Shopping às moscas, aluguer adiado!

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Com os centros comerciais do Algarve literalmente às moscas, os proprietários das lojas dificilmente serão obrigados a pagar, por estes dias de crise, as avultadas rendas a que são mensalmente obrigados. Mas não deixarão de as pagar, ainda que “aos pouquinhos” e embutidas em rendas de meses mais promissores, segundo garantiu ao JA a Associação Portuguesa de Centros Comercias. Nestes dias difíceis para os centros comerciais, falámos com todas as partes interessadas. Os donos dos centros, os retalhistas, os dirigentes associativos, sindicalistas, trabalhadores. Os que ficaram nas lojas e os que foram para casa. E aqui vos damos conta das angústias e esperanças que pairam sobre o sector

Para conseguir pagar os 5.964,30 euros de renda mensal que a administração do Grand Plaza, em Tavira, lhe exige todos os meses, Maria José Correia, a mãe de Loide Correia, tem que vender muitas dezenas de relógios e centenas de gramas de ouro e prata. Mas não é isso que acontece este mês, nem em quase metade do anterior: com a loja fechada e os cinco funcionários em casa (incluindo Loide), a proprietária da Ourivesaria Correia não recebeu este mês a fatura que recebe todos os dias 3, com uma pontualidade britânica.


“No dia em que pedi para encerrar foi declarado o estado de emergência. Nesse dia recebemos uma notificação da administração dizendo que, segundo essa portaria, podíamos encerrar, não íamos ser penalizados. Fiz um pedido para eles suspenderem o contrato até a lei do limite da frequência de pessoas acabar ou ser revogada. A resposta que obtive é que não faturaram a renda de abril e que iam remeter um email para a administração principal. Mas até agora não recebi mais resposta nenhuma. Não sei se não vão cobrar ou se vão transferi-la para pagar depois, aos poucos, com outra renda. É o mais provável”, diz a filha da proprietária, que aos 42 anos coadministra o espaço comercial.


A tolerância ao pagamento das dispendiosas rendas parece uma prática quase generalizada, de acordo com os testemunhos recolhidos esta semana junto de lojistas pelo JA. Mas na prática ninguém sabe se essas rendas que ficarão em atraso terão que ser pagas no futuro e sobretudo em que condições.


“Até hoje, ainda não nos enviaram as faturas nem nos cobraram, mas desconhecemos como será no futuro”, corrobora Sofia Costa, também com 42 anos, proprietária de duas tabacarias em centros comerciais de Portimão (Aqua e Continente) e uma papelaria no Aqua.


Já Luís Carvalho, 34 anos, diretor de operações das 15 lojas com que o grupo Alberto Oculista conta no Algarve, destoa dos colegas lojistas, ao garantir que não tem conhecimento de qualquer mudança de processos por partes das cinco administrações de shoppings onde o grupo tem lojas na região. Mas admite ser ainda cedo para tirar conclusões definitivas.

Luís Carvalho


As avultadas rendas dos shoppings e o que fazer com elas, é a grande incógnita nesta altura, em que devido à crise do COVID-19 a esmagadora maioria das lojas dos centros comerciais algarvios (tal como do resto do País) foi legalmente forçada ao encerramento.

O presidente da Associação dos Comerciantes da Região do Algarve (ACRAL), Paulo Alentejano, garante que, já hoje, decorrido menos de um mês sobre a imposição do estado de emergência, as administrações dos centros comerciais “estão-se a pôr ao lado” dos arrendatários: “Isto no sentido de eles não quererem que as lojas, quando quiserem abrir os centros comerciais, estejam quase todas fechadas. Eles estão a querer ajudar, tenho esse feedback”.

Pagamentos diferidos mas não perdoados

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O JA tentou ao longo da semana, sem sucesso, ouvir administrações de centros comerciais algarvios – na sua maioria sediadas fora da região – sobre o assunto. Mas falámos com a associação que os representa: “É relevante compreender que a lei em causa [estado de emergência] fará com que a tesouraria dos centros comerciais vá sofrer um impacto substancial, com o não recebimento das rendas nos prazos normais e o seu pagamento parcelar posterior, permitindo, porém, uma melhor gestão da tesouraria por parte dos lojistas”, referiu ao JA, em resposta por escrito, o presidente da Associação Portuguesa de Centros Comerciais, António Sampaio de Mattos.


