Será possível?

Das minhas memórias, uma das que mais evoco quando penso na atual situação das políticas de ensino, é aquela que, até aos meus dez, onze anos, me fazia confundir competências, inteligência, formação, educação, com a condição de se ser rico ou pobre. Acreditava que só os ricos estudavam, porque só os ricos tinham capacidade e inteligência para tal. Aos pobres estava, de forma quase determinista, enraizada a crença da não ambição, de uma resignação opressora que “obrigava” a replicar, geracionalmente, a condição social em que se nascia.


Mais tarde acreditei (e acredito), num modelo social mais democrático, que a todos deve permitir o acesso à educação e, como tal, garantir que todos tenham a tão legítima e justa igualdade de oportunidades.


Hoje, posso dizer que estou apreensiva quanto ao futuro, pois acredito que o modelo democrático está em crise, em grande medida, porque as políticas de ensino também o estão.


Um Estado que se demite de assegurar, manter, reforçar um ensino público de qualidade, é um Estado que se demite da sua função primordial, que é a de garantir equidade social e, consequentemente, um Estado que não está preocupado com os verdadeiros valores democráticos.


Mas então será possível um país verdadeiramente democrático sem um ensino público de qualidade? Será possível um país verdadeiramente desenvolvido (em termos sociais e humanos) sem uma escola de todos e para todos? Será possível a existência de uma resposta séria e responsável às, ainda, acutilantes assimetrias socias sem proporcionar de forma abrangente e estrutural, uma educação de qualidade? Será possível a justiça social quando se tende a mercantilizar a educação, na sujeição cega a um modelo neoliberal em tudo se compra e vende, bastando que, para tal, se agilizem as condições de mercado?


Ora, parece-nos evidente a resposta a todas as questões elencadas: um rotundo não.


Não, não é possível um país socialmente justo sem integrar no seu projeto de desenvolvimento e modernização, uma política de ensino que garanta a democratização do acesso a um ensino universal, que reforce o papel do Estado na educação. Não é possível um país desenvolvido e equilibrado, quando setores fundamentais como a educação e a saúde, se sujeitam a leis de mercado. Não é possível que num país que descurou, de forma arrogante e prepotente, as responsabilidades para com o setor da educação, se acredite no futuro.


Pois é. Não há democracia sem escola pública, e não há escola pública sem democracia. Asseguremos que este “casamento” se mantém com a armas que temos: resiliência, luta e coragem para que as nossas memórias cinzentas de um passado feito de ricos e de pobres não se transforme no presente e no futuro dos nossos filhos.

Dulce Vilhena

Dirigente sindical do SPZS

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