Rute Silva em entrevista: “Os hotéis de cinco estrelas podem ser turismo de natureza!”

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Numa conversa franca sobre o seu mandato e o concelho que dirige desde maio de 2021 – altura em que substituiu o eleito Adelino Soares, poucos meses antes das autárquicas em que seria sufragada como presidente – a socialista Rute Silva, 46 anos, discorre sobre a sua posição minoritária no executivo municipal. Uma entrevista de fôlego sobre os projetos da presidente para Vila do Bispo, Turismo, sazonalidade, cultura, habitação e até imigração, com a autarca a confessar que o concelho precisa da mão-de-obra imigrante como de pão para a boca. E não só de proveniências europeias

JORNAL do ALGARVE (JA) Matematicamente, conseguiu a presidência à tangente, por 33 votos, e o seu partido, o PS, está em minoria no Executivo municipal. Tem sido uma tarefa difícil, esta presidência em minoria?
RUTE SILVA (RS) – De uma forma geral nós temos chegado a acordo, até porque tanto nós, PS, como o PSD, como os independentes, queremos todos o mesmo. O que é a base é o interesse da população. Obviamente, às vezes divergimos em algumas coisas, mas temos conseguido chegar a consensos entre todos. Às vezes tenho que ceder um bocadinho, mas temos conseguido trabalhar sem grandes guerrilhas.


JA – Em relação às outras duas forças, representadas no executivo está a ser uma navegação à vista, projeto a projeto, ou há uma política de alianças com uma das forças em presença? Se sim, em que termos?
RS – Não temos alianças nem perspetivo que isso venha a acontecer. Aliás, eu acho que a aliança eventualmente será entre eles. Isso é mais visível na Assembleia Municipal, porque as votações têm sido coincidentes entre os independentes e o PSD. Na Assembleia essa visão é mais acentuada. O que temos feito no executivo municipal tem sido projeto a projeto e vamos falando e articulando.


JA – Mas não há nenhum assumir de um boicote da parte das outras duas forças relativamente ao executivo que está em minoria?
RS – Não, nem seria correto da minha parte dizer isso. Às vezes podemos não estar de acordo à primeira, vamos trabalhando e temos conseguido chegar a acordo. Não existe um boicote.


JA – E com a Assembleia Municipal, em que o PS tem 1/3 dos lugares (e também está em minoria nas juntas), a tarefa também não tem sido fácil? Considera que aí há uma espécie de força de bloqueio da parte da oposição?
RS
– Sim, aí tem-se notado muito mais. Também temos na Assembleia um elemento do Bloco de Esquerda, mas mesmo com esse elemento (que tivesse que fazer contas para o nosso lado) não dá conta certa.


JA – E faz contas para o vosso lado?
RS – O Bloco de Esquerda tem-se abstido ou votado do nosso lado. O problema é que os independentes e o PSD formam um maior número. E normalmente têm votado do mesmo lado. Posso-lhe dar um exemplo: quando foi a Assembleia inicial, em que houve a constituição das comissões, nós não conseguimos entrar em nenhuma comissão, porque eles votaram entre eles, à exceção de uma que a votação era por método De Hondt.


JA – Mas ainda não houve, nem da parte do Executivo nem da parte da Assembleia Municipal nenhum projeto que se possa dizer que houve um bloqueio?
RS
– Não. Relativamente ao orçamento abstiveram-se, o que foi bom. E no dia 25 tenho o regulamento dos loteamentos para a autoconstrução em Barão de São Miguel, em que eu vou perceber realmente onde é que estou!


JA – Quer dizer que ainda não sabe bem onde é que se meteu?
RS – Já desconfio, mas vou ter a confirmação (risos)


JA – Tem havido cooperação da oposição, ou reina alguma política do bota abaixo?
RS – Tirando esta questão das comissões, que me deixam ligeiramente irritada porque eu acho que todos devem participar e achei de muito mau tom haver essa coligação para fazer parte de comissões, quando se calhar as comissões beneficiariam com pessoas com o perfil mais correto. E depois quanto à participação dos impostos eles chumbaram o IRC.


