Remate certeiro: Faleceram Jacinto Palma Dias e Deodato Pires

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Faleceram Jacinto Palma Dias e Deodato Pires. Arderam mais duas bibliotecas

Ao longo de muitos anos, temos procurado defender, com as armas que temos, embora agora, talvez pelo desgaste, não façamos mais que empurrar pelas estrias balas de pólvora seca, todos os valores da cultura algarvia e da cultura do Algarve, primeiro porque são coisas diferentes. A primeira por que é genuíno, tradicional, nossa e para que não morra. A outra é mais para o inglês ver, que sendo necessária, às vezes traz mais gastos, que proveitos.


Nem duvidamos da política do governo em relação à cultura, antes aos projectos que o Algarve tem ou não tem, se calhar não tem, para cuidar e promover os dois vetores da cultura.

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Nos últimos anos, apesar das cavadelas, poucas têm sido as minhocas, pois os responsáveis pela cultura algarvia, são mais de modas e passarelas, que claras razões de projectos.


Aliás, deve-se muito às Câmaras Municipais do Algarve, a nossa presença em termos de imagem nacional no plano da cultura e até poderíamos evocar este ou aquele concelho, para melhor aconselhar, quem julga que o Algarve e a sua cultura não existiam, antes de serem convidadas para assumir este ou aquele cargo.


Às autarquias sim, se deve o grande trabalho que o Algarve tem vindo a fazer na cultura e também no que é nosso, genuíno e tradição, para que a nossa identidade não desapareça, como desapareceram agora o Jacinto Palma Dias e o Deodato Pires, afinal dois vultos da nossa cultura.


Muitas dessas pessoas, responsáveis pela cultura no Algarve, ainda não eram nascidas, já nós andamos nos púlpitos da política e da cultura a anunciar aqueles cujo pronuncio maior, naquele tempo, e nós até acreditávamos, era mudar o Algarve, a nossa terra e Portugal.


Eram pessoas, que quando tomavam posse dos lugares para que tinham sido eleitos/as ou convidados/as, sabiam que não pertenciam a nenhuma orfandade, logo não estavam sós, e no dia seguinte procuravam com a humildade, competência e qualidade que os tinha levado ao sitio da governação, lançar raízes, mesmo sabendo que acabariam sempre por se infiltrar as ervas daninhas, mas nunca, seriam eles próprios, como agora acontece, as ervas daninhas, sobretudo, no que diz respeito à cultura.


Como escreve Fernando Pessoa: “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”


É isso, sejamos ao menos donos dos nossos sonhos, dando-lhes a vida possível, porque a nossa vida tem momentos, em que não podemos correr atrás dos sonhos, mas podemos sim, alisar o caminho para que outros possam lá chegar, mesmo que trompecem com um outro pesadelo.


A cultura algarvia, e se calhar a Direcção Regional de Cultura do Algarve não sabe, acho que ainda é assim que se denomina, acaba de ficar mais pobre, pelo desaparcimento de Jacinto Palma Dias e Deodato Pires, que se calhar nunca se cruzaram na vida, nem entre papeis, nem entre pensamentos, mas eram dois grandes valores da cultura algarvia.


Cada um ao seu estilo, ao seu modo, e por vezes, na luta diária, como escreve Zeca Afonso, eram “maior que o pensamento.”

Jacinto Palma Dias fez da vida e da cultura aquilo que quis e nunca se calou

Jacinto Palma Dias, natural de Castro Marim, um algarvio de gema, raiano, das almas mais puras e cristalinas, que fez da vida o que quis, amado por quantos o rodearam e com ele encalharam em todos os dias da sua vida.


Um génio, como professor, lutador, imaginativo, sempre solto nas vozes, nas músicas, nos valores, e sem nunca se afunilr nas paredes dos medos, mesmo quando em 1962 foi para Paris, porque já não era capaz, aqui em Portugal, de decifrar tanta tolice, e lá concluiu o seu curso, e dele fez vida, dando aulas, e sendo uma referência na escola, entre os alunos e os seus pares.


Nunca ficou no seu canto, procurando deste imaginário rochedo, reorganizar o seu modo de vida, lutando ao mesmo tempo, como se lê, em “Algarve Revisitado” na própria reorgaziação do Algarve.


