Restaurantes à beira do desespero

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João Prudêncio

Dono de três restaurantes na zona de Lagoa (Bon Bon, Orégano e Leão de Porches), Nuno Diogo, 52 anos, é apenas um dos vários proprietários de restaurantes com quem o JA falou esta semana que admitem fechar portas definitivamente. Mas é porventura o mais radical: “Se não conseguir financiamento, tenho que fechar a porta de dois restaurantes. E o Bon Bon [restaurante com uma estrela Michelin situado em Sesmarias, Carvoeiro] é o primeiro a ser fechado. Se tiver o inverno todo sem clientes tenho que fechar os três. Se tiver que fechar vou-me sentir culpado para o resto da minha vida. Ao fim de tanto trabalho e de termos começado a trabalhar alguma coisa, chegar a esta altura e ter que deitar tudo no lixo”.

São tempos difíceis, para Nuno e para os proprietários de milhares de restaurantes espalhados pelo País. No Algarve, pior um pouco: a região tem uma forte sazonalidade e o fecho forçado de milhares de casas de restauração à beira da Páscoa e, colado a ela, do tradicional maná dos meses de verão -, após um inverno frio de vendas -, pode ter consequências desastrosas, até cataclísmicas para muitas delas.

É o caso de Nuno, que, malgrado ter três casas comerciais, sempre viveu no limite. “Mesmo sem pandemia, eu já estou endividado. Imagine, daqui a mais uns tempos pior vou ficar, porque se tiver que pedir crédito vou ficar endividado até dizer chega, já estou a trabalhar no redline. Eu já estava numa situação limite, trabalhava para o dia a dia. No inverno dei dois meses de férias ao meu pessoal, em novembro e dezembro, nunca faltei com ordenados e chego a uma altura destas e acontece isto”, narra Nuno Diogo.

O “isto” a que Nuno se refere é o fecho forçado de restaurantes por força do novo Coronavírus. Mas é também a inexistência de apoios a fundo perdido. O Governo anunciou apoios, mas não excluiu os restaurantes – na verdade nenhuma casa comercial – do pagamento parcial de salários nem da totalidade dos créditos a contrair. Ao contrário do que sucede em outros países, não há subsídios a fundo perdido. Há linhas de crédito bonificado, largos períodos de carência, mas o que se recebe tem que se pagar. E no lay off, que obriga o empregador a pagar um terço do salário (os restantes dois terços são pagos pela Segurança Social) idem aspas.

Fechar um restaurante Michelin

“O lay off é absurdo, se não faturamos como é que vamos pagar?”, indaga o restaurador de Lagoa, que se declara já em dificuldades para pagar os ordenados: “Estou com dificuldades de pagar ordenados já este mês. Não vou conseguir cumprir e pagá-los. Para mim, os empregados acima de tudo, tenho uma pena maluca de ter que dizer aos meus empregados que não consigo pagar. Nunca faltei com ordenados, mesmo com muitas dificuldades sempre os paguei a tempo e horas. Vai ser péssimo não os conseguir pagar”.

Com 23 trabalhadores distribuídos pelos três restaurantes, terá que dispensar os nove trabalhadores que tem à experiência e, enquanto aguentar, manter os restantes 14. Mas só aguentará se encontrar um sócio com capital. Para ele, habituado a trabalhar no limite, de nada valerão lay offs nem linhas de crédito bonificadas.

“Um restaurante Michelin trabalha em redline. É uma referência nacional, é uma coisa de paixão e não de negócio. Desde 2015 tenho estrela Michelin. Não se ganha dinheiro com o Michelin”, avalia. Daí que, augura, o seu restaurante Michelin, o Bon Bon, com uma “multidão de 13 funcionários, será o primeiro a fechar.

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Fechar de vez é solução que não se coloca, para já, a Luís Camarada, 60 anos, que do outro lado do Algarve – em Vila Real de Santo António – gere 12 estabelecimentos, entre restaurantes, cafés, pastelarias e take aways, do grupo Coração da Cidade. Só estes últimos se mantêm abertos, até ao esgotamento dos stocks, depois também os fechará. Mas, como já veremos, não descarta a hipótese de fecho total, se tudo correr mesmo muito mal.

Perder 200 mil euros à conta do Coronavírus

Dos 84 empregados, Camarada negociou férias com 10, mandou para o desemprego “4 ou 5” e mantém 12 a trabalhar na “comida para fora”. As restantes seis dezenas irão para lay off, “enquanto a casa aguentar”, vaticina.

“Só em agosto é que isto se irá compor. Deu-se a Páscoa como perdida, o grupo perdeu em contratos que tinha de fornecimento de refeições com o Governo espanhol, para dar refeições aos reformados que vinham de excursões, cerca de 200 mil euros”, assevera Luís Camarada ao JA.

