Remate certeiro: As vendas, as tabernas, as tascas…

As vendas, as tabernas, as tascas ou os laboratórios do vinho…

No quintal da venda do Pisa, a gastronomia era uma festa, que o digam aqui em verdadeira cavaqueira os amigos José Quintino Romão (pai do Zeca Romão), João Lança, Chico Cavaleiro, Manuel Popa
e de frente Frederico Silva (o Senhor Silva da drogaria). Foto Zeca Romão

Quando em 1962 nasceu em Faro, naquela que é agora a freguesia de S. Pedro, a tasca do Manuel Tomás, com o pomposo nome de Snack, há muito que lá para os meus lados, para os lados da Vila onde nasci, já existiam tascas, vendas e tabernas, para todos os gostos e a dar com um pau. Era só escolher. E algumas até faziam vinho, mas no global uniformizavam as suas características com uma excepção ou outra, por vezes só visível à lupa.


Pois na nossa Vila, e não vamos inserir todas, porque isto não é nenhum roteiro turístico, eram mais que as mães: António Vicente, António 28, António Vaz, Narcisa, Stelo Vargas (até fazia vinho), Antónico Vargas, (onde o Zé Aranha enleava o arame), Zé Calceteiro (pai), Zé Calceteiro (filho), que depois mudou de patrão, e onde se assistia ao baile da Panadilha…


E ainda existia o César, Rainha dos Vinhos, Marisqueira, Pisa Canitos (do Amigo Madeira), que era um eco de gastronomia incrível, Salas, o Rogério (nas hortas), a Chave de Ouro (lá mais adiante), o Borges, à quina da capitania, Escondidinho, (frente ao cine foz. Sem esquecer o Quiosque do Vasques, que proibido de vender vinho, vendia em chávenas como se fosse café, o Chefe Augusto e ainda o Charranito, avô do Mestre Rosa, Jaime, Joaquim Gomes, que era um misto da melhor gastronomia e dos melhores petiscos). E também o Sobral e o Vitó Serra. E ainda o Bento Chibo. Isto nunca mais acaba.


Cada uma tinha a sua história. E muitas outras que ficam omissas, também por paixão e por razões de espaço.


Tascas, tabernas, vendas, lugares de sonhos, onde já na parte final, da sua vida, encontrava sempre o meu pai… Sobretudo, na Rainha dos Vinhos, era a cem metros de casa e todos o conheciam. Sabiam onde morava…


Mas regressemos à tasca do Senhor Manuel Tomas, que segundo a memória escrita dá conta que foi fundada em 1962.


Em baixo, e para que não existam dúvidas a tasca, o café ou a venda do senhor Tomás, tem uma quadra de António Aleixo, que diz assim:

Há tantos burros mandando
Em homens de inteligência
Que, às vezes, fico pensando,
Que a burrice é uma ciência.

Dentro das suas quatro paredes, a TV transmite em directo uma prova de ciclismo. Dois homens conversam sobre coisa nenhuma. Isso digo eu, porque oiço mal e não conseguia ouvir o que diziam.


O Manuel Tomas fica como uma das molduras da EN 125, na freguesia de S. Pedro, em Faro.


Os quarenta centímetros de passeio, que separam a porta de entrada, da EN 125, estão gradeados por tubos galvanizados. Acho eu, que não distingo o ferro da ferrugem… Seja como for serve seguramente para evitar, que um dia, qualquer viatura possa ficar sentado numa mesa. Aliás, quando olhamos para o tecto e vimos como candeeiro a roda de uma carroça, ficamos logo e imaginar o pior… Com sorte ainda levamos com um carro em cima.


Falei com o Senhor Manuel Tomás. Coisas de nada, ou para melhor, se me autorizava a tirar uma ou duas fotografias à casa e foi isso que fiz. Depois bebi um Sumol (tinha que ir para a estrada), agradeci e dei à sola. Mas fiquei com pena, porque a clientela começava a acotovelar-se.


Pois quando entrei na venda, tasca, taberna, snack ou lá como designam o estabelecimento do Senhor Manuel Tomás, vi muitas das vendas, tascas e tabernas da minha Vila, hoje cidade.

Uma espécie de estações ou apeadeiros da vida onde centenas e centenas de homens que bem conheci, paravam ao fim da tarde.


Todos sem excepção; médicos, vagabundos, priores, advogados, carpinteiros, solicitadores, agricultores, faroleiros, professores, comerciantes, gente do campo, fiscais da câmara, guardas da alfândega, engraxadores, homens do lixo, malta da moagem, talhantes, bufos, pintores, calafates, alfaiates, pessoal da muralha, do cais da lota, do cais da rainha, calceteiros, policias, guardas fiscais e guardas republicanos, taberneiros, relojoeiros, ferroviários, carteiros, músicos, bombeiros, sapateiros, funileiros, latoeiros e até o Chota Diabo.


