Remate certeiro: Jacques deixa para trás uma carreira fantástica

Jacques deixa para trás uma carreira fantástica, da qual a família, VRSA e o próprio futebol se devem orgulhar

Jacques com a camisola
9 do FC Porto

Faleceu o Jacques.


A notícia varreu todo o espaço desportivo de País e seguramente à boleia deste grito, rompeu fronteiras, quiçá como fizeram os seus pais, quando no começo da década de cinquenta rumaram a Marrocos, país, ainda a cambalear pelas armas que lhes apontava Franco, que o mundo também conhecia, como Generalíssimo Franco.


Marrocos era naquele tempo, uma espécie de universidade das coisas do mar, para onde abalavam muitos vila-realenses, mestres de fábricas e outras profissões, que por ali permaneciam uns meses, povoando de saber as gentes e o sector produtivo das pescas e das conservas marroquinas.


E é à boleia deste saber, mas também agitado pela aventura e muitas vezes em busca de um modo de vida diferente, dos tais sonhos que para os portugueses nunca terminam, que o pai do Jacques, ruma a Casablanca.


Ali nasceu o Jacques, mas algum tempo depois, num berço ainda por inventar, Jacques e consequentemente seus pais, regressaram a Portugal e a Vila Real de Santo António, daí que sempre que se falava de Jacques, que durante mais de uma década, explicou e demonstrou ao futebol português e não só, QUE OS HOMENS NÃO SE MEDEM AOS PALMOS, fala-se de um vila-realense. De um vila-realense de gema, que por isso mesmo, levou e elevou como futebolista de enormíssima qualidade, o nome da «Bila», aos quatros cantos do mundo da bola.


Seguimos rumos diferentes, e raro nos cruzámos, apenas quando ele era ainda menino e moço, para recordar a minha primeira e desafortunada experiência como treinador de moços, naquele que seria o meu primeiro encontro com o Jacques.


Dava os primeiros passos a época dos futebóis de 1970/1971, vírgula mais, vírgula menos, quando a convite da Direcção do Portimonense, representada pelo meu amigo e saudoso Virgílio, eterno faz tudo no Portimonense, e posteriormente a convite do Senhor Rosendo, antigo árbitro de futebol, que era o treinador dos juniores do Portimonense, passei a treinador dos juvenis do clube da cidade de Manuel Teixeira Gomes.


Faziam parte da minha equipa, entre muitos outros, alguns moços muito promissores, casos do João Ventura, que foi Director Regional da Cultura, o Roque, médico, o Soares, empresário, o Teodoro, o Alfredo, o Santana, o João Corneta e o Paulo Silva. Doloroso o facto de alguns já serem saudade.

O futebolista passou pelo Juvenis do Lusitano de Vila Real de Santo António


Por essa altura fomos a Vila Real de Santo António, ao velhinho campo do Lusitano, que tinha uma equipa de grande valia, onde despontavam João Peres, Fernando Reis, Travassos, Faria, Pavão, Sebastião, Zé Gregório, entre outros.


Fomos goleados, mas antes do jogo começar e sentado num banco no lado peão, junto ao pelado, começou a correr um zumbido à minha volta: Moço, Neto, tu é que és o treinador destes montanheiros!


O Lusitano tinha uma equipa fabulosa, que rapidamente chegou aos quatro a zero e logo o mesmo zumbido.

– Moço, Neto pede já ao árbitro para o jogo acabar!


Ainda me acertaram com algumas tacadas. Tudo normal, porque tacadas têm levado os melhores treinadores do mundo, quanto mais eu, que estava ali apenas, para ajudar garotos a serem felizes. E às vezes até eram.


Foi esta a primeira vez que me cruzei cara a cara com o Jacques num jogo de futebol. Antes já tinha brincado com ele, coisa rápida, quando das muitas vezes em que fui à casa do meu amigo Ulisses José Rafael, tio do Jacques, pois a sua mãe e a esposa do Ulisses era irmãs, diga-se, a modos de passagem, sogra do meu velho e bom amigo Fernando Branco, que vive no Canadá, sendo, portanto casado com uma prima do Jacques.


Perdi-o de vista, porque rumamos a paragens diferentes, ainda que nos tivéssemos cruzado por uma outra reportagem em jogos de futebol. Às vezes tinha notícias dele que em chegavam de amigos comuns.


Fui, portanto, acompanhando a sua carreira, a projecção que dava à «Bila», mas o que ressaltavam sempre, mais que o seu poder de elevação, era a sua humildade e a sua alegria, diga-se contagiante, mesmo nos momentos em que a vida lhe foi mais adversa.


Creio, ter sido mesmo, entre os vila-realenses, e da sua geração, um dos mais notáveis e conhecidos jogadores de futebol, numa carreira sempre a crescer, desde o Campo Francisco Gomes Socorro, às Antas, onde representou o F. C. do Porto, onde se sagrou campeão nacional, e venceu uma Bola de Prata, prémio com que o jornal A Bola, distinguia e continua a distinguir o melhor marcador do Campeonato Nacional de Futebol, agora com outra designação, passando por S. Luís (Farense), Famalicão, 1.º de Maio (Sporting de Braga)…

Jacques e Fernando Gomes, mostram às Antas a abarrotar, a Bola de Prata


Para aqueles que melhor o conheceram, Jacques era amigo do seu amigo, um amigo único, que muitas vezes preferia ficar mal, para deixar bem um amigo.


