REMATE CERTEIRO: Fechado em casa a comemorar o 25 de Abril o sogro de Trump

No sábado passado, que coincidiu com o dia 25 de Abril, foi um dia muito bonito, tão bonito, que até comemoramos à janela, esta maravilhosa efeméride, cantando Grândola Vila Morena, de Zeca Afonso, o maior cantor da nossa liberdade.


Mas logo aqui, e ao contrário de alguns fingidores, que fingem que são uma coisa e depois são outra, que dizem que isto vai mudar depois do coronavírus, sem se aperceberem que essas vozes adivinhadoras, são vozes em contramão e de puro engano.


Reparem que ontem e hoje, mesmo agora, neste instante, em que traço esta meia dúzia de linhas, voltamos a discutir uns com os outros, até eu acabei por ser vítima desta espécie de duplo ostracismo, aquele que nos é determinado pelo coronavírus, e o outro que a sociedade vai arquitectando, e senão, reparem neste pequenino exemplo.


Ontem fui um dos muitos portugueses e dois espanhóis, que às três da tarde cantámos Grândola Vila Morena. E eu digo dois espanhóis, pois no sétimo andar do meu prédio. Sim meu, porque há muitos anos que o paguei ao Montepio, ainda o Montepio era generoso e confiante para todos, agora é apenas generoso para o Presidente, que sabe que sendo um pássaro, sempre a saltitar, também sente que um dia vão entrar na gaiola…


Como ia dizendo, tenho dois vizinhos espanhóis, que também cantaram Grândola. Adiante…
Então não é que depois de cantar, recebi uma mão cheia de mensagens, que mostram bem o tal ostracismo, em contraste com a minha curtição em lembrar com alma e pulmões o movimento dos capitães!


Primeira mensagem foi do meu filho a dizer-me que tinha cantado muito bem e que já me tinha inscrito para o próximo festival da canção.


Outra do meu amigo Manuel José, que me enviou uma mensagem de Espinho a dizer-me «Amigo estás em forma, é o Neto Gomes de sempre. Obrigado amigo.» Aliás, o Manuel José, tem um amigo, de nome Rui Rocha, ex. andebolista internacional, quer também representou o F. C. do Porto, que escreve maravilhosamente, e que no outro dia a propósito da telescola escrevia: «De manhã começa a telescola e as vídeo-aulas. Os miúdos pela casa, uns num lado, outos noutros, computadores, televisões, modems, professores que não atinam, alunos que demoram, enfim, o normal quando tudo é novo. Preocupa-me o que os professores podem fazer quando os alunos se portam mal. Já agora como portal mal em aulas online? Enviar um vírus? Uma emoji? E como mandar bilhetinhos às miúdas giras da turma, como chatear o colega da frente? Como é que o professor atira o apagador à cabeça dos espertinhos? Vai haver cyber-bullyng e net-kissing.»


Mais adiante explica algumas vantagens que o coronavírus trouxe, escrevendo: […] A filas nos estabelecimentos e hospitais tornaram-se ordeiras, com as pessoas a guardarem espaço entre elas. Acabaram aqueles toques irritantes de quem está atrás de nós, o mau hálito, o bafo no pescoço, os enganos a passar à frente. Enfim, o calor humano no seu pior.


Por falar em mau hálito, as máscaras sempre têm vantagem, já posso comer alho às refeições, não preciso de fazer a barba todos os dias e há até quem fique melhor de máscara do que se ela – meu caso -, ao mesmo tempo que nos traz um pouco daquele mistério oriental nas mulheres com olhos bonitos – todos os olhos são bonitos porque todos têm luz. Ou seja, os feitos menos feios e os hálitos suportáveis […]»


Este texto é uma maravilha, escrito com enormíssima qualidade, e urge acrescentar, que Rui Rocha é ortopedia e tem algumas obras publicadas, sobretudo poesia, e também sabemos que ele não levará a mal, de lhe roubar estas breves linhas, para adocicar, o meu Remate Certeiro, não tão certeiro como os dele, com uma canhota incrível, mas…


Voltemos, entretanto, aos telefonemas que recebi, depois da minha cantoria, lembrando, que também me telefonou uma outra uma amiga, dizendo que eu tinha desafinado muito.


Então se cantei sozinho como é que desafinei? Mas mesmo que tenha desafinado, Cantei GRÂNDOLA ou cantei ALCÁCER DOS SAL!


Outro amigo, a dizer-me, que tinha estado muito bem, mas ao mesmo tempo muito mal.
Outra ainda, que mais valia que não tivesse cantado.


