Remate certeiro: «PRONTOS»… adorei a pronuncia barlaventina

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«PRONTOS»… adorei a pronuncia barlaventina e a explicação a António Costa sobre as bandeiras que desfraldam nas praias.


Parecia uma tese de doutoramento, nem Vasco Santana, que no filme a Canção da Lisboa, onde faz um papel de medicina cábula boémio, que vive as costas das tuas ricas, que lá da terra lhe manda a mesada para, faria melhor.


Claro, que quando ouvimos estas entrevistas e os repetitivos «PRONTOS…», sentimos o vento de levante que nos bate no rosto e o cheiro inspirador da maresia, que até tem voz e a dizer-nos, que ele, este cavaleiro andante das praias, foi contratado para salvar pessoas, e não para fazer de Fernando Pessoa, e que não se pode vitimizar, só porque foi convocada para um explicação oral, de um aluno, que se calhar é fantástico na escrita.

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Eu também conheço, por exemplo, alguns membros do governo, que têm realizado papeis brutais nas áreas das suas competências e às vezes parecem engasgados quando falam de improviso, e não deixam de passar com soberba distinção.


Também nem todos somos Torga, claro o Miguel Torga, quando numa terrível época de confinamento, pela aflição que nos cerca e nos condiciona [NÃO A TODAS E TODOS, PELO QUE SE DESCOBRE ABUSIVAMENTE NAS RUAS, NAS PRAIAS E NOS BARES DAS BOMBAS DE GASOLINA OU EM NOCTURNAS DEBAIXO DAS PONTES], solta para o estrado do que eramos ontem, este testo avassalador, que servia tão bem ao verão do ano passado, e agora parece de uma época remota, tão distante, que ainda não lhe sabemos a data.

Miguel Torga, em S. Brás de Alportel, como retrata no seu texto, aqui em baixo, ao lado direito, está César Correia, um dos maiores valores da arbitragem nacional. Miguel Torga, em pé, é o segundo a contar da esquerda

«O Algarve, para mim, é sempre um dia de férias na pátria.
Dentro dele nunca me considero obrigado a nenhum civismo, a nenhuma congeminação telúrica nem humana.
Debruço-me a uma varanda de Alportel e apetece-me tudo menos ser responsável e ético.
As coisas de Trás-os-Montes tocam-me muito no cerne para eu poder esquecer a solidariedade que devo a quem sofre e a quem sua.
E isto repete-se com maior ou menor força no resto de Portugal.
Mas, passado o Caldeirão, é como se me tirassem uma carga dos ombros.
Sinto-me livre, aliviado e contente, eu que sou a tristeza em pessoa!
A brancura dos corpos e das almas, a limpeza das casas e das ruas, e a harmonia dos seres e da paisagem lavam-me da fuligem que se me agarrou aos ossos e clarificam as courelas encardidas que trago no coração.
No fundo, e à semelhança dos nossos primeiros reis, que se intitulavam senhores de Portugal e dos Algarves, separando sabiamente nos seus títulos o que era centrípeto do que era centrífugo no todo da Nação, não me vejo verdadeiramente dentro da pátria.
Também me não vejo fora dela.
Julgo-me numa espécie de limbo da imaginação, onde tudo é fácil, belo e primaveril.» MIGUEL TORGA, Portugal (O Algarve).

PARECIA QUE A CASA VINHA ABAIXO


«PRONTOS…«, a palavra mágica deste verão, lava-nos agora, ao dia 29 de Abril, para darmos rosto a uma das muitas crónicas que escrevemos e gravámos em três versões: facebook, chat e whatsApp, com o título de PARECIA QUE A CASA VINHA ABAIXO, em pleno coração da pandemia, como se agora estivéssemos a enfrentar apenas uma pandemiazita, em que poucos assumem a tese da consciência e nem usam máscara, esquecendo que existem pessoas, tal como eu, que são mais bonitas com máscara e até estamos livres dos perdigotos e outras gémeas escupidelas

«Bum, bum, bum, bum, parecia que a casa vinha abaixo.O que é isso Matilde! – balbuciei, quase a desmaiar e tão almareado, que parecia que ia morrer.

O que é isso Matilde! – voltei a repetir, agora com uma voz mais grossa, a tirar o cabelo dos olhos e a beliscar-me, para procurar perceber, se estava vivo ou se era um sonho.
Um sonho não poderia ser, porque os meus sonhos, acabam sempre bem. Mesmo aqueles em eu que vou pagar uma dívida, faço um grande esforço para acordar e quando acordo, já não devo nada outra vez.

Acorda homem. Acorda Chico Gonzaga. Tem vergonha, gritou outra vez a minha Matilde, agora com as mãos na anca, naquele perfeito estilo desafiante, como que diz: «Oh te levantas, ou levas com o pau da vassoura»

Mas, Matilde! Respondi agora com uma voz mais açucarada. – O que se passa querida, ainda está tão escuro e tu aos gritos para eu acordar.

Escuro…! – gritou ela de tal forma – que até a minha vizinha, batendo à porta perguntou: – Estão bem, oh se queríamos que chamasse outra vez a guarda ou o INEM.

Eu a trabalhar há mais de duas horas, e tu aí repimpado, como se não fosse nada contigo.


Num único impulso dei um salto da cama e respondi-lhe: – desculpa meu amor. Se estás a trabalhar assim há tantas horas, não te custava nada marcar o ponto por mim.


