“Receita para o desastre” a dois meses do início dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro

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O Brasil está a repetir “graves erros” na política de segurança pública e no uso da força policial que foram notórios durante a preparação e a duração de eventos desportivos como o Campeonato do Mundo de Futebol em 2014.

É essa uma das maiores conclusões de um relatório da Amnistia Internacional divulgado esta quinta-feira em antevisão dos Jogos Olímpicos de verão, que vão acontecer entre 5 e 21 de agosto no Rio de Janeiro.

No documento, a organização sublinha que “o abuso da força e a impunidade deixam há décadas um rasto de dor e de sofrimento”, através de políticas de segurança pública que no passado conduziram ao aumento de homicídios e violações de direitos humanos por parte das autoridades e que agora estão a voltar a ser postas em prática pela polícia e pelos organizadores das Olimpíadas.

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“Em 2009, quando o Rio de Janeiro foi escolhido para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, as autoridades prometeram melhorar a segurança para toda a população; no entanto, desde então 2500 pessoas foram mortas pela polícia só nessa cidade e apenas numa parcela mínima dos casos foi obtida justiça”, sublinha Atila Roque, diretor-executivo da Amnistia Brasil. O país, aponta o responsável da organização, “parece ter aprendido muito pouco com os erros que cometeu ao longo dos anos no que se refere à segurança pública. A tática de ‘disparar primeiro, perguntar depois’ acaba por colocar o Rio de Janeiro entre as cidades onde a polícia mais mata no planeta e quando juntamos políticas de segurança pública que têm falhado historicamente ao aumento de abusos documentados durante grandes eventos desportivos e à falta de investigações conclusivas sobre violações de direitos humanos, temos uma receita para o desastre”.

No relatório “A violência não faz parte desse jogo! Risco de violações de direitos humanos nas Olimpíadas Rio 2016”, a organização refere que, só no ano do Mundial de Futebol, operações “de segurança” pelas forças policiais resultaram em pelo menos 580 mortos no Rio, um aumento de 40% no número de homicídios às mãos das autoridades, seguido de um aumento de 11% em 2015, quando um total de 645 pessoas foram mortas pela polícia no mesmo estado do Brasil. Nesse ano, um em cada cinco homicídios ocorridos na capital do estado foi cometido por agentes da polícia em serviço. Desde o início de 2016, mais de 100 pessoas foram já mortas pela polícia, sendo a grande maioria das vítimas dessas operações policiais jovens negros oriundos de favelas e de bairros periféricos.

A pouco mais de dois meses dos Olímpicos, as autoridades anunciaram recentemente que 65 mil agentes da polícia e 20 mil soldados vão estar destacados para garantir a segurança do evento, a maior operação da história do Brasil, refere a Amnistia. O plano volta a prever, tal como em 2014, o envio de contingentes para incursões em favelas, operações que no passado resultaram em várias violações de Direitos Humanos.

Nesse ponto, a organização refere como exemplo o caso do Complexo da Maré em abril de 2014, pouco antes do início do Mundial, quando as forças militares entraram no conjunto de 16 favelas próximas do aeroporto do Rio, onde habitam cerca de 140 mil pessoas. Não tendo sido “devidamente treinadas nem equipadas para realizar operações de segurança pública”, deveriam ter saído da área logo a seguir ao encerramento do campeonato de futebol, mas ali permaneceram até junho do ano passado, cometendo uma série de violações de direitos humanos com base na estratégia ‘disparar primeiro, avisar depois’.

É ainda referido no relatório os receios de que se repitam outros incidentes registados antes e durante o Mundial de Futebol, como as dezenas de detenções arbitrárias de pessoas, muitas das quais ficaram feridas, durante a repressão policial contra protestos em todo o país. Em março deste ano, a Presidente entretanto suspensa de funções, Dilma Rousseff, aprovou a Lei Antiterrorismo, “que inclui linguagem excessivamente vaga e que abre a possibilidade de aplicação da lei contra manifestantes e ativistas”.

A par disso, a 10 de maio de 2016, foi aprovada a Lei Geral das Olimpíadas, que segundo a organização não-governamental “impõe novas restrições aos direitos de liberdade de expressão e de manifestação pacífica em muitas zonas da cidade do Rio de Janeiro” e “contraria normas e padrões internacionais” sem incluir “salvaguardas para o uso excessivo e desnecessário da força por parte dos agentes de segurança que fazem este tipo de policiamento”, lê-se no relatório.

“As autoridades brasileiras estão a falhar ao não garantirem que os agentes cumpram as leis e normas internacionais sobre o uso da força e de armas de fogo”, critica Atila Roque. “A dois meses dos Jogos Olímpicos, ainda há tempo para pôr em prática medidas que reduzam o risco de novas violações de direitos humanos e estabeleçam mecanismos claros de responsabilização e reparação. Com a chegada ao Rio de Janeiro de milhares de turistas, jornalistas e fãs de desporto oriundos de todo o mundo, a questão permanece: irão as autoridades respeitar e proteger os direitos humanos e cumprir a promessa de um país e de uma cidade segura para todos?”

Joana Azevedo Viana (Rede Expresso)

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