Remate certeiro: João! Residirás sempre na minha memória

São tempos infinitos, certamente que menos que os que foram colecionados por muitos dos outros seus amigos, aqueles que guardo para sempre na minha memória, sobre a sua amizade, personalidade, carácter e a sua paixão pelo 25 de Abril de 1974, daí, se calhar nem todos sabiam, das relações fantásticas, de puro amor, que tinha com muitos dos Capitães de Abril.


Ao longo de vários anos, fui teu assessor de imprensa na Junta de Freguesia de Almancil, mas não foi isso que nos ligou, antes o puro-sangue que era, na verdade, na lealdade e no tratar os bois pelos nomes, ou mesmo dizer: Olha os bois vão a passar por ali.

Mas uma das maiores fontes de inspiração que me trouxe, foi num dia já muito distante, quando me apresentou o Senhor Hermes Alberto, esta figura enorme que Deus também já reclamou para o seu regaço, onde agora também o conduziu.


Muitos podem pensar que são apenas coincidências o facto de mais ou menos após o falecimento de Hermes Alberto, João Martins ter tomado conta das rédeas da ASCA – ASSOCIAÇÃO SOCIAL E CULTURAL DE ALMANCIL.

Não. Não foi por coincidência, pois João Martins tinha sido desde sempre um dos rostos maiores, que tanto lutou para a concretização, desta barca social e humana, onde era o sócio número oito. Afinal, regressava agora apenas ao ponto de partida, e que seria também o local onde encontraria o caminho do adeus.

“Que coisa maravilhosa que está a acontecer” – disseste um dia quando os tanques em Lisboa, embandeirados de cravos plantados nos canos das G3 tornados jardins, se encaminhavam para o Largo do Carmo, pondo ponto final a uma ditadura de 48 anos impiedosos, mas que agora, a memória de alguns transviados, alguns até estiveram nos nossos palcos dos comícios, parecem ignorar. São bastardos que se adaptam a tudo. São os tais que o João Martins repugnava, porque são decalcados do venha a nós o vosso reino.


Este era o seu grito de liberdade – “Que coisa maravilhosa que está a acontecer” que já combatia antes, em todos os lugares por onde a sua vida passava.


Na segurança Social, na rua, nas reuniões de céu e portas escancaradas, na política, nas suas mais simples acções.

Como diria Luís Sepúlveda, que tal como ele, foi arrastado pelas fragilidades irreversíveis causadas pela sempre enraivecida pandemia, que também te levou para a morte: – “Partilho plenamente a definição da nossa época feita por José Saramago: o confronto entre a globalização e os direitos humanos”.


Afinal foi sempre o pronuncio, do vómito de uma sociedade que só sabe branquear, que criou João Martins como um dos grandes pela liberdade.


E tinha razões para o ser, não apenas porque subiu a corda a pulso, porque foi sempre um homem de valores, apaixonado pela vida, que encontrou também teve tiveste inequivocamente, em António Aleixo e Manuel Cabanas, homens da minha terra, as suas estrelas mais cintilantes.


António Aleixo e Manuel Cabanas, sempre foram para si o teu lado mais puro. Aliás, com ele, e no caso concreto de Manuel Cabanas, partilhámos algumas coisas que tinha no meu espólio e que eram cimentos e artes, feitos de pequenos desenhos, ou recortes de imprensa, pois o seu olhar de confiança, como reparava em tudo o que o rodeava e que lhe transmitia serenidade, ficava mais brilhante, mais fixo, quando se enquadravas nos dois grandes vila-realenses.

João Romão, uma das almas maiores da Liga dos Amigos de Manuel Cabanas, que agora evoco, é testemunha fidelíssima desta sua relação com Manuel Cabanas e nunca esteve ausente de Vila Real de Santo António, quando a Liga dos Amigos de Manuel Cabanas, anualmente perpetuavam o seu nome, diga-se em momentos de grande saudade.

João Martins, recentemente falecido era um homem de luta pela liberdade e pela democracia. Aqui como vereador da CM de Loulé, tendo como pano de fundo António Aleixo e uma pequena imagem de Salgueiro Maia. Manuel Cabanas era outra das suas estrelas cintilantes


“Meu caro João.


Amigo, lembraste, que era eu que abria os teus comícios, os teus encontros, as tuas relações institucionais, sempre que eram tornadas publicas, por qualquer efeméride, inspiradas pela Junta de Freguesia de Almancil.


Nunca caminhaste para chegar ao topo de coisa nenhuma, porque para ti, a vida era o caminho, era ser útil à sociedade, e quantos hoje, no mesmo PS que serviste com lealdade, chegaram a lugares imerecidamente, não apenas porque nada fizeram para o conseguir, mas porque também demonstraram incompetência…


Quer como Presidente da Junta de Freguesia de Almancil, uma das freguesias mais importantes do Algarve, que cabe no bornal das grandes freguesias do País, pela sua localização, pelo seu potencial económico, pela sua constante internacionalização e empreendedorismo, quer como Vereador da Câmara Municipal de Loulé, com pelouros de grande sensibilidade social e humana, e nos quais deixaste a tua marca, foste um verdadeiro operário da politica, não agitando bandeiras, antes a alma cuidada dos valores e dos direitos sociais e humanos.


Sim! Muitas vezes franzias a testa, também ninguém é perfeito, nem o Doce Rabi da Galileia, mas logo tudo voltava a normalidade.
A paixão pela tua mulher, a Célia, pelos teus filhos, o acompanhamento permanente na sua doença, levando-te ao sonho, que a doença dela parecia menos atormentadora, afinal tu partiste, quando ela, todos, precisavam tanto de ti.


