Quase 90% das ostras algarvias são exportadas para França

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A quase totalidade das ostras algarvias nascem em laboratórios franceses, apanham o camião para Portugal, depois crescem na Ria Formosa ou do Alvor durante um período que pode chegar a dois anos e acabam a retornar a terras francesas. Por vezes, depois de depuradas, ainda são vendidas para supermercados portugueses. O JA conta-lhe esta semana a história desta espécie que a ambição humana tornou migradora e que hoje - ao contrário do que ocorria há décadas - se vende que nem pãezinhos quentes. Portugal aprendeu a gostar de as comer, mas os franceses são loucos por elas. Tanto, que arrebanham quase toda a produção algarvia!

As mais de mil toneladas de ostras que se produzem todos os anos no Algarve são seres migradores: nascem em maternidades de França e a França vão morrer ao fim de ano e meio a dois anos, numa chapa, num micro-ondas, numa panela de pressão, ou, quando degustadas cruas, no estômago de algum gaulês mais afoito a cruezas.

Pelo meio, as ostras têm a maior parte do seu ciclo existencial vivido nas águas quase límpidas das Rias Formosa ou de Alvor. Quando atingem o tamanho comercial, entre 85 e 90% delas retornam a França, o grande mercado europeu de distribuição do bivalve.

De acordo com vários produtores com quem o JA conversou esta semana – curiosamente nenhum deles quis dar a cara na reportagem, argumentando “segredos” comerciais -, há três espécies de ostras que crescem e são consumidas em Portugal: a principal é a Crassostrea gigas (ou do Pacífico), que cresce nas rias algarvias Formosa e Alvor. A segunda em quantidade é a Crassostrea angulata (ou ostra portuguesa), que nasce e cresce naturalmente no Sado e Aveiro (sem recurso a maternidades francesas) e a outra é a Crassostrea edulis, que também nasce e cresce no Sado e na ria de Aveiro. A mais comercial é a gigas, a mais resistente e a tal que chega de França ainda com poucos milímetros de espessura, depois de ter sido produzida em laboratório. Não haverá mais do que uma dezena de maternidades em França, quatro das quais têm negócios com produtores portugueses.

“As ostras são sempre francesas. Vêm das maternidades francesas e são enviadas para lá já com tamanho comercial. Não deixam de ser francesas porque nasceram lá, cresceram aqui e voltam para a França para ser consumidas”, resumia há dias ao JA, glosando, um dos maiores produtores de ostras da Ria Formosa.

Vêm para Portugal porque ficam crescidas em metade do tempo
Nas rias algarvias as ostras do Pacífico, também alcunhadas “japonesas”, levam 15 a 25 meses a terem tamanho comercial. Depende da qualidade da água, das correntes, da altura do ano em que os moluscos estão a filtrar o fitoplâncton de que se alimentam. Ao contrário da produção de peixe off-shore, “as ostras não comem ração da CUF, só comem coisas naturais”, brincava um conhecedor em conversa com o repórter.
E é precisamente a qualidade da água, a sua temperatura, a qualidade do alimento, as correntes, que são os fatores em que as rias do Algarve levam vantagem sobre os “infantários” a “creches” de França: nas águas gaulesas a mesma ostra que pode levar 20 meses a maturar pode levar quatro anos até estar em condições de entrada num esófago francês.
Daí que, há poucas décadas, os franceses descobriram Portugal para apressar a engorda do molusco e o respetivo crescimento da pedra que o envolve.
“O melhor período de crescimento é a primavera, há mais fitoplâncton. Mesmo dentro da ria há uns sítios melhores do que outros para produzir ostras. Correntes de água, águas paradas, renovação da água, qualidade da água. Há sítios muito bons, outros moderados e outros que não prestam. O melhor é quando há boa circulação da água”, explicou um conhecedor à nossa reportagem.
O Algarve é, de entre as três latitudes de produção em Portugal, a região com mais condições para o crescimento daqueles bivalves rochosos, calculando-se que das três toneladas oficialmente declaradas no País (há milhões de espécimes não declarados em Portugal, graças à “ajudinha” francesa – são declaradas lá) 50% cresce na Ria Formosa, 10% na Ria de Alvor, 20% no Sado e outros 20% na Ria de Aveiro. O Algarve conta, portanto, com mais de metade da produção nacional e, ao contrário das demais localizações, a França é o país-chave do import/export da ostra algarvia.

