“Rankings”, para que vos quero?

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Colaboradora. Designer.

Mais uma vez, este ano, assiste-se à publicação dos designados “rankings” das escolas que supostamente avaliam a sua “qualidade”. Estou a escrever uma série de termos entre aspas que é para o leitor não pensar que o que as palavras escritas e o que para aí se apregoa na comunicação social, querem dizer, de facto, o que é definido no dicionário: “qualidade” é, efetivamente, “maneira de ser boa ou má de uma coisa” e “ranking”: “posição que algo ou alguém ocupa numa escala que destaca o seu mérito em relação aos demais”.
Normalmente, associa-se um “ranking” às posições obtidas por atletas numa corrida. Ora as escolas não estão em corrida nenhuma, e se estão em competição, deveriam estar em cooperação, pois é assim que o mundo pula e avança. A “qualidade” da escola deveria revelar o mérito do trabalho que aí se desenvolve e a qualidade dos seus alunos e, de facto, não é nada disto que estes resultados dos exames nacionais traduzem.
Estes “rankings” nasceram no ano de 2000 quando o governo de António Guterres decidiu publicar a informação organizada dos resultados dos exames nacionais. A imprensa, sedenta de maiores vendas, rapidamente se lançou a publicar análises, extrapolando sobre a qualidade das escolas de acordo com a análise destes dados. Claro que essa análise depressa se transformou num raciocínio simples, nada revelador da realidade: “Escolas com melhores notas são melhores escolas”.
Embora muitos dos nossos governantes recusem, de forma hipócrita, a ideia de que isto não avalia o trabalho das escolas, na verdade continuam a insistir na sua existência e percebe-se porquê: Os “rankings” difundem uma imagem negativa das escolas públicas, que, afastadas do topo da tabela, são apontadas como ineficazes e ineficientes, justificando a ideia de que a gestão privada funciona e a pública não.
Sabemos que os privados estão no topo destas tabelas, não porque os seus professores sejam melhores ou que as suas escolas sejam mais organizadas, mas porque os privados podem escolher crite-riosamente os seus alunos, retirando da equação aqueles que lhes dão uma imagem de ineficiência, nomeadamente os alunos que não são admitidos aos exames nacionais.
As escolas públicas não escolhem os seus alunos, e, corretamente, aceitam todos. Mesmo no que diz respeito a estas escolas, o facto de umas terem melhores ou piores resultados nos exames nacionais está relacionado com os mais diversos fatores, como são: a sua localização (interior ou litoral), as condições sociais dos seus alunos, como, por exemplo, o rendimento do agregado familiar e o nível de escolarização dos pais. Por outro lado, o facto de terem melhores ou piores professores ou melhor ou pior organização não é justificação para estas diferenças.
Este fenómeno, dos “rankings” é perverso porque, muitas vezes, os Encarregados de Educação, que, legitimamente, querem o melhor para os seus educandos, escolhem escolas com melhor classificação no “ranking”. O afastamento dos alunos com melhores classificações das escolas com pior “ranking” resulta em que estas escolas ainda desçam ainda mais nesses “rankings” e que as melhores fiquem sobrelotadas, o que não abona em favor do serviço público, tornando a gestão destas escolas das mesmas impraticável. Estes alunos são também essenciais nas escolas uma vez que os que sentem maiores dificuldades se sentem estimulados a ultrapassá-las por terem colegas que são referências para eles, como exemplos, e, que, muitas vezes, solidariamente os ajudam nos seus estudos.
É estranho que fiquemos contentes com estes “rankings” e que os utilizemos pa-ra escolher as escolas onde colocamos os nossos filhos, correndo o risco de criar ghettos.
Na nossa ótica as escolas devem formar cidadãos completos, quer dizer, que adquiram conhecimento científico, mas que também tenham uma estrutura de valores que lhes permita ser cidadãos responsáveis e que, quando inseridos na sociedade adulta, sejam capazes de viver com qualidade, de ter espírito crítico sobre o que observam, leem e ouvem, e de contribuir para o bem comum.
Estes “rankings” contribuem para competições inúteis na escola pública, e que não conduzem à implementação de valores de solidariedade e cidadania que, nesta ótica empresarial, economicista e desumana, vão criando gente que não quer saber mais do que o seu “umbigo” alcança. Os privados só estão no topo dos “rankings” porque têm o poder de escolher quem entra e quem vai a exame nas suas fileiras. Têm todo o interesse em selecionar pois assim podem atrair mais clientes, sim, clientes, que podem usar os seus serviços. Mas, claro, pagando, para que, quem as detém obtenha lucro. Mas este não é um serviço público de educação. A escola pública não se preocupa com lucros e não olha a quem se matricula. Aceita os seus alunos, sempre com o objetivo de os promover socialmente sem discriminar a sua origem, género e capacidade.

Fernando Delgado

* Dirigente SPZS

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