Mas a grande mensagem que recebi veio do meu neto Manel – numa altura em que ainda ressonavam estrondosamente milhares de aplausos, que até parecia que a TAP já tinha começado a levantar outra vez – para me dizer: AVÔ QUEM CANTA ASSIM NÃO É GAGO.

Zeca Afonso


Todas estas mensagens foram lidas com muito entusiasmo pela minha esposa, que normalmente nunca lê nada daquilo que eu escrevo. Ficou tão cansada das cartas que lhe escrevia quando nos conhecemos, que certamente teria rezado num fortíssimo finca-pé: – Nunca mais vou ler nada que ele escreva.


Mas no sábado, creio que ficou tão emocionada com o ruido à volta dos meus sentimentos cantantes sobre o 25 de Abril, que acabou por sentir, que o que eu sentia, não era a voz do fingidor…


25 de Abril uma data que será sempre para mim um tempo de liberdade e de magia, mas que muitos em barafunda com eles próprios, distinguem os verdadeiros portugueses e antifascistas, só naqueles que foram libertados das prisões. E os outros e as outras:


E os operários e camponeses, que tinham que roubar, nas empresas onde trabalhavam para dar de comer aos seus filhos
E os que viviam com três dia de trabalho por semana?
E os que recebiam três latas de conserva como subsidio de Natal?
Eu queria ver o Salgado, o Jardim, o Oliveira e Costa, que Deus já chamou e por exemplo os primos Sócrates, Cavaco e Vara, a viverem com três latas de conserva – muito menos que a ração de combate no meu tempo – e estes também foram medalhadas como enormíssimos portugueses.


Existem pessoas que mesmo em tempo de pandemia, de curtas liberdades, eu por exemplo, que vivi sempre no mundo todo, e que me vi sempre rodeado de centenas e centenas de pessoas, e alguns nem gostavam, tinha que levar com a minha voz grossa, mas sempre a roçar a emoção, sem ser aquilo que o Pessoa, chama de «fingidor…», agora estou numa roulotte, onde às vezes encalho na minha própria sobra.


E como é que existem Pessoas, e estou a referir-me a PESSOAS, que levam a vida inteira entregues a um estranho mutismo, uma espécie de curtição, e sentem-se felizes, neste acorrentar a coisa nenhuma, alimentando um ego, que já está fora de prazo.


Cantei Abril. E o que me choca, é que cantei ABRIL PELA PRIMEIRA VEZ SEM ESTAR EM LIBERDADE, encarcerado nas várias paredes da minha casa, mas de cravo ao peito, com a lágrima ao canto do olho, pois além de Grândola, a canção mais marcante que ficou daquela época e ontem voltei a ouvi-la, foi a tal que fala de crianças, de papoilas e de gaivotas. Sim da Gaivota que voava, e que depois se tornou num símbolo, para adormecer os meus filhos e agora os meus netos. Mas eu mostro a letra aos saltinhos: […]

Uma gaivota voava, voava,
assas de vento,
coração de mar.
Como ela, somos livres,
somos livres de voar.

Uma papoila crescia, crescia,
grito vermelho
num campo qualquer
Como ela somos livres,
somos livres de crescer.

Uma criança dizia, dizia
“quando for grande
não vou combater”.
Como ela, somos livres,
somos livres de dizer. […]

O meu Pedro nasceu em 1974, e a canção só parou, quando ele, já não precisava de adormecer nos meus braços. Depois, desde esse momento distante, só voltei a recordar esta canção, em 2007, quando nasceu o meu neto Guilherme, pois muitas vezes adormeceu no meu colo, quando eu cantava:

Uma gaivota voava, voava,
assas de vento,
coração de mar
Como ela, somos livres,
somos livres de voar.

Depois esta canção, renasceu para adormecer a Maria, mais tarde o Manel… Agora a Sofia, mas para a Sofia, tem agora 17 meses, ainda cantei muito pouco, pois num repente chegou a pandemia e nunca mais lhe toquei, a apalpei, a beijei, a apertei no meu peito para ao mesmo tempo acontecer o tilintar do meu e do seu coração.


Por isso cantei Grândola e comemorei o 25 de Abril de 1974, confinado e dentro dos meus silêncios, profundos para não escutar algumas vozes reacionários, que mesmo com o coronavírus à cabeçada com o pessoal, andam por aí e esgrimir estratégias como se o Algarve e o País estivessem abandonados, gente distraída, tão distraídas, como o meu querido e saudoso amigo Prof. António Rosa (um homem de esquerda) que também era o proprietário do Externado Nacional, em Vila Real de Santo António, meu professor de matemáticas, que às vezes fumava com o giz e escrevia uma regra de três simples com o cigarro, mas não foi por isso, que ainda hoje não encontrei o valor de (x). Eu depois explico.