O empresário engrossa a fileira dos que reclamam mais medidas além das linhas de um crédito que, mais tarde ou mais cedo, terá que ser pago: “O Estado quer que os empresários se endividem, tornando as empresas insolúveis, sem capacidade de recuperação perante esta crise e perante o que se vão endividar para depois terem que pagar os empréstimos. Não se vislumbra nenhum tipo de ajuda que seja eficaz, no sentido de resolver o problema dos empréstimos. Estão a sobrecarregar os empresários com crédito e mais crédito!”.

Luís Camarada

Para Camarada, a única solução com que deveriam contar os empresários que querem manter as empresas e os postos de trabalho “é ajudá-los, pelo menos com 50% a fundo perdido”. Só assim, jura, é que as empresas terão capacidade de retomar a atividade: “Se o Governo não toma uma atitude de apoio às empresas vai ser a desilusão total. Muitos vão fechar, é o meu caso. Se eu não for devidamente apoiado, fecho as minhas portas, vendo o património e pronto”, ameaça.

Até porque garante estar a faturar 1 décimo do que faturava ainda há menos de dois meses. “Fazíamos de 3 a 5 mil euros diários e neste momento estamos faturando de 100 a 500”, contabiliza o empresário vilarealense.

Pressão dos chefs tem valido zero

Chef Leonel Pereira

Na mesma bitola, o chef Leonel Pereira, 50 anos, dono dos restaurantes Checkin (Faro) e Thai Brás (Mar Shopping), secunda a sugestão do fundo perdido, mas com obrigações estritas por parte das empresas: “O subsídio a fundo perdido implica a manutenção da empresa e do emprego. E a empresa aberta por três a cinco anos. Devia ser criado um sistema em que a empresa recebia esse dinheiro e se comprometia a manter a empresa aberta e manter os empregos durante esses anos”.

O chef, que durante muitos anos foi cozinheiro no restaurante São Gabriel, na Quinta do Lago, advoga que, se não houver uma solução dessa natureza, “tudo o resto que o Estado está a dar não vale nada para os pequenos empresários da restauração”. E lamenta que a pressão dos proprietários não seja maior e o acolhimento do Governo também não. “Há um grupo de trabalho, de vários chefs portugueses, mas a nossa pressão tem valido zero”, lamenta.

“Estes créditos que se anunciam estão fora de questão para microempresas, que para abrirem tiveram encargos bancários de 100 mil, 200, 300 mil euros, são empresas que não podem recorrer a linhas de crédito, que isso significa recorrer ao endividamento, mais do que estão. Agora se estivermos a falar de uma empresa que fatura 30 ou 40 milhões de euros recorrer a uma linha de crédito de 100 ou 200 mil euros, isso para ela é quase nada. Ou seja, provavelmente essas empresas já recorrem a linhas de crédito normais pagando juros. Se vão recorrer a uma linha sem juros, essas empresas vão beneficiar. As pequenas é que não”, compara o ex-chefe da Quinta do Lago.

Sobre o lay off, Leonel Pereira – que mantém em casa, aguardando a entrada em vigor daquele expediente, os 14 empregados do Mar Shopping e os oito da baixa de Faro – augura que “há empresas que não vão aguentar isto. E as nossas poderão aguentar dois a três meses, mas mais do que isso também não”.

Ajudas não abrangem quem pagou antes do tempo

Paulo Calvinho

Com um total de 33 empregados distribuídos pelos seus dois restaurantes em plena praia de Monte Gordo (Mar Salgado e Taberna Mota), Paulo Calvinho, 49 anos, mantém-os em casa, à beira do lay off, mas também não sabe por quanto tempo: “Tenho que pagar um terço dos salários e depois pagar à segurança social. Não tem lógica. Deveriam dizer que a partir deste momento em estado de emergência, não se paga IRC, Segurança Social, nada dessas coisas”.

 Calvinho garante que, em caso de absoluta necessidade de manter o trabalhador, as empresas “suportavam pagar 33 por cento do ordenado desde que não tivessem que pagar a Segurança Social também. O desconto da Segurança Social é insignificante. O Estado tem que tomar uma iniciativa como tomaram outros países, que é as empresas deixarem de pagar impostos e o Estado ajuda com uma parte, não digo que tem que pagar o ordenado por inteiro, mas metade”.

Sobre as ajudas governamentais, observa que elas não abrangem as concessões dos restaurantes, nem a Segurança Social: “Paguei a Segurança Social antes do dia limite e o Governo veio agora dizer que quem não tinha pago antes de dia 20 tinha tolerância para pagar daqui a três meses. E os que pagaram antes, o que é que acontece? Paguei 9 000 euros este mês!”.