Acrescenta que esse protelamento das rendas para fase posterior, decorrente da própria lei, estabelece um “regime excecional de mora das rendas e de outras formas contratuais de exploração de imóveis para fins comerciais, [que] os Centros Comerciais associados da APCC – Associação Portuguesa de Centros Comerciais estão, desde já, a implementar, o que representa um apoio significativo aos lojistas neste período excecional”.


Por outras palavras, segundo o dirigente máximo da APCC, quanto a alugueres as lojas podem provisoriamente respirar, mas terão no futuro que pagar os meses de inatividade. Ainda que, eventualmente, de forma diluída e faseadamente, ao longo de alguns meses.
No que respeita à família Correia, cuja ourivesaria, por força da lei, é obrigada a estar fechada enquanto vigorar o estado de emergência, só o facto de ter suspendido o pagamento aos fornecedores faz com que o barco se aguente à tona, ainda que sem navegar. Suspensões de pagamentos conseguidas à custa de “muita química com o telefone”, como glosa Loide Correia: “Estamos sem faturar e sem faturação não se consegue pagar aos fornecedores. Aos funcionários ainda há uma almofadinha para dois meses, mas depois disso não. E é porque não vamos pagar aos fornecedores, senão era para esquecer”.

Loide Correia


Quatro mulheres do grupo de cinco funcionários da ourivesaria do Gran Plaza, todos em casa desde dia 18 de março, estavam até agora a receber algum apoio da Segurança Social para assistência aos filhos menores. A empresa pagava o remanescente dos 66% do salário providenciado pelo organismo estatal. Entretanto entraram todas em lay off, juntando-se ao único elemento masculino da equipa, naquele regime laboral desde que foi para casa.


“Estamos a contar com a chegada de créditos bancários. Isso é fácil para quem não tem já empréstimos da empresa, para os outros não se torna assim tão fácil. É o nosso caso”, enuncia Loide Correia, adivinhando algumas dificuldades futuras devidas à acumulação de dívida.


Loide acha que o Estado devia, pura e simplesmente, dar cheques. “Já ajudámos o Estado e agora queremos essa ajuda para nós. Essa ajuda vem, mas não é assim tão grande. A única linha que criaram que não importa juros é o lay off, que é para pagar 70% dos ordenados aos funcionários”, justifica a comerciante de ourivesaria.

De portas abertas mas a vender metade


Ao contrário de Loide, Sofia Costa tem as suas três lojas abertas – papelarias e tabacarias legalmente são enquadráveis nas exceções – mas garante que está a ter prejuízos da ordem dos 40 a 50% face ao volume de negócios com que contava até aqui.
“Tem havido um grande decréscimo, especialmente nos jogos, raspadinhas e jornais. No tabaco, como as pessoas têm comprado em volumes, não há uma grande diferença. Compram mais quantidade e não vêm tantas vezes à loja”, observa.
No entanto, Sofia consegue manter 19 dos seus 24 empregados. Dos restantes cinco, dois foram de férias e três estão em regime de assistência à família.

Sofia Costa


“Como reduzimos os horários [das 8:30/9:00, conforme o shopping, até às 18:00], acabamos por dar mais folgas para as equipas poderem rodar e não estarem tanto tempo em loja”, sublinha, garantindo que, à exceção dos cinco que neste momento não trabalham, não houve perda de rendimento entre os seus funcionários. “. Temos conseguido gerir o nosso dinheiro e os lucros acumulados, para não prejudicar os funcionários. Trabalham oito horas diárias, mas menos dias por semana. Ou quatro ou três dias, em vez de cinco. Enquanto conseguirmos gerir a empresa assim, a nossa prioridade é pagar aos trabalhadores”, sublinha.


