Remate certeiro: As máscaras, a comissão de bailes do Lusitano e a feira da Vila

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As máscaras, a comissão de bailes do Lusitano, a feira da Vila e quem vier de pistola não paga nada

Parece uma história do tempo que passa, porque mete máscaras, mas não tem nada a ver com a pandemia, isto para explicar que há muitos anos, por ocasião do carnaval, naqueles tensos e brilhantes bailes no salão do parque de S. José, onde era a sede do Lusitano Futebol Clube, mesmo ao lado do Hospital Marquês de Pombal, em Vila Real de Santo António, havia sempre alguém à entrada para controlar as mascarinhas, para evitar que aparecessem homens mascarados. Aqui o privilégio era para as mulheres.


Certa noite, quando se exaltava o «baile da Pinhata», e numa hora mais morta, o Rufino, que vendia e consertava colchões, irmão do meu vizinho Américo, pediu ao Cacai, para tomar atenção ao Zé Aranha, que estava a tentar entrar com uma mão cheia de «camones e alemães», tripulantes do «Hamburgo», um barco alemão, que estava ancorado à muralha para carregar conservas, dizendo: – vou ali num instante ao bar (o bar ficava no ponto mais baixo da descida da sala, sim porque a sala era a descer, nos baixos do palco).

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Era aqui, mesmo ao lado do hospital, que era a sede do Lusitano e que se faziam bailes de arromba (foto do livro «Estória» de Uma história centenária – Hugo Cavaco)


O bar funcionava sob a presença permanente da Henriqueta, que recebia por essa altura a colaboração do Afonso Sabino, o bucha, [o meu bom amigo Afonso, de quem não me foi possível despedir, e aqui deixo um abraço], e o Rufino lá foi para lhe dar conta a que horas é que o Afonso iria para o mar.


Andava por ali, o Mascarenhas a tirar retratos de toda a maneira e feitio, e o Zé Aranha agitando o braço, porque também queria ficar no retrato, começou a inquietar o pessoal da porta, mas como de costume, não ser iria passar nada, porque o Zé Aranha era um homem pacífico.


Passados poucos mais de dois minutos, já havia uma tremenda discussão, junto à porta que metia na rede do diálogo o chefe Madeira, da PSP, pelo facto de um dos marinheiros que acompanhavam o Zé Aranha, começar a empinar-se em direcção ao Cacai, que se limitava a dizer, que a sala estava cheia , e o Zé Aranha a defender um dos companheiros de jornada, que já vinham das Janelas Verdes, carregadinhos, como as traineiras, quando vinham de Marrocos, com o Zé Aranha a dizer: – «Cheio estás tu Cacai…»


O Chefe Madeira, pacientemente e à civil, dirigiu-se ao Zé Aranha, para o aclamar, mas antes que o Chefe Madeira dissesse alguma coisa, o bom do Zé, inquiriu: – «Atão ao Sôr Chefe, roubaram-lhe a farda, ou foi a um casamento…»


A coisa azedou, e o Chefe Madeira, agora já com o guarda Sabino junto dele, pediu ao Zé Aranha para se ir embora, e quando tudo se encaminhava para um estado de acalmia, passou o Caló (Carlos Lança) e gritou: – «Zé! mas que grande barcada…»


O caldo voltou a entornar, sem deixar grande nódoas, e o Zé lá navegou com a proa debaixo de água, sinal de que levava uns copos a bordo. Aliás, o Zé Aranha, quando lhe diziam: – Já estás cheio…! Ele respondia: – Oh parvalhão, não vês que me entrou água na casa das máquinas…


No meio daquela confusão, apareceu o Moia, grande animador e músico da Oropesa, que foi a seguir ao 25 de Abril, presidente da Assembleia Municipal de Vila Real de Santo António, mas que à época dessa discussão trabalhava no Hospital e aproveitando esse facto, havia sempre um dia pelo carnaval em que entrava todo ligado ou com uma perna ou um braço metido em gesso.