JA – Quais os dossiês em que tem sido mais difícil o consenso?
RS – Ainda não chegámos a essa fase. Tomei posse no dia 7 de outubro.

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JA – Qual foi simbolicamente a primeira medida que tivesse tomado logo a seguir à tomada de posse que se caraterize pelo seu simbolismo ou força?
RS – Foi resolver o problema da avaliação dos funcionários, que estava pendente há muitos anos.


JA – E em que é que isso se traduziu?
RS – Neste momento ainda continuamos a resolver, não conseguimos chegar ao fim desse processo, mas traduz-se basicamente no facto de as pessoas poderem ter uma pontuação para poderem ter um melhor ordenado, poderem subir de escalão.


JA – E isso pode fazer subir a massa salarial em quanto?
RS – Ainda não lhe consigo precisar esses valores porque ainda estamos a afinar a contabilização. Nós vamos fazer pagamentos de retroativos do ano 2021. Há muitas pessoas que subiram nesse ano e ainda não tinham as notas. Tinha processos ainda de 2017 por resolver!


JA – Havia situações de pessoas que ganhavam muito pouco e ainda ganham…?
RS – Sim, ainda ganham. Mas de acordo com a lei se eles tiverem os 10 pontos da avaliação conseguem subir um escalão. Só que, como não era dada a nota, nós não conseguíamos fazer esses acertos [remuneratórios]. Já conseguimos fechar o biénio anterior, agora eles estão a receber as notas para poderem fazer as reclamações, para nós podermos fazer os cálculos para percebermos o que é que isso envolve em termos de valores.


JA – Quanto funcionários tem a câmara?
RS – Cerca de 250.


JA – Isso para uma população concelhia de 5700 pessoas. Um pouco menos de 5% da população trabalha na autarquia.
RS – Quase não há outro tipo de serviços. É quase tudo feito por nós.


JA – Já perdoou a “deserção” do seu antecessor Adelino Soares, que renunciou sem comunicação prévia? Como estão as vossas relações?
RS – Temos mesmo que falar sobre isso? (risos)


JA – Era o que faltava! Só fala se quiser! Como avalia o que foi feito no mandato anterior? Como membro do executivo de então, era vice-presidente) do que mais se orgulha e o que acha que ficou por fazer?
RS – Começo pelo que gostava de ter feito. Era já ter o nosso projeto de estratégia habitacional concluído. Está em fase de conclusão. Seria importante nós já termos este tipo de planeamento feito e não o conseguimos concluir no mandato anterior. Relativamente ao que foi feito e bem feito (e temos que reconhecer o trabalho do presidente Adelino Soares) foi a questão da dívida. A autarquia hoje tem uma saúde financeira muito mais fácil de trabalhar. Foi uma grande conquista. E outra foi o início da regulação do nosso parque escolar, nomeadamente a construção do centro escolar de Budens. As pessoas vão-se esquecendo das coisas e depois quando elas começam a funcionar também acabam por se esquecer. E também foi a marca que constituiu a abertura da primeira cresce em Vila do Bispo. Houve alguns feitos a nível social que nós conseguimos conquistar.


JA – Quais as prioridades para o seu mandato? Os principais projetos para os próximos quatro anos?
RS – O que nós estamos a trabalhar com mais celeridade é a questão da habitação. Estamos em fase de conclusão do nosso plano de estratégico de habitação para podermos verificar a possibilidade de financiamento e podermos começar a abrir procedimentos para arquitetura, para especialidades, para que em 2023 se comece a fazer os procedimentos de empreitada. E até 2025 temos que fazer a entrega das casas. É isso que eu pretendo atingir. Neste momento o que está perspetivado é Vila do Bispo e Budens. Temos mais localidades mas não conseguimos chegar a todas ao mesmo tempo. Depois é trabalharmos para fazer a requalificação da EB23 [Escola Básica do 2º e 3º ciclo] e a resolução do 1.º ciclo aqui em Vila do Bispo. Neste momento os miúdos têm aulas em monoblocos climatizados. Estes são os projetos a que eu tenho que me agarrar.