Ela correu para a cozinha e vi logo que a coisa ia azedar. Era a receita do costume e num segundo estava outra vez diante de mim:

Oh te levantas ou levas um banho de vinagre…- Eu tinha razão, a coisa ia azedar…


Ela tinha essa mania. Aliás, na nossa dispensa, podia faltar tudo, sei lá, arroz, massa, açúcar, manteiga, vinho de Pias. Sim vinho de Pias, que o meu tio Marcolino gostava imenso, depois quando chegava cá a casa, já vinha tão perturbado na voz e no andar, que para ele o Pias, era o mesmo que o bacias, o canecas, o penico, o cântaros. Ele queria era molhar a boca…


Pois é, em casa podia falta tudo, mas a dispensa estava sempre cheia de garrafas de vinagre e de palha-de-aço. Sim palha-de-aço, porque ela tinha a mania, quando acordava por causa do meu ressonar, metia-me palha-de-aço na boca, e quando eu acordava até imaginava que estava a mastigar pregos e parafusos ao balcão da drogaria Faísca, do senhor Alfredo Campos Faísca, em Vila Real de Santo António.


Um dia, estando bem lúcido, o que era raro, fui à estante, procurar numas das páginas de uns livros do Álvaro Cunhal e do Mário Soares, se a PIDE também tratava assim os presos políticos. Bem fiquei em choque, a coisa lá para os lados de Peniche, Caxias, Tarrafal, era tremendamente duro. Fechei os livros, e nem disse nada. Que continuasse o vinagre e a palha-de-aço.


Nessa altura, recordo-me de ter lido umas páginas de um caderno que tinha em casa do Zé Vermelho – comunista desde o primeiro dia, desde a infância. Aliás, ele com três anos fugiu da pedra batismal a sete pés, só para não ser baptizado. Manias…


O Zé Vermelho, sempre o conheci por esse apelido – um moço que tinha nascido na Fonte do Cagalhão, em Loulé, e que curiosamente, a vida tem com cada encontro, que acabou por casar com uma moça de Faro, Arlete, nascida no Largo da Caganita. Que coincidência, ele da Fonte do Cagalhão e ela do Largo da Caganita. [Na praça Silva Porto, segundo me contou o meu amigo Augusto Martins, onde ele brincava].


Dois anos depois acabaram por se divorciar, porque o Zé descobriu que ela era bufa, portanto informadora da PIDE. E o que é mais estranho e até parece azar, é que a Matilde, até tinha uma tia, que morava na Fonte da Bufa, em Salir…


Curiosamente, ou talvez não, eu quando estive na tropa no RI3, em Beja, fui comandante da Unidade durante duas horas, num dia em que houve uma festa em Beja, e quando começaram os foguetes e os morteiros, a malta pensava que era outro ataque ao quartel de Beja, e tudo bateu à sola. Até o Piquete. Apenas fiquei eu, porque durante a noite pus a farda a secar na corda, e não ia abandonar o quartel de cuecas.


Portanto por essa altura, estava lá comigo na tropa, um soldado do sitio do Cagalhão, portanto de Loulé, que afinava comigo, quando eu lhe perguntava, porque é que tinham partido a palavra Salazar, que antes estava no Monumento Duarte Pacheco. Ele afinava tanto, que nem dormia na caserna. O castigo que lhe deram foi do de ir dormir lá para cima, para a base do galho, que aliás, ele nunca conseguiria saltar.

Matilde, por favor, marca o ponto por mim e deixa-me dormir mais um bocadinho…


Creio que ela não mais me ouviu. Durante largos minutos, sei lá, mais de meia hora, a casa ficou num profundo silêncio. Creio que ainda sonhei, durante uns segundos, que a minha Matilde tinha sido apanhada pelo Coronavírus, mas fiz um tremendo esforço para acordar, e pronto, interrompi o sonho e lá resolvi o assunto.


Passei, seguramente um bom bocado pelas brasas mas tão incomodado com o silêncio que reinava numa casa marcada pelas tempestades, que pé ante pé, fui ver o que se passava:


Meus Deus!!!. O que se passará???


A minha Matilde estava na sala – ao mesmo tempo, que me parecia ouvir som musical – deitada de barriga para cima, com os braços bem encostados ao corpo.

Vendo-a assim, passou-me um arrepio por todo o corpo e gritei:

– Matildeeeeeeeeee! Estás morta Matildeeeeeeeeeeee…


Ela deu um salto, qual touro enraivecido a desejar fazer as pazes com todo o grupo de forcados, e a modos do chicote do canhão sem recuo, gritou:-

– Porra. Porra homem do raio. Porra Chico Gonzaga. Qual morta, não vez que estou a fazer yoga…
Corri logo para o quarto, à espera do vinagre e da palha-de-aço.


Mas não. Ela percebeu que algo corria errado entre nós, até porque hoje fazia dez anos, 29 de Abril de 2020, que lhe tinha prometido que nunca mais olharia para o vinho, o que sempre cumpri, pois quando bebia fechava os olhos.


Creio que ela percebeu e respondeu. Descansa Chico Gonzaga, porque já não vale a pena, gastar contigo palha-de-aço e vinagre, ou seja, não vale a pena gastar torcida, com candeeiro sem petróleo.


A partir desse dia, tudo mudou nas nossas vidas, também por culpa do coronavírus, ou seja, ela faz yoga e eu levanto-me da cama quando ela me chamar para o almoço e nunca mais na nossa casa, entrou palha-de-aço ou vinagre, de tal modo, que ainda há dias, perante tanto silêncio, a minha vizinha, que diariamente chamava a guarda ou o INEM, meteu por debaixo da porta um papel, a perguntar se nós tínhamos morrido…

A SOLUÇÃO ESTÁ EM CADA UM DE NÓS.
NO REGRESSO AO TRABALHO OU EM CASA,
CUIDEMOS DE NÓS E DOS OUTROS
TODOS SOMOS TÃO RESPONSÁVEIS COMO O CORONAVÍRUS
EU, COM SOU IDOSO, FICO EM CASA.

Bom dia.
29 de Abril de 2020»

Neto Gomes

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