À semelhança de Paulo Calvinho, que só começou a sentir as primeiras dificuldades, em forma de quebra de clientes, na última semana de fevereiro, o brasileiro Rodrigo Nogueira, 39 anos, proprietário da cadeia de restaurantes Sabores do Churrasco, aguentou firme até que pôde as suas casas abertas.

O seu rodízio brasileiro tem sete espaços, no centro de Faro, Fórum Algarve, Guia, Portimão, Setúbal e Sintra, a que se acrescenta a gelataria Gelvi, em Olhão. Ao todo são 120 trabalhadores, todos aguardando a entrada iminente em regime de lay off.

“Devia haver ajudas a fundo perdido, em parte comparticipadas pelo Estado”, sustenta o empresário, ressalvando que “a intenção não é querer o dinheiro dado, é pelo menos tentar manter postos de trabalhos e manter a empresa aberta”.

“O Verão vai ser um caos total”

Para o empresário brasileiro, a crise do COVID-19 veio numa altura de fulgor. Foi um balde de água fria: “A empresa estava em pleno período de grande investimento, as coisas estavam a correr muito bem. Na minha empresa tínhamos um crescimento de 20% já este ano. E de repente caíram as receitas em torno de 90%. Só fechámos as últimas casas no dia 20, porque ainda havia uma incógnita em relação aos centros comerciais”, conta o proprietário, que tinha um volume de negócios de 4,5 milhões de euros anuais.

Rodrigo Nogueira

De forma semelhante a outros empresários com quem o JA falou esta semana, Rodrigo Nogueira augura um verão fraco, em grande parte devido às diferentes velocidades de normalização pós-pandemia, nos diferentes mercados emissores de turistas: “Deve haver da parte da procura no verão uma quebra de 30 a 40%. O verão vai ser um caos total. Os turistas não virão de repente, porque para isso tudo teria que começar a funcionar ao mesmo tempo, o que não vai acontecer. Mesmo que Portugal esteja bem, nós vivemos do turismo”.

Com um restaurante – Tertúlia Algarvia – na parte baixa de Faro, o empresário João Amaro, 49 anos, corrobora do pessimismo do seu colega brasileiro: “. É claro que este ano não vai haver verão no Algarve, no sentido que nós conhecemos, de grande procura turística. A onda de choque vai-se prolongar no tempo. Isto tudo das marcações de férias tem um atraso que me parece que já não iremos a tempo de ter um verão como o conhecemos. Num cenário otimista podemos ter um verão a 50%”.

Contudo, confessando o seu desconhecimento sobre a evolução da crise sanitária e económica, João Amaro acaba por se dividir entre uma perspetiva otimista e outra pessimista: “A expetativa otimista é que possamos voltar ao trabalho no início do mês de junho. A minha expetativa pessimista é que isto se possa prolongar até à primeira parte do verão”, augura.

Crédito é como comprar uma casa que nunca usaremos

João Amaro

O Tertúlia Algarvia foi obrigado a fechar portas com a declaração do estado de emergência, depois de a afluência de clientes ter começado a decrescer no início de março. Os 22 funcionários estão em casa, em regime de lay off.

“Neste momento, em relação a despesas fixas, vou aguentar-me com recurso aos meios que estão a ser disponibilizados. Para este mês temos a coisa salvaguardada, mas vamos ter que recorrer às linhas de financiamento”, afirma o empresário de Faro, que tem um volume de negócios de 900 mil euros por ano.

Sobre o futuro crédito de que vai beneficiar, elabora uma comparação inusitada: “É como se fossemos comprar uma casa e nunca viéssemos a usufruir dela. É um crédito para pagar despesas fixas mensais, mas sem retorno”.

E pede mais medidas, para aguentar as empresas durante o período de fecho forçado: “Espero que ainda se encontre uma solução para minimizar o impacto que isto está a ter. Espero que isso aconteça, mas percebo que isso tem que ser uma solução negociada a nível europeu. São precisas medidas para minimizar os prejuízos, mas também para relançar a economia, porque as empresas vão ficar desajustadas face à procura que vai haver no futuro próximo, que será muito abaixo do que era. Quando puderem recomeçar, as empresas vão recomeçar desequilibradas. Com uma estrutura de custos diferentes”.

Como sucede para a generalidade dos proprietários e comerciantes algarvios, devido à forte sazonalidade da região, a crise sanitária veio na pior altura possível: “Março já é um mês bom e íamos entrar nos meses de não perder dinheiro e começar a ganhar dinheiro para pagar os meses em que perdemos dinheiro. É uma situação frustrante”, remata João Amaro.

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