Todos os anos, por esta época, se fala disto nos campos: o roubo das alfarrobas. Num ano, põe-se de lado a conversa porque as alfarrobas não valem nada ou valem pouco, noutro ano já se fala um pouco mais porque o preço sobe, e quando menos se espera, a alfarroba quase vale oiro. É então que se reclama a presença da força pública junto de cada árvore, à vista de cada armazém de recolha por pequeno que seja, ou atrás de cada carro suspeito pela cor, pela marca ou pelo chapéu do condutor. A suspeita passa a dominar os campos e até passará pela cabeça de alguns que são as próprias alfarrobas que chamam os ladrões com um banzé que se ouve facilmente na Andaluzia.
Entretanto, o noticiário vai dando conta de que, num dia, umas quantas toneladas foram intercetadas e que os suspeitos, segundo o comunicado, puseram-se em “fuga apeada” já que as alfarrobas não merecem cavalos, noutro dia que uns 750 quilos das ditas e ainda verdes permitiram o flagrante delito mas os tais fugiram, enfim, noutro dia ainda, que um pequeno armazém no barrocal foi arrombado à noite e levaram 67 sacos. As desgraças de todos os anos, maiores quando a alfarroba vale oiro. Como, segundo se diz, acontece este ano.
Ora bem, atalhemos, que não vale a pena longos e inúteis caminhos. A alfarroba de nada ou pouco vale se ninguém a comprar e quem a compra não precisa da alfarroba se não a revende, e isto depois de moída e remoída, mesmo com a verde à mistura. Para tanto, a esperteza tradicional inventou um termo para a moagem: a “fábrica de alfarrobas”, estando as alfarrobas já fabricadas. É aí na fábrica que, como avisava o marquês de Maricá, o roubo de milhões enobrece os ladrões. Não vale a pena andar atrás das carrinhas creme, não vale a pena exercitar suspeitas sobre um condutor de barba bárbara e chapéu preto rodeado de adolescentes esguios, não vale a pena perder tempo com 23 quilos. O problema está onde quem rouba um quilo vende a quem já comprou 650 mil quilos e vai comprar milhões que enobrecem. É por aí que se deve começar.
Outrora, funcionava em Faro, uma instituição muito nobre a que se dava o nome de “casino do figo”, e que servia para, segundo as conveniências de um sindicato de bem barbeados, determinar os preços para os frutos secos, ora para cima ora para baixo. Muita gente sob o anonimato se enobreceu nesse jogo. Hoje, até convém que haja ladrões e que como tal sejam conhecidos que parecem o que deveras são. Dispensemo-nos de completar a rima porque até pode acabar na internacionalização. Rima, não é?
Flagrante momento de humor: “Quem rouba de Pedro para dar a Paulo, pode sempre contar com o apoio de Paulo”, já lá dizia Georde Bernard Shaw.
Carlos Albino