Quase 20 anos a criar e educar artistas no sotavento

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O Conservatório Regional de Vila Real de Santo António comemora 20 anos de existência em julho de 2021. Duas décadas em que foi um importante veículo e ensino artístico em toda a região. Da dança à música, todos os dias se respira arte no histórico edifício oitocentista que, além de ensinamentos, transmite valores aos homens e mulheres de amanhã. Após um período de dificuldades que quase levou ao seu encerramento, o Conservatório renasceu nas cinzas. Tem nova e dedicada direção e conta com o apoio voluntário dos pais

É na antiga casa Parodi, na Avenida da República em Vila Real de Santo António, que têm lugar aulas artísticas de música e dança para crianças e jovens do sotavento algarvio, mas o edifício neste momento está encerrado, devido à pandemia de COVID-19. O edifício destaca-se no meio de urbanizações mais modernas, com as suas características arquitetónicas históricas e emblemáticas para a cidade, do tempo do auge da indústria conserveira do atum.


De uma residência oitocentista e primeira fábrica de conservas da cidade, edificada em 1879 pelo italiano Ângelo Parodi e distinguida pela Direção Geral do Património Cultural, tem vindo a ser transformada e reabilitada desde 2006 para, cada vez mais, proporcionar melhores condições aos seus alunos.

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Da música à dança


O Conservatório Regional de Vila Real de Santo António oferece um leque de possibilidades para os seus alunos, da música à dança. Na área da música, os estudantes podem escolher instrumentos como acordeão, clarinete, flauta transversal, guitarra clássica, percussão, piano, trombone e violino, enquanto que na dança, estão disponíveis vários géneros como o ballet clássico, jazz dance, dança contemporânea, hip hop, break-dance e dança criativa.


Ao todo, o Conservatório tem mais de uma centena de alunos inscritos, pertencentes aos concelhos de Vila Real de Santo António e de Castro Marim, dos três aos 82 anos. Ao contrário do que se pensa, as aulas não são apenas para crianças: são para todos aqueles que querem aprender música ou dança.


“A dança é uma das mais procuradas, apesar de haver muita oferta na cidade”, refere Isaura ao JA.


Em relação aos concursos internacionais, o Conservatório desvaloriza a participação dos seus alunos porque a prioridade dos órgãos pedagógicos “é o trabalho diário na formação artística dos alunos e não a formatação destes como pessoas onde a exigência maior é a dedicação e o tempo disponível, o qual por vezes os alunos não dispõem para um trabalho técnico e uma maior rotina necessária para tal”, esclarece Isaura.


Apesar de concordar que deve existir alguma competitividade saudável, Isaura destaca que “às vezes é difícil ir a algum concurso, porque a maior parte deles acabam por ser em alturas letivas e os pais que inscrevem os filhos no Conservatório procuram a linha pedagógica atual e alternativa de cariz mais formativo e menos competitivo”.


No entanto, a hipótese não é descartada e alguns alunos já foram a algumas mostras internacionais, como a Liverpool (Reino Unido), por exemplo, mas sempre em eventos que sejam “pontuais e que acrescentem aprendizagem e convívio saudável, sem competição feroz e com possibilidade de articulação com o calendário escolar”.


O bem-estar dos alunos é uma das preocupações do Conservatório relacionada com os concursos “pois exigem muito trabalho” e também “estão cada vez mais dispendiosos”.


Nesta instituição, é dada “muita prioridade às paragens letivas” e funciona de acordo com o calendário escolar, “pois também é importante para as crianças estarem com os pais e fazerem uma paragem”.


Apesar de já apresentarem várias opções aos alunos, “às vezes é difícil ter mais horário ou mais oferta a nível de instrumento, porque são aulas que não podem ser lecionadas em conjunto”, na maior parte das vezes, explica.


“Tentamos ensiná-los a respeitar a música, a ouvir os colegas e todos os valores que estão por trás, não é só aprender a tocar música”, disse Isaura ao JA, acrescentando que para cativar os alunos, “os professores tentam adaptar o programa com algumas coisas mais atuais, mas ao nível daquilo que é exigido, há muita coisa que tem como base o clássico”.


A sobrecarga horária é outra das dificuldades que o Conservatório sente: “quase todas as crianças que estudam música têm uma sobrecarga horária bastante grande”, confessa.


“É preciso gostar, ter motivação e às vezes é complicado gerir tudo isto. Há alunos que saem da escola vêm diretamente para o Conservatório. Há muito sacrifício dos miúdos e por isso é preciso que os pais os acompanhem e os motivem”, refere a presidente da direção.


Quando são divulgados os horários das escolas, a direção do Conservatório tem “muita dificuldade para conciliar tudo”, uma vez que além das aulas normais, das aulas de música ou de dança, os alunos têm também outras atividades como o futebol ou explicações.


“Entendemos que também faz falta, mas temos de os manter cativados e vamos gerindo, tentando que eles sejam felizes aqui”, refere.

A atual direção do Conservatório Regional de Vila Real de Santo António

O renascer das cinzas


“Uma das vertentes que a nova direção quer é abrir luz para o Conservatório. Era muito escuro”, começa por dizer a presidente da Direção Administrativa da instituição de ensino artístico, Isaura Cipriano, ao JA.