Também com as suas cinco lojas de centros comerciais a funcionar com horário reduzido, o diretor de operações da empresa Alberto Oculista fala em “quebras de vendas brutais”, mas ressalva que, face ao atual contexto sanitário, “não se esperava outra coisa”.
“Estamos na prática a fazer serviços mínimos. Estamos aqui para uma necessidade, um líquido de lentes de contacto que se acabe, ajustar uns óculos. Muitas das pessoas nem vêm para comprar nada, é para ajustar isto ou aquilo”, enfatiza Luís Carvalho, que mantém lojas abertas em shoppings de Tavira, Faro, Loulé, Guia e Portimão (duas).


Face às contingências conjunturais, só em certos casos se fazem óculos de raiz: “Estamos a fazer óculos de raiz, mas só para pessoas que realmente tenham necessidade. O exame em si implica uma proximidade que nós não queremos estar a fazer só porque sim. Aplicamos só em casos necessários. Óculos, máscaras, luvas, gabinete todos desinfetados. Não é altura para, por exemplo, estarmos a atualizar graduações. Pode usar a mesma graduação mais uns tempos, porque não é um caso urgente”.


Face à diminuição das vendas e das necessidades, o número de funcionários por loja passou dos cinco a oito para dois: “Nos cinco shoppings estamos com 11 pessoas”, contabiliza Luís Carvalho, cuja empresa mantém cerca de 30% dos funcionários do Algarve a trabalhar e mandou 70% para lay off. “A nossa intenção é não haver qualquer falha na parte que nos cabe do salário desses funcionários. Não temos intenção de despedimento”.

Ser lojista, trabalhar e ficar sem ordenado


Mas, segundo o presidente da ACRAL, Paulo Alentejano, o lay off e as rendas não são os principais motivos de preocupação para os empresários. Já as linhas de crédito – como acima relevou Loide Correia – dão dores de cabeça aos lojistas: “O Governo apresentou algumas linhas de crédito, mas as pessoas não estão a ver isso com bons olhos. Não sabem o dia de amanhã e é mais um encargo Como reage alguém que tem uma empresa, que fez os investimentos, e dizem-lhe ‘isto é fácil vais buscar mais dinheiro’, ‘mas vou buscar mais dinheiro com um aval pessoal meu’”.


“Criou alguma revolta às pessoas a questão do sócio-gerente. Na maioria das micro e pequenas empresas o sócio-gerente é um funcionário como outro qualquer. Se calhar até trabalha mais. E é a pessoa que vai dar o aval. Eu faço um lay off para a minha empresa, arranjo forma de pagar um terço do ordenado aos meus funcionários todos, mas eu, como sou sócio-gerente e ando aqui com isto tudo às costas, fico a ver navios. Não tenho direito a ordenado. Dão soluções para a minha empresa, estão preocupados com os meus funcionários, então e comigo?”, indaga o presidente da associação do comércio algarvio, mostrando-se convencido de que o problema será revertido pelo Governo nos dias, ou semanas, mais próximos.


Paulo Alentejano critica a generalização da figura do lay off e defende alternativas: “Uma empresa que não quer parar deveria ter um montante, um estímulo de apoio aos empregos que quer manter, com a garantia de manter realmente esses empregos. Não devíamos empurrar toda a gente para o lay off, mas pormos em cima da mesa outras medidas que possam fazer com que as empresas queiram correr o risco de se manter e continuar a laborar”.


E o líder empresarial ilustra as dificuldades que o lay off pode criar nas empresas: “Imagine um restaurante que tinha vários funcionários na cozinha e está tudo parado. Vamos para lay off, mas eu tenho que arranjar 200 e tal euros [correspondentes a 1/3 de 2/3 de um salário de 1.000 euros] a multiplicar por 10 ou 20 funcionários. Três ou cinco mil euros. E entram zero euros. Como vai esse estabelecimento sobreviver?”.


Também os proprietários dos centros comerciais, pela voz do presidente da APCC, pedem mais medidas ao Governo. E sugerem algumas: “É crucial que o Governo tome outras medidas que possam permitir a este sector, responsável por mais de 100 mil postos de trabalho, ultrapassar o enorme desafio com que nos deparamos. Referimo-nos, nomeadamente, à alteração das regras do IVA, passando este a ser devido no momento do recebimento e não no momento da faturação (comummente designado “IVA de Caixa”). Seria de igual forma importante que o executivo tomasse medidas que proporcionassem o prolongamento dos prazos de pagamento dos impostos, nomeadamente IRC e IMI, por parte das empresas proprietárias e gestoras dos centros comerciais, tal como já acontece com outras atividades económicas”.


