Remate certeiro: A Avezinha está a sobrevoar o centenário

A Avezinha está a sobrevoar o centenário mas há muito que foi abatida

Não! Não é um fantasma do jornal A Avezinha que está a sobrevoar o seu próprio centenário, é mesmo o velho e histórico jornal de Aleluia Martins, um dos bravos do pelotão, do jornalismo de então, feito com tenazes, martelos, picaretas, alicates, brocas, mas também com muito de esquadro, fita métrica e compasso, mas muito, muito da paixão e do coração.

Que me perdoem figuras como o próprio Aleluia Martins, Carlos Albino, João Leal, José Cruz e tantos outros, mas este é o movimento de revolta que nesta hora me assalta, ao assistir à passividade dos homens de agora, contributos decisivos para os funerais de mais de uma centena de jornais que se publicavam no Algarve, em finais do século passado e já neste século.

Só por pura coincidência, como se fosse uma fila de condenados, evoco João Leal e uma semana depois Aleluia Martins. Sim! É pura coincidência, mas nós não tínhamos volta a dar.


No caso concreto do João Leal, porque sentimos, que ele também foi uma das minhas cartilhas. E agora, com o Aleluia Martins, porque neste ano de 2021, faz cem anos que nasceu o jornal A Avezinha e curiosamente foi abatida há já uns anos, precisamente no dia de aniversário e de tal forma o momento foi tão repugnante, que na altura, os autarcas daquele tempo e não só, como de resto sublinhou Mendes Bota, ao encherem neste dia distante o jornal de páginas de parabéns e foram incapazes de publicar um quadrado de publicidade.

Foi esta ausência de publicidade, a maior arma mortífera, que tem ferido de morte centenas de jornais, que abateu A Avezinha.

Por outro lado, também quisemos colocar o centenário da A Avezinha, no centro do nosso centésimo REMATE CERTEIRO, também só possível devido à generosidade e ao apoio de Fernando Reis e Luísa Travassos.


Mas este também é um momento, em que pelas gretas da vida, descubro que as tacadas do Aleluia Martins, já não acertam tão longe. E por maior que seja o buraco e por mais pequena que seja a bola, existe ais que o encadeamento do sol.

O que importa, é que hoje, A Avezinha está no ponto mais alto da minha crónica, sem que isto me levo para esconderijos que nunca habitei, agora com filhos e netos crescidos, e o meu filho de vez em quando a dizer-me: Toma conta de ti velhote…


A Avezinha nasceu no mesmo ano que pela primeira vez o Partido Comunista Português viu a luz do dia. E mesmo que nunca tivessem acasalado certo de que houve momentos de namorisco, porque ainda nasceu, quem um dia dirá: Nunca digas nunca…


Seguiram rumos diferentes, mas enquanto para o PCP a luta continua, e ainda bem, A Avezinha foi abatida, esquecida, marginalizada, autenticamente cilindrada, mas a sua história, a sua memória, a sua riqueza construída por tantos homens e mulheres, é um dos mais notáveis legados da imprensa regional.

Sempre tivemos continuamos a ter uma relação privilegiada com Aleluia Martins. Aliás, não existem sorrisos como o do Arménio, ele também uma ave rara de ser humano, de esposo, de pai, de sogro. Um homem puro, que mesmo com a faca nas costas, desculpa tudo e todos e afirma, que afinal foi ele que se encostou à faca.


Fez agora quatro anos, estávamos a 16 de Maio de 2017, quando em pelo aniversário de Aleluia Martins, afirmámos:

“Minhas senhoras e meus senhores, para que não dissessem que vinha aqui dizer uma coisa diferente daquilo que escrevi em 2001, portanto já lá vão DEZASSEIS ANOS, sobre o meu querido e velho amigo Arménio Aleluia Martins, estou aqui para lembrar o que escrevi no seu livro Do Grão-de-Bico à AVEZINHA, com o título: Escritor de Todas as palavras, ensaiador de mil melodias, orquestrador de todos os cânticos…”.


