Remate certeiro: Francisco Zambujal um nómada da caricatura

Francisco Zambujal um nómada da caricatura e da paixão pela arte, nunca deverá ser esquecido

Em cima e da esquerda para a direita, José Armando, Manuel José, Sequeira, Cardoso, Amâncio, Lampreia, Almeida II (cap), Jaime e Benje. Em baixo e pela mesma ordem. Artur, Domingos, Mirobaldo, Almeida II, Sobral, Chico Zé, Jacques e Pedro Gomes (treinador)

Esquecer Francisco Zambujal é enterrarmos a mais notável das memórias, de um artista e de um ser humano fantásticos, que não foi preciso sair daqui do Algarve, afinal do sítio, onde chega gente de todo mundo, para demonstrar e comprovar, como é possível, mesmo em bocados de papel amarrotados e com lápis desafiados, com pontas que rasgavam os desenhos, criar as mais extraordinárias ricas caricaturas, e um legado, que em Maio de 2019, subiu ao palco de Portimão.


De facto, a 27 de Março desse ano, e integrado na derradeira etapa de Portimão Cidade Europeia do Desporto, e por ocasião da entrega dos galardões na Gala CNID 2019, que teve lugar no Museu de Portimão, com a presença do João Paulo Rebelo, Secretário de Estado da Juventude e Desporto, foi recordado Francisco Zambujal, através da exposição de 42 “cartoons” de temática desportiva, publicados no jornal A Bola.


As suas caricaturas correram os quatro cantos do mundo, também à boleia do jornal A BOLA, mas também pelo eco da voz dos nossos emigrantes, onde as notícias chegavam e que a partilhavam por outros tantos, que nada sabiam sobre o Chico, o professor de crianças, que fazia da histórica Brasileira, café em Faro uma espécie de atlelier…


E era o tempo, em que levado ao colo do Benfica, o clube do seu coração, por mares do futebol nunca antes navegados, a voz escrita de A Bola e os desenhos do Francisco Zambujal, nos diziam onde moravam esses países, que línguas falavam, como eram o nome dos rios, que costumes, embora já se soubesse, que de quando em vez, a passagem de nível do lápis azul da censura. Um lápis que envergonhava os lápis do Chico Zambujal, muitas dessas imagens escritas, eram aniquiladas, trancadas para que morrêssemos nos silêncios da informação, sobretudo, quando estes traços traziam o eco de países como a Hungria, Rússia, a outra Alemanha, dita Democrática, ou então a Polónia, a Checoslováquia, a Jugoslávia, do Marechal Tito.


Pinhão, Miranda, Vítor Santos, Aurélio Márcio, Homero Serpa, Santos Neves, Cruz dos Santos e tantos outros, faziam sempre um «linguado» a menos, para que a força da notícia, também pudesse escapar ao lápis azul, pelo fascínio e arte das caricaturas deste extraordinário nómada da arte.


Chico Zambujal, com os seus desenhos, enchiam-nos a alma, a sua inspiração montada em estrados assentes no seu palco de ideias, acolhia gente de todas as coisas, de todos os momentos. Gente de todos os caprichos e teimosias e muitas vezes os ódios e as separações ficavam mais brandas, com menos arestas, pela força do seu talento.


Políticos, artistas, futebolistas, mestres de cerimónias e outros mestres das ordinarices, eram esgrimidos, pelo talento deste alentejano, que também caricaturava com sotaque, que viveu mil dramas, até ao drama maior, mas que fez sempre da sua simplicidade, do seu olhar á vida a sorrir, uma teia de romançada esperança a cada homens que o lia, sim, porque as caricaturas do Chico também eram literatura.

O homem, o Farense, o Pedagogo, o Mestre da Caricatura


Se percorremos em desfolhada Francisco Zambujal – O Homem, o Farense, o Pedagogo, o Mestre da Caricatura, de Osvaldo Macedo de Sousa, numa edição de (Ed.Humorgrafe), e que nasce no ventre da Comissão Organizadora de Homenagem a Francisco Zambujal, que teve como Director Executivo, Pedro Bartilotti e como Director Artístico, o já citado Osvaldo Macedo de Sousa, num trabalho escrito por mil mãos com 328 páginas, vamos ao encontro de memórias indiscritíveis (ainda que em jornalismo, não se possa acentuar o indiscritível), onde a rebeldia e a arte nos levam a viagens, que continuam intemporais e a rostos que foram toda a nossa vida e que as novas gerações não podem, não devem ignorar, sob pena de amputarem o conhecimento.


Com um Sorriso de Faro, esta espécie de notável sebenta da vida e obra, sempre inacabada, mas que as novas gerações, repetimos, não podem esquecer, nem ignorar, antes denunciar, para que este nómada não deixe de andar por aí, de estar em cada um de nós.
«As memórias, leva-as o tempo. Enlameadas pela velocidade da vida, desbotadas pelas amizades que se vão, é nossa obrigação preservar o passado para que o futuro não se perca.


Há as memórias publicas e privadas e, sobre o mesmo momento, cada um tem a sua percepçao subjectiva, a sua visão, o seu sentimento diferenciado, Francisco Zambujal, para a maioria, é uma memória, um símbolo do humor desportivo, de décadas de caricaturas de jogadores de futebol, de comentários irónicos ao universo desportivo, em «A Bola».


Para outros, os privilegiados, é uma memória de vivencias, um símbolo de calma e honradez, de amizade profunda, de eterna simpatia de um sorriso que brilhou em Faro como pedagogo, como cidadão exemplar, como amigo, como optimismo, como boa disposição encarnada no humorista que todos conhecem. […].»