JA – O Turismo mais próximo da natureza é a matriz do seu mandato, ou acha que podia contemporizar com projetos de maiores dimensão, incluindo hotéis de 5 estrelas?
RS – Mas os hotéis de cinco estrelas podem ser Turismo de natureza! O que nós temos que primar em Vila do Bispo é por um Turismo de qualidade e não de quantidade. Vivemos num território especial, eu sou suspeita, mas ele é especial pelo que a natureza nos dá. E nós também temos o dever de preservar essa natureza. É ela a nossa riqueza. Por isso temos que fazer um equilíbrio ente tudo isto. Isso envolve que Vila do Bispo não quer prédios com torres e tudo mais. Queremos Turismo de qualidade. Um hotel de 5 estrelas enquandra-se perfeitamente aqui desde que tenha a área mais natural do Turismo de natureza.


JA – Vai permitir a construção de urbanizações próximo do litoral sempre que legalmente possível, ou defende um litoral mais selvagem?
RS – Neste momento estamos a desenvolver a revisão do PDM. Temos uma vantagem, porque estamos em parque natural e então tudo o que é fora do parque está muito mais cingido à questão legal. Dentro do núcleo urbano perspetiva-se um crescimento, mas um crescimento equilibrado. Eu acho que se pode estar perto do litoral desde que devidamente enquadrado. Agora tenho a certeza que há coisas que nós não queremos para cá.


JA – Monumentos como o promontório de Sagres e até o cabo de São Vicente fazem de Vila do Bispo um lugar de enorme riqueza cultural. Como estão as obras da Fortaleza? Que notícias lhe chegam da Direção Geral do Património Cultural? Há fim de obras à vista?
RS – Sim, neste momento a questão do Tribunal de Contas já está resolvida. As obras estão a avançar e perspetiva-se que em meados deste ano se abra o espaço expositivo, que é financiado e tem um investimento de mais de 2 milhões de euros.


JA – Há algum prazo mais concreto para essa abertura?
RS – O que tenho é o primeiro semestre de 2022. Até finais de junho deve abrir ao público. Pode haver algum atraso. Mas o centro expositivo da Fortaleza de Sagres vai ser uma realidade.


JA – Vai apostar na chegada de mais residentes estrangeiros a Vila do Bispo, nomeadamente de países desenvolvidos da Europa? Eles têm sido uma mais valia para o concelho?
RS – Sim, mesmo a nível das nossas escolas e a parte funcional, percebemos que a comunidade estrangeira tem sido uma lufada de ar fresco no envelhecimento da nossa população residente. Por isso. A comunidade estrangeira tem dado uma bela ajuda para este salto populacional. Nós tivemos aumento de população nos últimos censos.


JA – E em relação aos “outros” estrangeiros, que não vêm de países desenvolvidos? Brasileiros, africanos, nepaleses, do médio oriente, também fazem falta ao concelho?
RS – Claro que sim. Somos um concelho com alguma dificuldade de mão de obra, nomeadamente na hotelaria, restauração e também da pesca. Sem essa mão de obra estaríamos em situação bem mais complicada.


JA – Qual a proporção entre a população com residência fixa e aquela que aqui reside sazonalmente? É difícil gerir um concelho com estas características? (lixos, saneamento, comércio, etc)
RS
– O que temos mais ou menos, e conseguimos ver pelos valores da tonelagem da reconha dos resíduos sólidos, há sempre um triplicar da população. Não temos valores concretos, mas é mais coisa menos coisa. Mas essa sazonalidade tem vindo a ser esbatida. Antes trabalhava-se de junho a setembro e agora não. Agora, tirando o mês de dezembro e o de janeiro, que são os mais baixos, mas por exemplo agora em fevereiro e março começam a chegar as pessoas das caminhadas. É outro tipo de cliente, mas é um cliente que já dá para que a hotelaria e a restauração comecem a trabalhar mais cedo do que antes. A sazonalidade do Algarve, pelo menos na nossa região, começa a ser mais esbatida. Ainda não por completo, mas já se nota: hoje em dia as pessoas já começam a trabalhar em março e abril.

João Prudêncio

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