E mais adiante diria: “O que escrevi nessa altura, já lá vão dezasseis anos, está inteiramente actualizado, porque o meu pensamento, e os meus testemunhos de vida não mudam, nem em relação a ti, nem em relação à sociedade, e para não vos embaraçar mais, não VOU sair destas duas pequenas páginas do teu livro…

A única coisa que já não conta neste rosário de confidências escritas e anunciadas é o jornal A Avezinha, em papel, que deixou de voar, e outra vez a culpa não foi tua… É QUE EM PORTUGA TAMBÉM SE MORRE POR AMOR, e foi isso que aconteceu ao teu jornal, ao jornal QUE ajudou tanta gente a ser grande, a ser o que não eram, e que nunca conseguiriam ser, pelo menos no aspecto moral… da afectividade… da paixão…


Mas a Avezinha continua por aí, de beiral em beiral, sem nunca sentir a tua falta, nem as tuas mãos no acariciar das asas, nem as mesmas mãos tornadas conchas, como se fossem bebedouros ou comedouros.

O último voo da Avezinha


Ela A AVEZINHA, sabe por onde tu andas, amigo, e nunca te IRÁ deixar.

Ela sabe que a casinha que agora construíste, a quem deste o nome de Biblioteca-Museu também É A SUA CASA, e que as crianças das escolas em cada visita, também podem sentir o seu poisar…”


Depois lembrei:


Por norma, não estou muito virado para as CITAÇÕES, MAS DESTA VEZ, SOU PRISIONEIRO DELAS, PARA CITAR, MEU QUERIDO AMIGO ARMÉNIO ALELUIA MARTINS, UM AMIGO COMUM… José Mendes Bota, quando, creio, que na derradeira edição da avezinha, escreveu com o título: O ÚLTIMO VOO DA AVEZINHA «Discretamente, como sempre foi na vida, Arménio Aleluia Martins anunciou no seu cantinho direito da página três o fim da linha no voo de “A Avezinha”, assim, meio despercebido num jornal que em mais lado nenhum dá a entender ser aquela a última edição a sair da rotativa.

Ironicamente, autarcas poderosos ocupam página inteira a parabenizar o jornal pela passagem do seu 93.º aniversário, e vaticinam longa vida a um pássaro à beira do último suspiro neste dia dezassete de julho do ano de dois mil e catorze da graça não se sabe bem de quem. Nesta agonia derradeira, não há uma linha de publicidade institucional» […]


Depois dei alguns passos em frente e acrescentei:


“Arménio Aleluia Martins ajudou a colocar o Algarve no mapa do mundo da consciência, do conhecimento e da humanização. No mapa do desenvolvimento e do progresso.

Mas não o fez, a partir do coração das grandes cidades, onde está tudo à mão, os medos e as tecnologias, e a falsa mestria dos pagadores de promessas.


Fê-lo como autêntico guardador de rebanhos, juntando todo o saber, contra a hipocrisia, sem receios de a qualquer hora, antes da fluidez dos telefones lhe baterem à porta e na conjugação de verbos patéticos, lhe encostarem o dedo ao nariz.

Arménio Aleluia Martins foi e tem sido um jornalista notável, escritor de todas as palavras, ensaiador de mil melodias, orquestrando todos os cânticos para que a vida sorrisse no Barrocal algarvio, tão perto e tão longe, do notável, do sonho, do fascínio, das vidas diferentes para homens iguais.


Mais que as palavras de circunstância, é bom perpetuar que o Arménio Aleluia Martins foi sempre um homem de frontalidade, no dizer, no fazer, cúmplice do que de mais valiosa a humanidade sustenta em relação aos mais desfavorecidos, aos mais carenciados, aos mais idosos.

Fraterno e franco, com o coração a cantar permanentemente «aleluia, aleluia, aleluia», Arménio Aleluia Martin, dado agora à estampa, cumpre o verdadeiro papel do jornalista do Algarve, que nunca a necessidade de sair daqui, para demonstrar, que ele é e era igual aos de mais.