Jacinto Palma Dias foi o coautor do livro “Algarve Revisitado”, obra publicada em 1994, que aborda, pela primeira vez, o tema das platibandas, um elemento típico da arquitetura tradicional algarvia.


Era o seu primeiro grito, pelas teias do activismo contra o caminho que o Algarve tomava na sua descaracterização e pelo qual ficou conhecido, dando a vez e a voz escrita a um pensamento que ainda faz escola na Região.


Nascido em 1945 em Castro Marim, Jacinto Palma Dias formou-se em História pela Universidade de Coimbra/Universidade de Paris VIII (1973).


Como escritor, além do livro “Algarve Revisitado” (1994 – Loulé/Lisboa), em coautoria com João Brissos, é responsável pela obra “A Metáfora da Água, da Terra e da Luz na Mitologia do Algarve Arcaico” (1999), e pelo livro “Algarve em 3D”, (2012), que foi traduzido para inglês e publicado sob o título “The Algarve, An Amazing Journey Through Gastronomy, Architecture Biodiversity”. Seguem-se, depois, as obras “Estéticas e Inestéticas no Algarve Contemporâneo” e “Portugal antes de Portugal”, ambas de 2016.


Como escreve o Jornal do Algarve on-line, com cujo jornal colaborou ao longo de algum tempo, Jacinto Palma Dias, foi um “historiador de formação, com licenciatura tirada em França, o Maio de 68, lhe ter-lhe-á moldado um pouco a personalidade irreverente e contestatária que o caracterizava. Jacinto Palma Dias, esteve ligado a muitas batalhas, algumas das quais pouco ou nada tinham que ver com a sua formação académica.” Referimo-nos ao desenvolvimento da agricultura biológica e à revitalização das salinas tradicionais de Castro Marim, de que foi pioneiro.


E lembar ainda:


“Perdeu-se o homem para outra dimensão, fica a sua obra e o exemplo de uma vida simples e bastante preenchida. E uma herança que os filhos prosseguem, com a mesma inteligência, valores e espírito inovador.”

Deodato Pires era sócio número um do Olhanense e um homem da cultura


Deodato Pires, foi um homem simples, educado, mestre na vivência da família, construtor de amizades, genuino, amando Olhão, como se nada mais existisse para amar.


Alentejano, natural de Aldeia Nova de S. Bento, que chegou à Vila Cubista da Restauração, com 14 anos, mas logo foi adoptado como algarvio de Olhão.


Conceição Pires, sua esposa, o outro lado da sua vida, encontrou nele um marco de cultura e de valores, que a ajudaram, até na ribalta da politica, a liderar por bastante tempo a Junta de Freguesia de Olhão, e ambos, talhados para a valorização da cultura e os valores da sociedade olhanense.


Aliás, a página on-line do Sporting Clube Olhanense, a que tivemos acesso, lembram que: “Olhão e o Olhanense ficam mais pobres, pois faleceu o sócio número 1 rubro-negro, Deodato Pires.”


O Olhanense emitiu a seguinte Nota de Pesar: “O nosso clube está de luto pelo falecimento do sócio número 1, Deodato Domingos Pires. Nascido há 91 anos em Vila Nova de São Bento, residia na nossa cidade desde os 14 anos.


Além da dedicação associativa ao nosso emblema (foi distinguido com o Prémio Cassiano em 2019) notabilizou-se na área cultural como autor de vários livros de poesia.


Foi presidente do Elos Clube de Olhão e fez parte do executivo da Junta de Freguesia de Olhão liderado pela sua esposa, Maria da Conceição Pinto Pires.


A Direcção e todos os Corpos Sociais do Sporting Clube Olhanense, envia as sentidas condolências a toda a família enlutada.”


No passado mês de Abril, por ocasião das celebrações do 108.º aniversário da nossa agremiação, Deodato e sua esposa foram duas das várias personalidades que gravaram a sua mensagem de parabéns.


Deodato era um símbolo da cultura Olhanense e um homem muito empenhado nos valores sociais, da família, da comunidade, procurando sempre elevar o património cultural de Olhão, com alguns obras poéticas, mas também nas sucessivas intervenções junto da comunidade rotário, dos elos e mesmo como sócio número um dos Sporting Clube Olhanense.


Olhão e o Algarve perdem um homem bom e culto. Simples, mas fidelíssimo nas suas convicções e preocupações humanas e na luta por uma sociedade equilibrada e culturalmente mais humana.

Neto Gomes

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