Foi das tais pessoas, que se alguma vez fez mal a alguém, foi a si próprio, como nos confidenciou João Peres, que com ele começou a jogar nos Juvenis do Lusitano, e embora seguindo a carreira de profissionais de futebol, andaram sempre desencontrados, algumas vezes tiveram para se reencontrar, sobretudo no Famalicão e F. C. do Porto.


Metro e meio de gente, com um fantástico poder de elevação, drible rápido, fanático felino, que no espaço de uma cabine telefónica, deixava o adversário sem reação e assertivo na hora da decisão, vindo inclusive, a conquistar a Bola de Prata.
Mas este também é o momento de fazer uma confissão: Um dia, o Jacques ficou zangado comigo, mas não me disse, porque receava que eu ficasse mesmo zangado, mas enviou o recado por alguns amigos comuns.


Seu filho, também de nome Jacques, em certa altura da sua carreira passou a representar o Louletano, e num determinado jogo, na minha habitual crónica para o jornal A Bola, em sua opinião, eu não teria dado o devido destaque que o filho julgava merecer.


Ainda tentei ligar-lhe, mas em vão, porque o respeito e consideração que tinha por ele a isso me obrigava, pois profissionalmente e em minha opinião, o que se tinha passado no jogo, era aquilo que tinha escrito.


O tempo foi passando, e ainda nos cruzamos algumas vezes e conversámos o ritual, não mostrando qualquer azedume, antes, a alegria de sempre, assim a modos de: – Amigo Neto, como está!


Sempre o tive como um bom ser humano, incapaz de prejudicar fosse quem fosse, e segundo nos disseram, se despediu da vida, com o mesmo sorriso como que sempre o conhecemos. Aliás, quando o Fernando Reis e depois o Sanina, me ligaram a dar a notícia, era já noite e informei o Manuel José, por sms, que de imediato me ligou e ficou em estado de choque: – É Neto. O que terrível notícia. O Jacques era um ser humano fantástico. Mas que notícia terrível…


Jacques deixa para trás uma carreira fantástica, da qual a família, Vila Real de Santo António e o próprio futebol se devem orgulhar, embora me pareça, que não tivesse sido tão apoiado como merecia, sobretudo na área do futebol, por forma, a que não tivesse passado ao lado todo o seu saber, toda a sua experiência, toda a sua memória, que em conversas tertulianas, se calhar inspiradas pela CM de Vila Real de Santo António e pela própria Associação de Futebol do Algarve, seriam muito úteis.


Depois, não era todos os dias, que se tinha a possibilidade de ouvir, alguém que foi Bola de Prata, Campeão Nacional, Internacional A, e quem sabe, que essa justa importância de ser convidado a regressar a vida real, dar-lhe-ia conforto, importância, reconhecimento e inclusive confiança para os dias seguintes.


Não é que o Jacques se importasse, por não contarem com ele, porque mesmo pisando mil obstáculos, com a mesma acção felina com que pisava os relvados, este gigante de metro e meio, vendedor de sorrisos, fazendo da vida uma mundo de prazeres sempre rodeado de amigos, desde um jogo de cartas ao tilintar de um imperial, sabores e amigos que ele tudo fez para que a vida não os negassem.


Se revermos a sua entrevista ao Canal Porto, com o mar ao fundo, onde sobre uma mesa estava deitada a camisola 9, com a inscrição de Jaques, vamos ouvi-lo sem um único protesto, um único lamento, sem um arrependimento, antes um sentimento ternurento, mesmo por aqueles, que por vezes inadvertidamente pisaram a linha vermelha.


Sai das nossas vidas um extraordinário jogador de futebol, daqueles que não enganam, para quem o nome do clube e ordenado mensal, ou o valor das luvas, como então se dizia, eram coisas que vinham e iam, como o sopro de uma vida, que nunca se intimidou com os ventos que sopravam contra, as marés adversas e os medos de nunca chegar à praia.


Fez da vida aquilo que quis, amando-se à sua maneira, num código de conduta que o poderia levar ao silêncio, mas nunca ao atropelo de quem quer que fosse.


Jacques, amigo, deixa-me fazer-te esta confissão, afirmando que foi por tua culpa, do Fernando Reis, do Gabriel, do Travassos, do Pavão, do Faria, do Sebastião, do Zé Gregório, do João Peres, e de mais uns quantos, que um dia, não só fui goleado em Vila Real de Santo António, na minha terra, como fui enxovalhado, porque como treinador dos Juvenis do Portimonense, só não perdi por mais, porque acabaram as chapas do marcador.


Claro que aprendi a lição e na semana seguinte, fomos ganhar a Aljustrel, numa táctica única, pois a perder ao intervalo por 2-0, trocámos a defesa pelo ataque e ganhámos 3-2. Mas acabou aqui a minha curta carreira de treinador, mas valeu apena só para te ver jogar.


Olha, agora que as trompetas já anunciaram a tua chegada, vê se encontras por aí o Dominguinhos, o Anicete, o José Pedro Antunes, o Claúdio, o Manero, o Caldeira, o Germano e faz com eles uma rodinha, mas sem deixar cair a bola no chão, que nós aqui de baixo, com saudade, aplaudiremos…

Neto Gomes

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