Naquela noite, rompeu pela discussão e ao passar junto ao Zé Aranha, com uma perna em gesso, o Zé gritou para o chefe Madeira. – «Tá a ver chefe, ainda dizem que o hospital funciona mal, ainda a discussão está a meio, já este vem todo metido em gesso…


A conversa ficou por ali, com a intervenção da Comissão Organizadora dos bailes de Carnaval do Lusitano, entre muitos outros, o Betinho, irmão do Ilídio Setúbal, o Emílio, irmão do Manuel José, o Cacai, o Chico, irmão do Afonso Sabino (o Bucha), o Lita, primo do Emílio, o Marinho, pintor. Só não apareceu a Henriqueta, sogra do António Matos, um histórico director da arbitragem do Algarve.


Diga-se que a Henriqueta, que estava no bar, às vezes também apanhava uns sustos, quando era o Rufino a dar ordens para se fazerem as sandes de queijo, onde mandava cortar o papo-seco só até meio e era até aí que chegava o queijo, ou seja, as sandes só levavam metade do queijo.


Fazia lembrar um filme em que o Cantinflas, Mário Moreno, trabalhando num pequeno Café, lhe pediram uma sande de queijo de buracos, claro que o bom do Cantinflas, entregou o pão sem queijo e quando o cliente reclamou, respondeu: – «pediste-te uma sande de queijo de buraco, não tenho culpa, de ao cortar o queijo só aparecer a parte do buraco…»


Esta memória, nascente de muitas encruzilhadas da vida, dariam pano para mangas, até pela profunda saudade que carregamos, pois destes nomes que por aqui viajam pertencentes à Comissão dos bailes do Lusitano, apenas, e oxalá seja por muitos anos, só Emílio, isto é, o irmão do Manuel José está entre nós, mas foram eles, e muitos outros, que ao longo de muitos anos, foram carregando com os pilares da história da sua terra, parte integrante da história do País.


Esta memória, caiu-me de assalto, porque no outro dia, alguém entrou num restaurante na Fuseta, e num sotaque a roçar o francês, perguntou: «Onde posso pendurrar a máscárra?» – e o empregado respondeu. – «Nem as pistolas, senhor mecier (senhor monsieur), quanto mais as máscaras»


Não se julgue este como um caso isolado, e não nos admiramos, que em breve, os municípios não se vejam obrigados a colocar camarões enroscados nas paredes, evitando desta forma, porque a malta não acerta com os recipientes do lixo, que se atirem as máscaras para o chão.


O Primeiro-ministro António Costa, bem avisa que não pode voltar a fechar o País e que temos que ser responsáveis, no entanto, por essas pequenas misérias, que são o facto de se atirarem máscaras em desuso para o chão, sobe de tom a prova provada que a responsabilidade tanto individual como colectiva deixa muito a desejar, e não teremos que esperar muito, para que tal como em relação às beatas, também comecem a aparecer coimas para quem atirar máscaras para o chão.


Levados por esta enxurrada inquietante, de pedir aos «VALES TUDO… ATÉ TIRAR OLHOS», que sejam responsáveis, damos connosco já a meio do mês de outubro, onde desta vez em Lisboa, no dia 5, nem hastearam a bandeira ao contrário, como aconteceu em certa altura, num dos tristes episódios da presidência do Professor Cavaco.


Um Outubro para nós sempre verdejante de momentos mágicos, desde o cinco, quando se comemora o aniversário da minha velhota, passando, pelo celebérrimo dia 7, quando entrávamos na escola primária, e lá íamos outra vez ao encontro daquela parede onde se tinham instalado há muitos anos, os senhores António Oliveira Salazar e o Marechal Óscar Carmona. Claro, que também cumprimentei muitas vezes na sala de aula, sem que me respondesse, o senhor Craveiro Lopes… Uns e outros, tinham sempre a cruz de cristo a separá-los, e ainda bem.


Depois Outubro ainda nos levava até à feira da vila, que todos chamavam de feira da praia, sem que me desse conta disso, até ao dia 27, quando aqui o velhote faz anos.

Mais uma camioneta da Rodoviária carregada de gente para a feira da vila


Na feira, a primeira tenda a ser montada era da Dona Albina e do seu filho Amílcar, com os melhores malacuecos. Ali ficavam, já os feirantes marcharem para parte incerta.


Mas a grande Avenida da República, desde os guindares da muralha até ao limite da «casinha do porto» era tudo feira.