Depois não nos podemos desviar um instante, dos martírios pelos quais a ASCA, tem passado, assente em terríveis golpes, primeiro com o desaparecimento do Hermes Alberto, e agora o teu, que são a imagem de um prédio esmagado, como se sobre o mesmo o mundo todo lhe tivesse caído em cima, onde inegavelmente existe agora um profundo e dramático silêncio de choro…”


E na hora do luto, a Câmara Municipal de Loulé, enalteceu a figura de João Martins, lembrando:

“O seu percurso político está fundamentalmente ligado ao desempenho de funções autárquicas na freguesia de Almancil, onde exerceu os cargos de presidente da Assembleia de Freguesia, secretário do executivo da Junta de Freguesia e presidente da mesma de 1998 a 2013. Foi também vereador da Câmara Municipal de Loulé tendo gerido os pelouros da Intervenção e gestão social, dos Bombeiros Municipais, Fiscalização Municipal, Associativismo Sociocultural e Transportes, entre os anos de 2013 e 2017.


A João Martins se deve o impulso fundador da ASCA, que foi na freguesia de Almancil, a primeira instituição dedicada ao trabalho social. E foi no cargo de Presidente da Direção desta instituição que nos deixou hoje.


O seu sentido ético, de justiça social e defensor de uma sociedade mais justa e igualitária, levaram-no a desempenhar o cargo de dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores, sendo um defensor intransigente dos direitos dos trabalhadores.


Militante antifascista, esteve em França, no final da década de 60, onde conviveu com os movimentos oposicionistas ao Estado Novo, facto que lhe acabou por reforçar as suas convicções políticas ligadas à LUAR.

Sendo um homem interessado pelos mais diversos temas da nossa sociedade, foi um bibliófilo assumido, gostando de partilhar os seus vastos conhecimentos em tertúlias ou em meros encontros com amigos. Para além disso, foi também um grande entusiasta e amante da cultura popular e das manifestações tradicionais do nosso povo, sendo um colecionador de artefactos patrimoniais de grande relevo.


A Autarquia de Loulé enaltece publicamente o prestimoso contributo de João Martins na vida da comunidade do concelho e endereça, neste momento de profunda consternação, as mais sentidas condolências à família e aos amigos”.

A 13 de Maio, no dia da cidade, quando subiam ao palco os agraciados, diga-se num momento de grande emoção, Vítor Aleixo, presidente da Câmara Municipal de Loulé, perante rostos rígidos pelo desaparecimento de João Martins, voltou a recordá-lo:

“Estes últimos tempos foram indelevelmente marcados pela Pandemia com o seu conhecido cortejo de consequências. Vamos já para catorze meses que, de forma absolutamente inesperada, vimos as nossas vidas viradas do avesso com o surgimento de um vírus que a tantos de nós nos privou do convívio com os nossos mais queridos, em alguns casos até, de forma definitiva. Tem sido doloroso.


Permitam-me aqui evocar a memória da perda de um cidadão amigo, figura conhecida que durante anos serviu a causa pública com total entrega e generosidade. João Martins conspirou e combateu pela Liberdade quando esse precioso bem ainda não era conhecido entre nós. Fundou depois a primeira IPSS em Almancil, a ASCA, mais tarde foi Presidente da Junta de Freguesia e Vereador na Câmara Municipal de Loulé. Homem de convicções fortes e ações bondosas que a tantos serviram.


Partiu mas o seu exemplo continuará a inspirar-nos e a seu tempo o Município prestar-lhe-á as devidas honras”.

João Martins, o meu saudoso amigo, que não pude acompanhar nas cerimónias fúnebres, mas que me deixa um profundo vazio, era das poucas pessoas, numa espécie de clube de quatro ou cinco amigos, que me tratavam por Manuel Joaquim.


Nunca mais vou ouvir, mesmo à distância do outro lado do passeio: – Como vai isso Manuel Joaquim…

Baixo a guarda deste Remate Certeiro, lembrando salpicos da sua intervenção, quando a 8 de Maio de 2004 fez a abertura do 1.º Congresso de Almancil, também em homenagem aos 30 anos do 25 de Abril, do qual fui o Coordenador:

“Apesar da grandeza da história, feita de todas as coisas e construída pelo esforço, pela inteligência, pela dignidade e pela capacidade empreendedora dos Almancilences e da qual nos orgulhamos, o dia 8 de Maio de 2004, data que assinala a realização do 1.º Congresso da Junta de Freguesia de Almancil, ficará assinalado como um dos momentos mais marcantes deste inicio de século, não apenas porque renova todo o passado e arquitecta o futuro, mas também porque este tempo de lealdade e amor para com a nossa Freguesia, tem à sua volta o testemunho e participação de dezenas e dezenas de Almancilenses, que desde há muito tempo se inspiraram na esperança que este dia pudesse acontecer.


Mais que sublinhar a importância deste encontro, que a presença e participação de tão ilustres personalidades é o testemunho da sua grandeza, e que terá como um dos momentos altos a inauguração da estátua de Clementino Baeta, esta memória viva da história, do trabalho e da cultura Almancilenses que conquistaram o mundo, importa que saibamos no conjunto de todas as ideias e na mobilização de todas as vontades, encontrar as linhas força que na memória do caminho longamente desbravado para o progresso que hoje somos […]”

Neto Gomes

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