Franceses ensinaram portugueses a apreciá-las
Mas os franceses não trouxeram (e levaram) só a ostra: trouxeram também o hábito de a consumir. Há 10 anos era raro vender-se ostras para clientes portugueses. O “tuga” não comprava o bivalve pedrento, para mais sabedor de que, lá por fora, ele era comido vivo e estrebuchava na boca do comedor nos seus últimos segundos de vida. E ainda lhe podiam achar uma pérola e com ela partir um dente, ditava o mito…
“Há duas décadas, a produção que ficava em Portugal era menos de 1%. Hoje, 10 a 15% das ostras produzidas no País são consumidas aqui”, explica um dos dois produtores com quem cavaqueámos, que aduz várias razões para a mudança de hábitos: uma delas é a integração de franceses em Portugal, com um grande crescimento na imigração francesa. Em 10 anos, o número de franceses só no Algarve cresceu mais de 700%, com base em dados recolhidos pelo JA em reportagem feita há algumas semanas.
Por outro lado, ao comprarem ostras, influenciaram outras pessoas, os portugueses. E nos restaurantes também começaram a comprar, a dar a provar, num ritual a que não será estranho o novo costume de comer peixe cru, um hábito importado do Japão. “Hoje é um mercado em pleno crescimento. Até já há ostrarias, restaurantes de ostras”, enfatiza um produtor.
No Algarve havia ostras ao natural agarradas às rochas, mas ninguém lhes ligava. Mentira! Quatro ou cinco empresas compravam cascas de ostra, para enviar para as moagens, para transformar essa pedra irregular em farinha para rações.
E prossegue o nosso interlocutor: “Hoje em dia a esmagadora maioria dos portugueses já as come cruas, cerca de 90%, o que era inimaginável há 10 anos atrás! Havia a opinião de que faziam mal ao aparelho digestivo.
O circuito comercial melhorou, as ostras hoje são depuradas. Entram no circuito comercial com toda a segurança alimentar. E o consumidor de 2022 tem essa noção da segurança, o sistema sanitário está completo. A qualidade das nossas ostras, comparativamente com as que vinham antes de outros países, não tem nada que ver”.
Uma coisa é certa, para um nosso entrevistado: “Se não tivessem sido os franceses a chegar aqui hoje não tínhamos este panorama e esta produção que temos. O grande problema disto era vender. Temos todas as condições para produzir, mas não tínhamos quem as comprasse. As coisas foram melhorando e hoje temos comerciantes interessados em produzir porque a qualidade é muito boa”, assevera, assinalando uma só mágoa, de cariz um pouquinho nacionalista: “Só tenho pena é que não me digam em França que são ostras portuguesas, eles dizem que são francesas! E elas passam toda a vida delas em Portugal!”, enuncia, com um sorriso irónico na alma.