Mais tarde, passou para o outro lado da vila, ali paredes meias com as fabricas de conserva do Tenório, Parodi, Zé Rita e Folque e ia desaguar por todas aquelas redondezas, esticando-se até ao Cais do Depósito…


Foi por essa altura que subiu aos céus e nunca mais voltou, talvez imaginando que surgisse o PAN, a cadela Lassie, que deu lugar a umas cantarolas, cujas vozes passavam de feira, em feira, cantando: «Pobre cadela, que aos astros subiu, não sabem dele, nem mais se viu…»


Chegavam os carrosséis, sei lá, o Oito, o Alverca, o Triunfo, o comboio fantasma, o Poço da Morte, a Esfera da Morte, os circos, Royal, Alegria, Luftman, as pistas de automoves, que mais tarde passaram a denominar-se de carrinhos de choque, as tendas das farturas, de vinho verde, as barracas de tiro, as barracas das argolas, isto é, montavam uma séria de garrafas no centro da barraca, e o pessoal desde que enfiasse uma argola pelo gargalo da garrafa, ganhava a dita. Bom. O meu saudoso cunhado Vítor Brito e o Emílio, o Emilinho, irmão do Manuel José, porque era só esticar o braço, não tinham mãos a medir, até que lhes foi vedada a continuidade. Pois por 10 tostões cada argola, montavam uma garrafeira…


Mas a minha voz também se ouvia pela feira, como colaborador do Zé Luís e do Ulisses José Rafael, que tinham uma sociedade de fazer publicidade na feira e no campo Francisco Gomes Socorro (o campo do Lusitano).


Era eu, com os meus doze anos, que dava a constituição das equipas, aliás, o primeiro relato de futebol que fiz foi com uma lata de conserva do atum Tenório, que tinha a fotografia de homem na lata e as pessoas menos entendidas, até pensavam que era um homem que vinha dentro da lata. Mas era o melhor atum…


Pois lá estava eu também na feira, a ler a publicidade… «sabe que passa uma terça parte da vida a dormir? Durma num colchão molaflex» e ai por diante…


Aquilo é que eram anúncios, às vezes até mordia a língua, em vez de dizer colaboradores, diziam caloboradores…


Eram anúncios da Soliva, do Cine Foz, da Tipografia Socorro, da serração do Manuel da Silva Domingos, dos Malacuecos da Albina, da Litografia Ramirez, Perez e Cumbrera, da Pensão Mateus, da Casa Iria, do Trindade Coelho e Filhos, das Janelas Verdes de Luís Félix da Silva – «Chegue ao balcão e peça: Sai um Ipiranga», da Loja da Dona Alice Silva, da Casa Raposa, da Fábrica de Pirrólitos Simon Velasquez, da Drogaria Silva e da Drogaria Faísca, da Auto Avenida, da Casa Dynia, de F. Lopes Madeira, da cervejaria Empurre… Eu sei lá…


Um dia, porque gostava da minha voz, o Circo Royal convidou-me para ir fazer publicidade num dos dias dedicados às «Damas e Cavalheiros». Aliás, os circos, eram os únicos espectáculos, que naquela altura, tratavam ricos ou pobres, por damas e cavalheiros.


Pois lá fui de microfone na mão: «Grande Circo Royal. Circo e Feras, com os palhaços Fausto e Fredy. Hoje dama e cavalheiro. Quem vier acompanhado de uma dama ou de um cavalheiro, só paga um bilhete».


Às tantas, comecei a ficar chateado com aquela lengalenga, que em certa altura comecei a dizer: «Quem vier acompanhado de uma dama ou de um cavalheiro, só paga um bilhete, mas quem vier de pistola não paga nada…»


Bem. Só tive tempo de atirar o microfone pela bilheteira e correr para casa. Era também o último dia dos circos na Vila e naquela noite no final do espectáculo, levantava tudo e lá iam em direcção à feira de Olhão. «Que trouxer uma pistola, não paga nada»…


Até que chegou a pandemia e com ela também desapareceram as feiras, e nunca se pediu tantas vezes aos portugueses que tenham respeito uns pelos outros. Que sejam responsáveis, é que um dia destes, com o andar aos solavancos desta terrível carruagem não vamos ter, nem capacidade hospitalar (espaço), nem física (técnicos de saúde), para acorrermos e tudo e a todos.


António Costa, bem anuncia, que não temos volta a dar, mas claro, que a responsabilidade tem que ser de todos, escutando todas as queixas, todos os sinais, técnicos e políticos, para que não fiquemos parados, mesmo com o vento a favor.

Neto Gomes

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