, desceu dois terços nos países da OCDE – especialmente na Grécia e no Reino Unido.”

Elevada desigualdade, melhoria do ambiente de trabalho

Portugal está entre os dez países onde o nível dos ganhos e a sua distribuição entre os trabalhadores é pior, atrás da Espanha e Grécia. Nas piores posições estão o México, a Turquia e o Chile.

“A desigualdade dos ganhos em Portugal está acima da média da OCDE, tanto a curto prazo como a longo prazo (por exemplo, tendo em consideração 20 anos de trabalho)”, aponta ao Expresso a economista da OCDE.

“Há um certo número de fatores que ajudam a explicar este número: a segmentação do mercado de trabalho com uma elevada proporção de trabalhadores independentes, temporários ou com contratos a prazo tem um papel importante, mas alguns estudos também apontam para um papel relativamente significativo da heterogeneidade entre empresas: trabalhadores com as mesmas características podem receber salários diferentes se trabalharem em empresas melhores (ou seja, mais produtivas e mais bem geridas).”

E há um outro ponto interessante nos dados da OCDE. O terceiro grande indicador usado para caracterizar a qualidade do trabalho nos vários países é o chamado “desgaste no trabalho” (“job strain”, em inglês), que tem em conta o ambiente no qual as pessoas trabalham. E aqui estão incluídos os aspetos não-económicos do trabalho, incluindo a natureza e conteúdo das funções desempenhadas, as relações com colegas, a duração do trabalho, a existência ou não de riscos de saúde ou físicos, e ainda a pressão que as funções envolvem.

Portugal faz parte do terço de países da OCDE onde mais trabalhadores vivem em condições de desgaste: eram 46% em 2015. Contudo, foi em Portugal que se registou a melhor evolução do ambiente de trabalho na última década: de 58,95% em 2005 para 46% em 2015.

Aparentemente pode ser uma perceção contraditória: num país onde a segurança no mercado de trabalho e o risco de desemprego atingem os piores níveis na OCDE, e se agravaram nos últimos anos, como é que a qualidade do ambiente no trabalho pode ter registado o maior aumento na última década entre 21 países?

“Este indicador mostra a qualidade do ambiente de trabalho entre aqueles que estão ainda empregados, portanto também reflete a possibilidade de a qualidade do ambiente ter melhorado porque muitos dos piores postos de trabalho foram destruídos durante a prolongada crise”, justifica Sandrine Cazes ao Expresso.

“No caso de Portugal, que tinha um dos níveis mais elevados de desgaste no trabalho [ou seja, de pior ambiente] entre os países da OCDE antes da crise económica, uma parte significativa dos trabalhos dos mais jovens e dos menos qualificados perdeu-se. Contudo, a percentagem em Portugal ainda é relativamente alta em 2015, com 46% dos trabalhadores em trabalhos sob desgaste.”

Sandrine Cazes lembra que apesar da perda de emprego dos trabalhadores que estavam em situações de maior instabilidade, “Portugal levou a cabo um número importante de reformas, incluindo do mercado de trabalho, com o objetivo de impulsionar o crescimento económico e dar resposta a um dualismo disseminado”. E acrescenta: “Estas reformas contribuíram para uma criação de emprego relativamente forte e uma descida significativa do desemprego”.

Em geral, entre os países-membros da OCDE, as situações variam consoante a idade, o sexo ou as habilitações dos trabalhadores. “Os jovens e os que têm menos habilitações não só tendem a refletir as piores posições em termos de emprego, como também têm ganhos mais baixos, uma insegurança no mercado de trabalho consideravelmente mais alta, assim como pior posição no ambiente de trabalho (especialmente os menos habilitados)”, conclui a OCDE.

“As mulheres sofrem de taxas de emprego substancialmente mais baixas que os homens e assistem a um grande fosso em termos de pagamento. Ao mesmo tempo, é menos provável que estejam em situações de tensão no emprego do que os homens.”

Analisados os três grandes indicadores para todos os países, quais os melhores países para trabalhar? Austrália, Áustria, Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Luxemburgo, Noruega e Suíça. E os piores? Estónia, Grécia, Hungria, Itália, Polónia, Eslováquia, Espanha e Turquia, além de Portugal.

Raquel Albuquerque e Sofia Miguel Rosa (Rede Expresso)

- Publicidade -

Deixe um comentário

+Notícias

Exclusivos

Deixe um comentário

Por favor digite o seu comentário!
Por favor, digite o seu nome

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.