Quando a nova direção tomou posse, há cerca de três anos, havia “heranças financeiras muito dispendiosas” que quase ditaram o fim do Conservatório.


No entanto, quando se aperceberam da situação, os pais dos alunos e alguns elementos da comunidade escolar decidiram chegar-se à frente e “tentar levantar o Conservatório”.


Para a nova direção, foram escolhidas pessoas com qualificações relacionadas com o seu posto de trabalho “para manter tudo bem juridicamente e em ordem, porque uma das coisas que pretendemos é a transparência”, salienta.


“O Conservatório não é conhecido em Vila Real de Santo António. Ainda há muitas pessoas que não sabem que existe um Conservatório na cidade”, confessa Isaura.


Para ajudar na divulgação, a direção arrancou recentemente com um novo website oficial, disponível em https://corevrsa.com.

As dificuldades de manter as portas abertas


Apesar do Contrato Patrocínio que o Conservatório tem com o Ministério da Educação, “as exigências são cada vez maiores, o que faz com que haja mais gastos”, confessou Isaura ao JA.


A nível financeiro, o Conservatório não está equilibrado “devido às exigências, à manutenção e às licenças, que são caras, mais a água e a luz”. Acrescentando a essas despesas, ainda existem também os pagamentos e manutenção de outros aspetos como os “alarmes, os seguros dos alunos e medidas de proteção”.


“O nosso grande problema é que estamos no cantinho. Qualquer professor que tenha de vir trabalhar para cá, por vezes torna-se mais dispendioso para nós, por exemplo”, refere a presidente.


As dificuldades têm sido combatidas com a ajuda dos pais dos alunos, “que ajudam pontualmente” e têm mantido acesa a chama do Conservatório. Desde a oferta de apenas algumas latas de tinta ou outros materiais, há sempre pais “a perguntar se precisamos de alguma coisa ou de algo que se possa fazer”, disse Isaura ao JA.


Um dos apoios que os encarregados de educação proporcionaram ao Conservatório, foram ajudas para algumas obras e para a instalação de ares acondicionados.


“Não tínhamos verba para conseguir fazer isso. A despesa mensal é muito grande”, refere a presidente da direção.


Durante as paragens letivas, nomeadamente nas férias escolares, a direção atravessa algumas dificuldades “em termos financeiros” pois “ainda não chegámos ao ponto de equilíbrio na rentabilidade de alguns investimentos”.


No entanto, o pensamento positivo mantém-se no Conservatório e “o pagamento da direção são os miúdos. Vê-los felizes e ver que eles gostam de cá estar”, confessa.


Em relação à manutenção do edifício, a direção pretende “manter o antigo” e conseguiu alguns apoios da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António para recuperar a fachada.


No interior do Conservatório, cabe à direção de comprar os materiais, contando com a ajuda de funcionários da Junta de Freguesia de Vila Real de Santo António que apoiam na conservação do edifício.

Fazer pela diferença


“Temos alunos que, em vez de andarem na rua, estão aqui a estudar gratuitamente. É uma mais valia para todos”, destaca Isaura Cipriano ao JA.


Segundo a presidente da direção, as horas que os alunos passam no Conservatório é, muitas vezes, “a parte mais feliz que eles têm”. Para isso, foi necessário “reeducar os pais” porque a direção não consegue trabalhar sozinha e “o apoio dos pais nesta carga horária e a paixão e presença deles é muito importante”, refere.


“O que os pais contam é que eles vêm felizes e perguntam sempre se é o dia do conservatório. Isso é ótimo”, confessa Isaura.


O Conservatório apenas quer o bem dos seus alunos. Um dos grandes desejos da direção seria “algum patrocínio para as crianças que querem estudar e não têm condições financeiras”.


Desde há alguns anos, o Conservatório “tem arcado com alunos”, tendo mantido entre três e cinco vagas” para que consiga, a nível financeiro, “tentar gerir algum equilíbrio financeiro”.


“O nosso foco é a educação escolar, os valores e a família. É muito importante o tempo familiar”, salienta Isaura ao JA.


Atualmente, “os pais sentem uma grande diferença”, entre antiga direção e a nova. “Tanto os alunos como os pais dizem que o Conservatório está irreconhecível”, refere Isaura. “Para quem o conhecia e quem o conhece agora, está a olhos de ver”, conclui.


Espetáculos ao vivo com ótima receção


No último espetáculo de dança, que decorreu no Centro Cultural António Aleixo, as críticas não podiam ser melhores. As alunas “cantavam ao vivo com orquestra, dançavam e faziam dramatização”, num espetáculo que foi “uma mistura de artes que mais ninguém faz”, refere Isaura.


Na área da música, a direção “incentiva muito os alunos a verem e ouvirem os outros colegas a tocar” nas audições internas, que decorrem no final de cada período no auditório do Conservatório.


Os alunos apresentam a peça que estiveram a estudar durante aquele período, em frente a colegas, pais e familiares.


Na época do Natal, é feita sempre uma apresentação de todas as classes de conjunto acerca da temática. No ano passado, este evento decorreu na Igreja Matriz de Vila Real de Santo António “e foi um grande sucesso”, salienta.

Gonçalo Dourado

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