Mas talvez, esta espécie de ensaio, sobre a sua paixão por Faro, e que vai prevalecer noutros retratos que se irão soltar pela pena e pelos teclados de muitas jornalistas do jornal A Bola, sejam espelhados, neste pequeno texto assinado por Alfredo Farinha.


«O Xico apostou na descentralização, – escreveu Alfredo Farinha in A Bola de 6/1/1990, talvez como que adivinhado que dois meses depois se iriam fechar para todo o sempre as cortinas, de onde com todo o seu natural brilhantismo o Francisco Zambujal se assomava.
Alfredo Farinha recorda: «Tinha os amigos de sempre. O café de sempre. Lá em Faro. Lisboa era o lugar onde vinha. Mas a inspiração surgia-lhe melhor lá em Faro, onde tudo era mais suave, mais quente, quiçá mais cosmopolita. Pelo seu talento, todas as portas se abririam onde quer que aparecesse. Lisboa sentá-lo-ia à sua mesa mais dourada, dar-lhe-ia os melhores pincéis, fornecer-lhe-ia os melhores carvões. Não se interessou. Fez questão, até ao fim da sua vida, de ser sempre um rapaz de Faro.»


Faro e os Amigos, subtítulo, que conjuga e caracteriza na página 39 com os amigos, Se nos lembramos que, como conta o autor: «A razão desta evolução no traço é a irrequietude das suas mãos, o constante procurar rabiscar, de apanhar os fáceis dos amigos, dos farenses que se cruzavam com ele no café, nas brincadeiras com os colegas, na capação da ternura e da traquinice dos alunos. […]


A «Brasileira» de Faro, sede da sua principal tertúlia de amigos, será um dos seus ateliers preferidos, já que aí encontrava o alegre convívio de amizade e a jocosa convivência do comentário do café, mãe de todo o humor português. […]

Porra! eu estou mudo, mas não estou surdo !!!!

O secretário de Estado da Juventude e Desporto, João Paulo Rebelo, tendo
a seu lado Isilda Gomes, Presidente da CM de Portimão, ouve as explicações
de Manuel Queiroz, Presidente do CNID, sobre a exposição relacionada com alguns dos muitos trabalhos de Chico Zambujal, inseridos no jornal A Bola


[…] A certa altura – como se lê por uma das gretas da página 313 – foi-lhe amputada parte da língua, dificultando-lhe o diálogo. Fechou-se em casa para que os amigos não assistissem `sua degradação física e mantivessem na memória o jovial amigo do dia-a-dia. Nunca perdeu o humor, e manteve-se a trabalhar para os jornais.


Para ilustrar este seu eterno humor, o constante espirito anti-depressivo, a família contou-me uma pequena história: irmão Mário foi visitá-lo; o diálogo tinha que ser feito com o auxílio de um bloco onde o «Xico» escrevia o que queria dizer. A certa altura, Mário disse que ia sair e se ele queria algo. «Xico» escreveu qualquer coisa como: queria os jornais, papel, lápis…


Maquinalmente, Mário pega no bloco e responde também por escrito: Queres já, ou posso trazer mais tarde? Sem perder a serenidade, mas com muito humor, «Xico» responde de novo por escrito: «Porra! Eu estou mudo, mas não estou surdo!!!!»


E deixamos este remate final, que fomos roubar ao jornal A Bola, para fecharmos o nosso Remate Certeiro, recordando, o momento, em que o jornal da Travessa da Queimada, com a lágrima a tanger a pestana, anuncia o adeus a Francisco Zambujal

«Mano Chico» a Falta que Fazes


«Já há muito que esperávamos, nesta casa, a notícia da morte de Francisco Zambujal, nosso querido companheiro de trabalho, nosso amigo, nosso «embaixador» em Faro. Atacado por uma doença que não perdoa, o «Xico» nunca se rendeu, nunca baixou os braços, fez questão de viver intensamente os seus últimos dias.[…]


Nos últimos dias da sua vida, falando ao telefone com dificuldades, Francisco Zambujal não escondia a sua mágoa de não poder vir a Lisboa, visitar a exposição «O Humor e a Bola», onde estavam patentes 45 anos de humor e onde, juntamente com Stuart, Pargana e João Martins, era figura dominante.


Bem se pode referir que a grande consagração de Francisco Zambujal estava, afinal, na apreciação unânime dos leitores de «A Bola», em cada desenho que publicava, que poderia, eventualmente, não lhe agradar pela «farpa» que colocava no seu amor clubista, mas a que se rendiam sempre pela graciosidade da ideia, a figura do apontamento, a correcção do traço, toda a beleza artística que se liberava do conjunto. […]


Quando estou a alinhavar estas linhas na mesa dum tradicional café de Faro – O Aliança – onde, talvez, o «Xico» tenha parado algumas vezes, dou por mim a pensar se não erei falhado um obrigatório artigo de «pomba e circunstância», que o triste evento justificava […]
Sabíamos que a notícia era inevitável, mas, com o rodar do tempo, vamos criando a habituação de que talvez não seja assim tão mau, que as coisas não sejam tão decisivas. Quando o telefone tocou, na minha casa, na quarta-feira passada, não tinha tremores fúnebres:

É o Pinhão. Telefonou-me o Mário que o «Xico» morreu…


Naquela altura, morreu um pouco de todos nós…(Carlos Miranda in A Bola de 15/4/1990)»


Se fosse vivo, teria feito, no passado dia 15 de Janeiro, isto é, na última sexta – feira, faria 86 anos, aquele que ainda hoje é considerado, um dos grandes caricaturistas do jornalismo, e sobretudo, do jornal A Bola.


Deixou-nos quando ainda tinha um longo caminho a percorrer, pois três meses antes, completara 55 anos de idade.


Deixou-nos, mas este nómada das caricaturas e da arte, ando por onde andar, nunca mais será esquecido.

Neto Gomes

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