Pena que os que se seguem – nem todos – não se revejam neste homem bom, criado em percursos difíceis, que o próprio Algarve e os algarvio, tornados tão notáveis depois de Abril, não tivessem sido capazes, mesmo agora, que muitos deles avançam para a prateleira do desencanto, de lançar um olhar não de beneficência, mas de justiça para com os jornalistas do Algarve, que foram os primeiros a entrar pelas picadas do desassossego, levando mensagens, escrevendo protestos feito de palavras para que este Algarve um dia acontecesse.

O turismo, a música, a arte, as letras, a agricultura, os congressos da alfarroba e de turismo, a organização da Imprensa, a voz da necessidade de um diário para o Algarve, a família, a política – tudo isto e muito mais, apenas para demonstra sem um azedume – que também poderia passar por ali.


Arménio Aleluia Martins é também um pouco da grande história da Imprensa algarvia, local, onde a sua vida tem permanecido mais tempo, fazendo voar de forma simples, apaixonada, sempre em esforço, sem um único aí, a sua bela AVEZINHA, ponto de encontro de todos os sonhos, todas as palavras, feitas de notícias boas e más, mas sempre com duas grandes paixões, o jornalismo e o Algarve.

Que em cada página de Arménio Aleluia Martins e da cumplicidade que elas geram na construção de um homem bom, um marido exemplar e um pai, que todos os filhos gostariam de ter, se descubram as outras coisas que eu não sou capaz de dizer, que fazem de Arménio Aleluia Martins, a aleluia dos nossos cânticos de esperança, e que neste reencontro com a história da vida, do homem e do jornalista, se inspire a força, para se pagar a dívida que o Algarve tem, para com os jornalistas algarvios, todos, mas com imperativo, os que vieram de muito longe e percorreram com mil medos, o céu azul e a aleluia de um tempo novo, que o Arménio Aleluia Martins, de forma simples e inolvidável, como quem carrega a vida às costas, ajudou a construir.[…]”

Aleluia Martins. Escritor de todas as palavras, ensaiador de mil melodias, orquestrador de todos os cânticos

O fim da linha


E a 17 de Julho de 2014, na última vez que A Avezinha entrou na rotativa, Aleluia Martins, tendo como título: O fim da linha, escreveu como editorial:


“Tal como os comboios que terminam a viagem ao chegarem ao fim das linhas, também os homens finalizam as suas marchas ou os jornais as suas edições. É o que acontece, nesta edição, com o fim do voo da Avezinha. Ferida de asa foi forçada a suspender as suas rotas, rumo aos lares dos muitos assinantes.

Desde há muitos meses que era previsível esta situação tais os prejuízos acumulados, especialmente nos dois últimos anos. A crise não é culpada de tudo mas é ela que está subjacente ao que de mau acontece, apesar de existirem factores que poderiam alterar este estado de coisas.


A quebra da publicidade, principal fonte de receita, a redução dos assinantes e a nula publicidade institucional, tudo isto somado à pouca participação dos órgãos autárquicos, especialmente da Câmara Municipal, das Juntas de Freguesia com pouca capacidade económica, ainda que às vezes exagerem nas negativas ou esquecimento, fez tomar esta decisão. Felizmente que a de Paderne tem apoiado, dentro das suas possibilidades, publicando anúncios dos festejos que organiza.

Tudo fizemos para evitar que a decisão fosse tão drástica mas com o encerramento da empresa, era inevitável.


Nesta hora da despedida, agradecemos a todos os assinantes, leitores e anunciantes que nos têm acompanhado neste percurso de dezenas de anos, dando-nos alento para continuar na dura caminhada.

Ficámos com a consciência liberta pois, dentro dos fracos recursos, sempre tentámos cumprir a nossa missão, com isenção, dentro do objectivo de servir o concelho e a região.”

Arménio, amigo, existe em ti uma natureza humana muito forte, de outros tempos, continua a fazer dela a tua bandeira.

Neto Gomes

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