Cada ostra produz 10 milhões de “ostrinhas”
Seja como for, hoje há interesses em comum e o lucro ocorre em ambos os países. “Quando os franceses se aperceberam de que aqui tínhamos condições ideais para a produção de ostra, eles beneficiaram, mas nós também. Houve uma simbiose de interesses. Nós também descobrimos que poderíamos ter uma nova atividade”.
Calcula-se que haja 70 a 80 empresários individuais no Algarve, produzindo um número indeterminado de ostras. Legalmente, entre 800 e 1.500 toneladas por ano, dependendo do ano em causa e… do rigor da contagem.
Além dessa quase centena de empresários em nome individual, dez vezes menos do que os que se dedicam às populares amêijoas, há três empresas que exploram os berçários onde crescem as ostras, que empregam 20 a 25 pessoas no total. “E os jovens estão a agarrar a atividade”, dizem-nos.
Virar os sacos com as “pedras” “ao sabor” das marés, para que não estejam sempre na mesma posição face ao sol e às correntes, dar entrada e saída aos bivalves conforme a fase em que se encontram no seu ciclo de vida, é o trabalho desta centena de homens que cuidam dos moluscos com a água da Ria pelas canelas, pelas coxas. Trabalham sempre com a maré vazia, que a cheia fica guardada para dar alimento aos bivalves.
Um dos produtores com quem falámos assegura que Portugal não é caso único neste offshore de grande distância que leva ostra francesa minúscula para crescer além-mar. Itália, Norte de África, Espanha, Irlanda e Reino Unido são outros lugares para onde as maternidades francesas exportam. Portugal não representará mais do que 10% desse volume. Se produzidas em França, as perdas (mortes de animais) seriam da ordem dos 60%, garante a mesma fonte. Perdas enormes, se tivermos em conta que cada mamã-ostra produz 10 milhões de ovos por ninhada.
“São grandes produtores, comerciantes e distribuidores franceses que à falta de melhor espaço vêm para Portugal e outros países. Aqui, na Ria Formosa, há um cluster de pequenos produtores que se associam e depois do crescimento exportam para França”, explicita.
Quanto à produção portuguesa, uma coisa é certa: mais de 90% da produção vem de maternidades francesas. Depois são reexportadas. E muitas vezes o ciclo de vida não acaba aí: “Muitas vão daqui para França e depois voltam para cá. Há supermercados a comprar ostra portuguesa em França, como se fosse francesa. Acontece por vezes que uma empresa francesa receba ostras daqui, que as depure e embale e depois as exporte para Portugal”, afirma alguém conhecedor do meio, brincando que essas são as mais internacionais de todas as ostras do mundo: nascem em França, crescem em Portugal, são depuradas e embaladas em França e consumidas de novo em Portugal. Fazem três viagens de 2 mil km por vida. Sempre transportadas de camião, em rigorosas condições de conservação e salubridade, transportadas em grandes quantidades.
Acabarão num Continente ou num Auchan desta vida a um preço rondando os 10 euros por quilo, preço de verão, o que significa cerca de 1 euro por cada exemplar. Bem mais caro nos restaurantes, claro.
Como sempre acontece, longe dos preços por que cada produtor as vende antes da depuração e embalamento: uma tonelada de ostra já em tamanho comercial rende 3 a 4 mil euros por tonelada. Três a quatro euros por quilo. Parece barato, mas há quem venda mais de 20 toneladas num ano. Como dizia o outro, “é só fazer as contas”. Talvez nessas “contas” se ache a razão do anonimato dos nossos entrevistados nesta reportagem.

As “pedrinhas” que são fonte de saúde

As ostras são concentrados de vitaminas e minerais, pouco calóricos e com baixo teor de gordura. Para além de proteínas fornecem ácidos gordos do tipo ómega-3, Vitaminas A, C, D, E, Tiamina, Riboflavina, Vitamina B6, Folato, Vitamina B12, Cálcio, Ferro, Magnésio, Fósforo, Potássio, Zinco, Cobre, Manganésio e Selénio, entre outros minerais. Uma enorme riqueza nutricional, concentrada em pouco peso e oferecendo poucas calorias extra.
Para além do valor nutricional global da ostra, são de destacar duas vitaminas e três minerais que fornece de forma muito abundante: A Vitamina D e a Vitamina B12 e os minerais Zinco, Cobre e Selénio.
Seis ostras fornecem 67% das necessidades diárias de Vitamina D de um adulto. Esta vitamina tem estado no centro de uma enorme discussão científica pois têm sido reportados valores médios baixos na população infantil, nos idosos e em todas as pessoas que passam cada vez mais tempo dentro de casa, no trabalho, e que não se expõem à luz solar ao longo do ano.
A Vitamina B12 está igualmente presente em quantidades elevadas na ostra. Apenas 1 ostra fornece praticamente metade (45%) das quantidades necessárias desta vitamina, que é muito importante para a manutenção das células nervosas e na prevenção de um determinado tipo de anemia, chamada anemia megaloblástica.
Seis ostras (84 g) fornecem ainda 509% do zinco necessário por dia para um adulto e 76% do selénio. A deficiência de selénio está associada com menor resposta inflamatória, com menores capacidades das células em lidarem com a oxidação e com a alteração da normal proliferação/diferenciação de células do sistema imunológico. O zinco é um mineral que desempenha um papel fundamental em muitos processos biológicos e desempenha um papel importante na ação da insulina e metabolismo dos hidratos de carbono.
A ostra pode ser consumida de forma natural ou cozida levemente. Dado o seu conteúdo em sódio, deve ser consumida com moderação, como todos os alimentos, e as pessoas alérgicas ao marisco devem ter este facto em atenção, consultando o seu médico antes de as consumirem.
Os aspetos nutricionais referidos e o seu intenso sabor fazem da ostra uma interessante opção, disponível todo o ano, para quem procura enriquecer a sua alimentação de forma natural e utilizando produtos nacionais.

J.P.

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