Remate certeiro: Quando tínhamos água que nos chegava pela barba

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Quando tínhamos água que nos chegava pela barba, e agora, quase que nem temos água para fazermos a barba

Quando nos chegam notícias, que até parece que vêm de muito longe sobre a falta de água, faço um «flique flaque» (Flic Flac) de costas e sem mãos, e vou sentar-me ao poial da minha porta, na 31 de Janeiro, em Vila Real de Santo António, de onde avistava a louca corrida do Guadiana, descendo descontrolado lá dos lados do Pomarão, que até se desprendia das margens e vinha desaguar à nossa porta, trazendo nesta vazante tudo o que apanhava à mão.


Era habitual trazer laranjas, mas ocasiões houve em que até trazia marmelos ainda acabados de podar. Às correntes, quase sempre mansas do Guadiana, respondiam os invernos tão terríveis e um dia, até trouxeram até ao cais da lota um touro denomina «Luminoso», que dias antes tinha colocado em alvoroço a Praça de Touros de Ayamonte.

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Portanto, sempre vivemos este contraditório, de termos água pela barba, e noutras vezes, como agora começa a acontecer, segundo os iluminados destas coisas, já nem temos água para fazermos a barba…


Comecemos, contudo, por sublinhar meia dúzia de linhas, que retirámos de O Algarve do Futuro na Perspectiva Ecológica, fruto de uma palestra proferida pelo Prof. Doutor Manuel Gomes Guerreiro, no salão nobre da Junta Distrital do Algarve, a convite do Governador Civil de Faro, Dr. Júlio Filipe Almeida Carrapato, no dia 30 de Setembro de 1977, portanto já lá vão 43 anos, mas que continua a ser, uma lição, para os que julgam que sabem tudo, e uma ilusão para os algarvios.


Manuel Gomes Guerreiro foi presidente da Comissão Instaladora da Universidade do Algarve e o seu primeiro Reitor, cargo que ocupou desde 1982, tendo depois saído a seu pedido. Antes, tinha sido Secretário de Estado do Ambiente, do primeiro Governo Constitucional, entre 1976 e 1977.


Dizia Gomes Guerreiro: – «Uma vez mais ouso falar do Algarve perante um auditório composto por amigos e conterrâneos. Entretanto os problemas continuam a ser os mesmos, agora possivelmente ainda mais exacerbados pelo tempo que passou e porque livremente deles nos podemos ocupar. Apenas o turismo continua a crescer desmesuradamente, mas esta actividade não se reflecte de modo francamente positivo na estabilidade económica do povo algarvio.


A debilidade estrutural e produtiva da Província poderá obrigar, tal como certa vez dissemos, a que o “turista nórdico desça um dia em Faro munido de viveres e de água para suplementar a magra porção que lhe cabe no racionamento dos recursos regionais disponíveis.” […]


Palestra brilhante, cuja leitura recomendamos, para melhor entendemos, 43 anos depois, um pouco do futuro adiado.
Mas se nos quisermos referir ao problema da água, vamos fazer cair o nosso olhar há 24 anos atrás, quando a 11 de Abril de 1996, e tendo Tavira como almofada e ponto de referência, o nosso jornal, citando a Empresa Aguas do Sotavento Algarvio, SA, dava conta que a cidade do Séqua e do Gilão, já recebia água do Sistema Odeleite-Beliche em vias de conclusão.


Num trabalho assinado por V.G. (Viegas Gomes), o JA lembrava, que:

«Estoi, Alto Rodes, Santa Bárbara, no concelho de Faro, Pé do Outeiro e S. Brás de Alportel daqui a ano e meio poderão ver os seus poços adutores concluídos.


A empresa Águas do Sotavento Algarvio, SA, acelera o abastecimento de água a todo o sotavento da região.

Há 43 anos uma grande lição do prof. Dr. Manuel Gomes Guerreiro


Segundo Jacinto Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Tavira, em 1996, o sistema hidráulico do sotavento algarvio, que é composto pelas barragens de Beliche e de Odeleite deverá já servir a área de Tavira, excluindo a zona da serra.


O presidente da Câmara para o efeito, assinou já contrato com a empresa, que se compromete a abastecer Tavira entre 1 de Julho e o fim do ano.


Durante este espaço de tempo, Águas do Sotavento Algarvio deverá fornecer 1 milhão e 800 metros cúbicos de água […]
Entretanto, na mesma edição, mas com chamada na página 11, V.G. (Viegas Gomes), lembra que (em caso de seca), A ÁGUA PARA O ALGARVE PODE VIR DO NORTE, e recorda:


«O Instituto da Água prevê duas alternativas de transferência. Beliche e Odeleite farão a entrada da água na região. “Regiões de Água” poderão substituir as direcções regionais de ambiente e naturais na sua gestão.


O Algarve poderá ser abastecido de água a partir do ano de 2015 pelo sistema de transferência de água entre o Douro e o Guadiana.


O ano que passou foi de grande intensidade de carga de água, mas a seca precedeu– o durante cinco anos.


