Ramalho Eanes conta porque nomeou Pintasilgo para primeira-ministra há 36 anos

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Há 36 anos, no verão de 1979, Portugal viveu dias de grande agitação e incerteza política. A jovem democracia portuguesa recuperava da primeira intervenção do Fundo Monetário Internacional [FMI], quando o já falecido militante social-democrata Carlos da Mota Pinto se demitiu do cargo de primeiro-ministro.

Pela terceira vez em menos de um ano, Ramalho Eanes optou por nomear um Executivo de iniciativa presidencial, capaz de gerir o país até às eleições legislativas que se iriam realizar em dezembro desse ano; a Aliança Democrática de Sá Carneiro e Amaro da Costa venceu essas eleições.

As razões de Eanes

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O Expresso perguntou ao ex-Presidente porque escolheu Maria de Lourdes Pintasilgo para chefiar o V Governo Constitucional. E ficámos a saber que foi “pela sua personalidade, ética e carácter. Quando o carácter é mau, os resultados são negativos”. E também porque Pintasilgo era uma mulher conhecida nos meios internacionais, sobretudo nos movimentos católicos onde militava desde muito jovem, e com provas dadas em matéria de qualidades de chefia.

Tinha experiência governativa porque tinha sido ministra dos Assuntos Sociais no II e III Governos Provisórios. Também tinha sido presidente da Comissão da Condição Feminina e embaixadora [política] de Portugal na OCDE nos anos mais recentes.

Na opinião de Ramalho Eanes, Pintasilgo tinha também uma grande “determinação” e “a escolha teve em consideração o momento especial” que o país atravessava, e “a correlativa necessidade de uma também especial personalidade para o dirigir”. O então Presidente ouviu o Conselho da Revolução e os partidos políticos; entre as várias personalidades “elencadas”, optou por Maria de Lourdes Pintasilgo, por ser “uma mulher de princípios, valores, culta, de boa formação académico-científica, com experiência política, com longa prática de ação na área internacional, e, além disso, ousada, determinada e corajosa”.

O V Governo Constitucional durou cinco meses e cumpriu a missão para que tinha sido indigitado; manteve-se em funções até à tomada de posse do Executivo chefiado por Francisco Sá-Carneiro, na sequência das legislativas de 2 de dezembro de 1979.

Ao longo dos 125 dias que durou o seu curto mandato, a única primeira-ministra que Portugal teve em 105 anos de regime republicano e 41 de Democracia, “foi francamente inovadora, em muitos aspetos, e meritória. Desde logo, porque geriu com reconhecida prudência e isenção o conturbado tempo eleitoral, resistindo a pressões e ataques de toda a ordem, mesmo, infelizmente, de carácter pessoal. Depois, porque averbou, a seu crédito, ações de indiscutível importância”, disse Ramalho Eanes numa conferência proferida na Universidade Nova de Lisboa em 2010.

16 ministros, todos homens

De acordo com a imprensa da época, Pintasilgo foi mal sucedida nos convites que dirigiu às mulheres: “Três disseram que não, Teresa de Santa Clara Gomes disse que sim, mas só aceitou ser secretária de Estado”, escreveu então o jornalista Cáceres Monteiro no semanário “O Jornal”; para além de Santa Clara Gomes, Gabriela Salgueiro também aceitou ser secretária de Estado da Administração Pública.

Na sua edição de sábado, 28 de julho de 1979, o Expresso referia que a “grande novidade do elenco governativo” era o “facto de não se confirmar um número apreciável de mulheres na sua composição, ao contrário do que chegou a ser noticiado”. Para a investigadora Carla Martins, autora do livro “Mulheres, Lideranças Política e Media”, que chega às bancas em setembro próximo, é “interessante a forma como o Expresso tratou a indigitação. A Revista dedicou-se a esmiuçar as razões a ela subjacentes, com os títulos “Porquê? Para quê?”; “Porque terá Eanes escolhido Pintassilgo?”. Procurando-se compreender as razões e as finalidades de “uma escolha em princípio inexplicável”, pergunta insistentemente “Porque terá Eanes escolhido Pintassilgo?”, a “primeira mulher portuguesa que ascende à chefia do Executivo”.

Carla Martins destaca as várias teses que corriam nos “bastidores políticos da capital”, enunciadas pelo Expresso: “Para uns é a decisão mais enigmática de Ramalho Eanes. Para outros, é a confirmação de uma estratégia presidencial de desertificação progressiva da vida política portuguesa. Para outros ainda, a prova do perigoso isolamento de um Presidente que já se vê obrigado a recorrer aos amigos e só a eles”.

Para Ramalho Eanes foi a escolha natural num “quadro de manifesta e interatuante perversidade económica e política, a crise social, já de si justificável, não deixaria de se adensar. Justificável, desde logo, porque eram muitos os desiludidos, desesperados mesmo, com a revolução e a democracia”.

Das medidas mais importantes que Pintasilgo pôs em marcha no seu curto ‘reinado’, Eanes destaca “a criação das Comissões de Coordenação Regional que iriam ter papel importante na polarização de uma anárquica disseminação administrativa pelo território nacional, e a desintervenção do Estado na gestão das empresas privadas, pela resolução dos casos mais difíceis”. No plano social, “o aumento do salário mínimo, do subsídio de desemprego e das pensões de velhice e invalidez”, que tiveram como principal objetivo “defender o poder de compra dos mais desfavorecidos”. Bem como a “aprovação de um esquema mínimo universal de proteção social, a aprovação do Código de Processo do Trabalho”, e a promoção da “igualdade entre homens e mulheres no trabalho e emprego”.

Ao contrário do que corria na época, não foi Melo Antunes que apresentou Pintasilgo a Ramalho Eanes: “Creio que foram os camaradas [militares] do Porto, homens mais ligados à Igreja”, conta o ex-Presidente ao Expresso, lembrando que “sempre houve um grande atraso” no que toca à participação das mulheres na política. “A cultura atual tem de resolver isto. A minha experiência é que a participação das mulheres não só é positiva como é importante”, acrescenta o general.

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