E a maior parte destes estabelecimentos, destas vendas, também vendiam a sorte, como se pode ver na fotografia que hoje publicamos e que faz referência à Rainha dos Vinhos. Portanto, vendiam cautelas, fazendo concorrência ao Mourinho e ao Rúpia, por exemplo. E havia malta que até desafiava o sossego do amigo Rúpia, que tinha a sua banca à quina do Café Segura, em cuja parede expunha as suas cautelas. Até aqui tudo bem, mas num instante tudo azedava, quando após a resposta do Rúpia, que sim senhor ainda tinha um bilhete inteiro e a malta a respondia: Então se tens um bilhete inteiro, rasga! Logo a seguir e em muitas ocasiões, até a muleta do saudoso Rúpia voava.


Mas no fundo, eram diálogos amistosos, afectivos, que pioravam, quando o amigo Rúpia, já tinha um copo abordo. Já tinha dado uma saltada à retaguarda das Caves do Guadiana (Rua da Princesa), apenas para matar a sede…


As vendas da minha Vila eram o poiso, o ponto de encontro, a libertação por algumas horas, às vezes até se adormecia com a cabeça na mesa. Era a libertação de horas duras, de trabalho sem limites, num sol a sol terrível. Mas também era poiso, libertação, que se traduzia em relaxamento por um engano na vida, por uma qualquer má sorte, o desemprego ou a fatalidade de estar uns dias no seguro.

Aqui falava-se de tudo. Até mal uns dos outros e até se jogava à carta, também para matar o tempo.


Aqui paravam, e logo a seguir havia zaragata da grossa, os marinheiros dos barcos estrangeiros (outros tempos, outras riquezas), que aportavam a Vila Real de Santo António.

Ó camone te vais embora ou levas um pranchaço…!


Por essa ocasião já haviam pelo ar grades em madeira, do depósito do Sofruto. E no verão, quando as vendas também vendiam melancias. Ufff… ali na zona da baixa-mar, onde eu morava (Rua da Espanha) durante uma semana não faltava fruta em casa…


Estas vendas ou tabernas eram o cais, o porto de abrigo para combater a solidão, a dor, a mágoa, mas também palco de momentos de grande alegria, serenatas levadas pelo calor do vinho, centro de anedotas, tertúlias sobre os golos marcados e falhados…

Às vezes os ventos eram contrários e havia guerreias, mas quando a polícia chegava, ninguém sabia. Ninguém tinha visto nada.

António Afonso Martins (sogro do Zeca Romão), também conhecido como o António de Alcaria, ao balcão da sua Rainha dos Vinhos, que foi muitas vezes porto de abrigo do meu velhote

Não seja você camelo…
mas se conduzir, não beba


A propósito das vendas, tascas ou tabernas, não deixa de ser curioso o facto de quando estive na tropa em Beja, no RI 3, a preparar a malta para a ração de combate, porque sempre foi assim que o País tratou os ex-combatentes, havia a tasca do Machado, na Rua da Branca. Ufff se a Rua da Branca falasse, e havia ainda lá ao fundo, nas portas de Mértola, o Cortiço, onde trabalhava um antigo jogador do Desportivo de Beja.


Não seja você camelo. Esta frase, aqui por agora encurtada, foi marcante, quando a descobrimos e a lemos em 1966, num dia distante de Agosto, de calor com sotaque alentejano, estávamos nós de ronda à cidade e depois de uma visita à estação da CP, (não sabemos se ainda existe devido ao movimento do aeroporto de Beja, para descobrirmos como paravam às modas, lá descemos, porque o soldado que nos acompanhava era de Cuba (Alentejo) e deu-nos o azimute, em direcção à Adega Funda…

A Adega Funda, que ao fundo do balcão, tinha um grande letreiro onde se lia: O camelo é o animal que aguenta mais tempo sem beber, não seja você camelo. Uma frase mesmo inspiradora e aceitável em qualquer confessionário, que tal como Um poema, de Torga, “De que mal não te faz. E pode acontecer que te dê paz…”

«Um Poema Não tenhas medo, ouve:
É um poema
Um misto de oração e de feitiço…
Sem qualquer compromisso,
Ouve-o atentamente,
De coração lavado.
Poderás decorá-lo E rezá-lo Ao deitar,
Ao levantar, Ou nas restantes horas de tristeza
Na segura certeza De que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz…»

É verdade, as coisas ficam sempre mais claras, quando as escutamos de coração lavado. Talvez desta forma, alguns apregoadores da PAZ, não fossem tão idiotas quando vão ao armeiro, levando as crianças pela mão, a inventariar a sua fortuna.


E de coração lavado e de emoção estampada em cada paragrafo viajámos na intimidade dos nossos segredos, por todas as vendas e tascas de Vila Real de Santo António.


Claro, que o camelo é o animal que aguenta mais tempo sem beber, não seja você camelo, mas se conduzir não beba…

Neto Gomes

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