Daí o sistema de transvazes das zonas húmidas para as zonas secas, atendendo que no verão nestas últimas há que fazer face ao turismo que invade o Algarve com cerca de um milhão de visitantes […]


Segundo Pedro Serra, presidente do Instituto da Água, tal a acontecer, deveria ter lugar antes da regionalização.
A ideia tem, porém, alguns detratores.


É caso do Prof. Nunes Correia, do Instituto Superior Técnico, que já ocupou o cargo de director-geral dos Recursos Naturais.
Para si, em vez de gestão comum é preferível uma gestão coordenada.


Um órgão supranacional envolve, para si, perigos. É o casso dos interesses de uma soberania face à outra.


Mas o Prof. Nunes Correia é da opinião que tem havido uma certa paralisia nas negociações luso-espanholas.


Se os espanhóis, pergunta-se, fizerem transvazes do Douro e do Guadiana, em época seca, o que sobrará de água também para as nossas transferências?


Refira-se que o sistema de transferências do Douro para o Guadiana, embora já estudado, só agora foi revelado pelo presidente do Instituto da Água».


A verdade é que é velho o ditado, que a mesma água não passa duas vezes pelas mesmas ponte, como aliás, este é também o pensamento, não direi filosófico, mas daqueles, que têm a responsabilidade de gerir a água em Portugal, pois por mais reservatórios que existam e até agora, já quase passada primeira vintena de anos do século XX, desprezamos as pequenas barragens e nada aprendemos com o Alqueva. Quer dizer, continuamos a empurrar com a barriga o sistema hidráulico.


O Mais, é poesia e cada governo, muda de pensar, como quem muda de camisa, pois o facto da água e o ambiente residirem no mesmo ministério, tem dias que se confunde o plástico e o gasóleo com a água, e essas coisas não moram juntas, nem que tenham que dividir a meias o pagamento da renda.


Depois, sempre se disse, que de Espanha, não vinham nem bons ventos, nem bons casamentos, e a verdade é que estamos cada vez mais dependentes de nuestros hermanos, e eles, sempre que tocava a reunir, fosse por causa da agua para beber, fosse por causa da água do guadiana, quando os barcos encalhava na Cabeça Alta, sempre fugiram a sete pés, dizendo que estavam em período da sesta, isto é, repondo o sono perdido durante a noite.


Três anos depois, mais concretamente a 28 de Janeiro de 1999, e com o mesmo impacto, pois se quando chove temos água pela barba, quando chega a seca, nem temos água para fazer a barba, o Jornal do Algarve chamava à capa, com uma foto de Elisa Ferreira, então Ministra do Ambiente, o facto da senhora ter activado o sistema de distribuição de água, após a inauguração do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água do Sotavento.


O título do JA, num trabalho assinado por Helga Simão era bem claro: ÁGUA ABUNDANTE E DE QUALIDADE PARA METADE DO ALGARVE, com a seguinte introdução:


«O Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água do Sotavento Algarvio foi inaugurado na passada sexta-feira em cerimónia a que não faltou a Ministra do Ambiente Elisa Ferreira.


Garantir o abastecimento de água de qualidade aos concelhos de Castro Marim, Tavira, Olhão, Faro, Vila Real de Santo António, São Brás de Alportel e parte de Loulé é o grande objectivo da gigantesca infra-estrutura que implicou um investimento de 14 milhões de contos, 84% garantido por verbas comunitárias do Fundo de Coesão.


A entrada em funções de um sistema idêntico no Barlavento algarvio, prevista para este ano, deverá segundo os seus promotores pôr fim à falta de água, um dos mais graves problemas ambientais do Algarve».


Importa regressar à edição do JA de 28 de Janeiro de 1999, para lembrar: – «Duas estações de tratamento de água com capacidade para tratar mais de 200 mil metros cúbicos por dia, 130 quilómetros de condutas adutoras e sete estações elevatórias com capacidade para transportar água até 23 reservatórios de distribuição espalhados pelo vários concelhos, representando um investimento de global de 14 milhões de contos, estas são as grandes linhas da enorme estrutura do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água do Sotavento […].


Nós sabemos, que as mudanças que o mundo está a sofrer avançam ou recuam num pestanejar, ou seja, vivemos um tempo, verdadeiramente miserável e desumano, construído por gente que vibra com os estalar dos ossos dos outros.


Num tempo onde é impossível planear, também por culpa do COVID19, o mundo em que se edifica a política é um, e o mundo dos que vivem todos os dias com o crucifixo debaixo do colchão é outro.


E se a memória que hoje aqui trazemos à tona do tempo que passa, servir ao menos para ver se não teriam mudado a chave da porta do nosso «arquivo morto», onde armazenamos saberes, que os homens de hoje ignoram, como se a memória fosse uma urna, então terá valido a pena.


Por agora, apenas pedimos: Experimentem abrir as torneiras, mas não queriam a água só para vocês, porque em breve, outra moda se alevantará…

Neto Gomes

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