Garantindo que a principal prioridade da APCC e dos seus associados tem sido “garantir a segurança de visitantes, lojistas, colaboradores e fornecedores, a par da dos ativos”, António Sampaio Mattos enfatiza que, desde o início do estado de emergência, “estão a ser cumpridas todas as regras de acesso de clientes, bem como garantidas as condições de funcionamento dos serviços considerados essenciais, nomeadamente hipermercados, farmácias, restauração de take-away, papelarias, jornais e tabaco, eletrónica e produtos alimentares, entre outros”.


“A indústria dos centros comerciais em Portugal tem sabido adaptar-se a diferentes ciclos económicos. Neste, tal como noutros momentos de crise, trabalhará para encontrar soluções equilibradas, tendo como objetivo assegurar a sustentabilidade dos negócios dos seus lojistas e da operação dos seus centros”, conclui António Sampaio de Mattos.

António Sampaio de Mattos, presidente da APCC, Paulo Alentejano, presidente da ACRAL e Maria José Madeira, coordenadora do Sindicato dos Escritórios de Portugal

Entre os que trabalham nem tudo são rosas…


E os que continuam a trabalhar em centros comerciais transformados em pequenos desertos, com alguns pequenos oásis? A coordenadora regional do Algarve do Sindicato dos Escritórios, Comércio e Serviços de Portugal, Maria José Madeira, garantiu ao JA que, nos locais de trabalho, nem tudo são rosas: “Há empresas que não estão a cumprir as orientações da DGS. É verdade que as empresas têm estado a ajustar-se cada vez mais à realidade das necessidades de cada uma das empresas, mas temos ainda empresas que não cumprem com o distanciamento de segurança entre clientes e do cliente com o trabalhador”.


A dirigente sindical garante que há trabalhadores obrigados a interromper as suas quarentenas para substituir colegas faltosos e fala de empregados de loja com problemas de pele por causa do abuso do uso de álcool gel, sem lavagens intercalares com água e sabão.


Maria José Madeira revela também a existência de empresas que não pagam domingos e subsídios de alimentação dos dias que os trabalhadores em plano de contingência estão em casa.

Forum Algarve


O JA falou também com uma trabalhadora do Fórum Algarve, em Faro, que cumpre o regime de lay off. Sob a capa do anonimato (para dar a cara teria que pedir autorização à empresa, justificou), a trabalhadora do grupo Inditex (que congrega lojas como a Zara, Pull, Bershka, Side & Varius, Eccho) explicou que está em casa desde dia 18 de março, mas recebeu o salário desse mês por completo.


“No mês de abril, o grupo ainda vai pagar mais coisas do que o suposto, as comissões e outras coisas. Só vamos perder 10 a 16% de salário. Mas preferimos estar em casa e em segurança e perder um terço do salário do que estar a trabalhar com riscos”, disse, escusando-se a revelar qual a loja em que trabalha.


Explica que todas as lojas do seu grupo empresarial existentes no Fórum estão encerradas e todas elas recorreram ao lay off. O recurso àquela figura laboral é, de resto, generalizado entre as lojas daquele espaço da cidade de Faro, relata.


“Todos iremos ganhar dois terços do ordenado, mas na minha opinião de cidadã consciente acho que o esforço tem que ser tripartido, porque se estamos em casa, não gastamos combustível nem comemos fora, também podemos dar a nossa parte. Seria errado o esforço ser todo do Estado ou da entidade empregadora. Acho que o esforço tripartido está correto e o trabalhador ficar com uma terça parte a menos de salário é a sua contribuição. Uma pessoa que quer receber o salário inteiro está a ser egoísta. O dinheiro do Estado não chega para tudo. O Estado já paga o SNS e a empresa que fatura zero também corria o risco de, quanto isto acabasse, ter que fechar portas”, conclui a trabalhadora, de 33 anos de idade.

João Prudêncio

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