Seis mortes e um arquivamento polémico

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Os sete meses de investigação às seis mortes ocorridas na noite de 15 de dezembro de 2013, na praia do Meco, em Sesimbra, ilibaram o ‘dux’ João Gouveia de qualquer tipo de crime. No despacho de arquivamento do Ministério Público de Almada, a que o Expresso teve acesso em julho, os procuradores puseram a nu os depoimentos contraditórios de dezenas de testemunhas do caso, explicaram pormenorizadamente os passos da investigação e criticaram alguma comunicação social por noticiar repetidamente um conjunto de informações falsas.

A noite da tragédia, que vitimou mortalmente Joana Barroso, Ana Catarina Soares, Andreia Revez, Carina Correia, Pedro Tito Negrão e Tiago Campos, todos estudantes da Universidade Lusófona e da comissão de praxe académica, foi descrita ao pormenor. O único sobrevivente, João Gouveia, revelou aos procuradores que depois de uma caminhada de cinco quilómetros até à praia, o grupo entrou no areal pela zona do parque automóvel e atravessou a areia durante cerca de 100 metros, ficando aí sentado a conversar durante 15 minutos. Daí apenas viam o reflexo da água e uma “massa preta” no horizonte, nunca se apercebendo da rebentação.

Quando se preparavam para sair do local, devido ao frio e humidade, o ‘dux’ disse ter sentido um forte impacto, do lado direito e nas costas, e todo o grupo foi envolvido por uma massa de água que os sugou em direção ao declive acentuado de areia molhada e daí para dentro do mar. O traje académico que vestia acabou por lhe atrapalhar os movimentos, indo para o fundo, em movimentos desordenados como se estivesse “dentro de uma máquina de lavar roupa”. De início ainda ouviu os apelos desesperados de Joana, mas acabou por perder de vista os colegas. Nos vários depoimentos feitos aos procuradores, explicou que sobreviveu por sorte e talvez por se ter desenvencilhado da capa, num rasgo de lucidez. Conseguiu sair do mar e chamar o 112 pelo telemóvel. Quando chegaram à praia, as autoridades confirmaram o estado de hipotermia, os vómitos e o desfalecimento do estudante.

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Logo no início do despacho de arquivamento, os procuradores salientaram que “a especulação pública em torno deste caso” justificou “a exploração de todas as possíveis pistas e o esgotamento de todas as linhas de investigação”. Lembraram ainda que alguns órgãos de comunicação social geraram “um ambiente de imposição de existência de um culpado”, o ‘dux’ João Gouveia. E desmontaram teses como a da prática de praxes violentas, a participação de 12 e não apenas sete pessoas naquele fim de semana em Aiana de Cima, os rastejamentos com pedras atadas, a limpeza de provas na praia ou a ingestão excessiva de álcool.

A investigação concluiu, por exemplo, que as garrafas de bebidas alcoólicas mais fortes nem sequer foram abertas, que apenas metade da cerveja transportada para a casa alugada foi consumida e que o vinho foi misturado com gasosa. Além disso, grande parte das bebidas tinha sido ingerida no dia anterior. Antes da caminhada noturna de 15 de dezembro, o grupo estava na posse de todas as suas faculdades, “deixando antever capacidade de resistência e lucidez contra ‘ordens’ cruéis e irresponsáveis”.

Muitas das testemunhas que apareceram em reportagens televisivas a garantir que viram os estudantes a rastejar com pedras atadas aos pés ou que tinham visto mais jovens trajados na noite da tragédia acabaram por confessar aos investigadores não estarem a dizer a verdade. Um dos exemplos mais constrangedores apurados pelos investigadores foi o de concluírem que as referidas pedras citadas por várias pessoas não eram mais do que bolas de enfeite de uma árvore de Natal levada pelo falecido Tiago Campos para esse fim de semana.

Todos os cruzamentos feitos pelas antenas de telemóvel no local também não deixaram dúvidas: na noite de 15 de dezembro estavam apenas presentes os sete estudantes.

E a colher de pau, o símbolo máximo de poder de praxe do ‘dux’, nem sequer foi transportada para a caminhada até à praia por João Gouveia. Ficou na lareira da casa alugada. Os procuradores concluem que este foi um sinal inequívoco de que naquela noite o estudante (que não era o mais velho, nem o mais graduado academicamente do grupo) abdicou de afirmar a sua hierarquia.

Ficou igualmente colocada de parte a hipótese de o ‘dux’ e o seu cunhado terem limpado eventuais vestígios de crime na casa, nas horas que se seguiram às mortes na praia. A vivenda esteve sempre vigiada por dois elementos da Polícia Marítima. Segundo o Ministério Público de Almada, caiu também por terra a tese de que o caso teria sido negligenciado pelas autoridades nas primeiras semanas após a tragédia: foram contabilizadas quase 100 inquirições realizadas a testemunhas, familiares, colegas e amigos das vítimas do Meco, além de dezenas de apreensões de telemóveis, perícias forenses, exames toxicológicos, recolha documental e várias reconstituições.

No final, os procuradores declararam estar em condições de proferir a decisão, “que apenas pode ser de arquivamento”, por não existirem quaisquer indícios de crime por parte do ‘dux’ João Gouveia.

Famílias não se resignam

O advogado das famílias das vítimas do Meco, Vítor Parente Ribeiro, em declarações prestadas em julho ao Expresso, não estava convencido com o despacho de arquivamento. “Houve mais preocupação por parte das autoridades em desmontar aquilo que as famílias diziam do que em descobrir a verdade.”

Depois de analisar o processo, o advogado Vítor Parente Ribeiro assegurava que ia levá-lo a um juiz de instrução para perceber se há matéria para fazer chegar o caso a julgamento.

Fátima Negrão, mãe do jovem Pedro Tito Negrão, tinha uma certeza: “Houve uma limpeza e anulação de provas na praia e na casa do Meco logo nas horas seguintes às mortes”.

Igualmente revoltado, António Soares, pai de Catarina Soares, era taxativo: “Como pai, considero o arquivamento uma atitude errada e não nos esclarece. Queremos apenas saber a verdade e não andamos à procura de culpados. E o segredo de justiça nunca nos permitiu saber o que se passou”. E concluía: “Vamos ter de reagir. Vamos pedir para reabrir o processo”.

RE

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