Estava muito descansadinho em casa, diga-se a, a ler as mensagens que me chegaram, e segundos antes a libertar-me de uma terrível discussão com o meu sofá – que, diga-se de passagem, já não me consegue ver, e tem razão, – quando o telefone tocou.

Nem atendi à primeira, pois ainda tinha uma espinha encravada na garganta que tinha que dizer ó meu Sofá.É pá… vê lá se te acalmas, que aqui em casa o senhorio sou eu. Tu és o inquilino. Calma. É que se falas muito, aliás, tu já nem falas, gritas, nem vou gastar contigo a energia do elevador…vais a pé do segundo andar até à rua. Ele ficou tão encolhido, que agora só cabemos cinco pessoas no sofá…


Bem. Lá atendi o telefone cansado de ouvir: trin trin trin trin… trin trin trin trin – Malvado telefone, disse para os meus fechos, porque eu não uso botões.


É que não estava muito a propósito de falar fosse com quem fosse. Para dizerem que canto mal, já me chagava o que tinha lido, e ainda por cima a discussão com o meu sofá. Bem, lá atendi, pois até poderia ser a Santa Casa a dizer que eu tinha ganho a raspadinha. Nunca se sabe.


– Era a minha tia Amélia, que Deus ainda não tem, a gritar-me aos ouvidos:

– Manulito. Ho Manulito, és tu? Ia perguntar-te se tu sabes quem é aquele senhor de cabelos muito brancos que anda sempre atrás do presidente da América.

– Anda atras de quem tia? – Eu bem tinha percebido, mas o que é que se teria passado com a minha tia para trazer à cena o homem de cabelo branco, que anda sempre atrás do Trump!

– Sim Manulito. Do Trump, ou lá como é que o homem se chama e que mada lá na América!
Eu tinha muitas dificuldades em perceber a minha tia e perguntei.

– Repita lá tia?

– Quem aquele homem de cabelos brancos que ainda sempre atrás do trumpe ou da trampa, ou lá como o homem se chama?

– Oh tia. Se estou a perceber bem, é vice-presidente. É o senhor Mike Pence

– Pence… se é o «pence», porque é que o outro só diz disparates…

– Mas oh tia eu não disse pense, disse Pence. Oh filho desculpa lá, então o homens é pense duas vezes.

– Não tia é o Senhor Pence. Pence com o (C), não pense com o (S)…

– Manulito, tu não bates bem filho. Atão as pessoas umas vezes pensam com o (S) e outras com o (C)?
A conversa ficou depois tão dura ao telefone, que para a acalmar a minha tia, tive que lhe gritar:

– Oh tia este senhor de cabelo branco, que anda sempre atrás do Presidente da América, é o sogro. É o sogro dele, tia…! – Bem me parecia – gritou a minha tia – soltando uma grande gargalhada… – Bem me parecia – repetiu ela, dizendo ainda: – Tinha que ser o sogro, Manulito, Parece uma múmia e não diz nada. Entra mudo e sai calado e ainda apor cima tu dizes que ele se chama Pence…


Depois deixei de ouvir a voz da minha tia… Mas como medo quer os protestos continuassem, ou que a minha tia me voltasse a ligar por causa do sogro do Trump, desliguei o telefone e voltei ao meu calvário, de estar fechado em casa.


Hoje vou voltar a mexer nos meus papéis. Coisas que ando a fazer há dois ou três anos e que a pandemia não me pode impedir. Felizmente que agora proibiram de falar, o inventor da nova cerveja americana a partir da lixivia, e que vai ficar muita chateada é a minha Tia Amélia, que Deus ainda não tem, por não poder ver o sogro do Senhor Trump…


Então, até para a semana e FIQUEM EM CASA. BOM DIA DA MÃE, QUE JÁ VAI SER NO DOMINGO. QUEM TIVER QUE A POUPE. DA MINHA GUARDO TUDO NO CORAÇÃO.


FIQUEM EM CASA, QUE ENTRE A ESTA OU OUTRA ONDA, COM MAIOR OU MENOS CURVA, COM MAIOR OU MENOR ACHATAMENTO, ISTO É MUITO SÉRIO. TÃO SÉRIO, COMO ESTRANHO E GRAVE.

Neto Gomes

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