SMS: Algarve, o enredo que nos detém

O Algarve é uma pátria linda. Tem uma luz maravilhosa, praias de areia fina, lua cheia inigualável, ar puro, vento saudável. É quente mas não tanto quanto o Norte de África, tem pouca água mas não tanto quanto a Andaluzia, tem levante mas não tão maçador quando o sirocco. Tem três paisagens distintas, Orla Marítima, Barrocal e Serra, e essa diversidade pode ser atravessada em escassa meia hora. Tem gente simples, generosa, aberta a todas as etnias e línguas. Um paraíso. E, no entanto, se alguém quiser comprar, vender, trocar ou legar um terreno ou uma casa, tirar um certificado, fazer uma procuração, montar uma empresa, pedir um reles contador de água ou de luz, solicitar uma informação prévia relativa a prédio rural ou urbano só lhe podemos dizer – “Bem-vindos ao Inferno! Aqui não há purgatório quanto mais paraíso!”


Falamos de burocracia, a grande inimiga, a eterna inimiga. Ela foi inventada para garantir a lei e a ordem, criar memória, assegurar que não se faz trapaça, evitar a corrupção. No fundo, para garantir a lei e pacificar as pessoas. Em princípio, a burocracia é um bem. Mas é um mal quando capturada pelos burocratas que vivem dentro dela como o bicho da maçã, mais aqueles que fazem dela o seu bastão de poder ilícito sobre os cidadãos. Em Portugal, país pobre e não ilustrado, a defesa da lei enreda-se nesses meandros de propósito para manter uma estrutura altiva, castigadora, que só permite a eficácia depois de muito negociada, por vezes com dinheiro à mistura.


Mas se isto é verdade para todo o país, que continua em grande parte nos tempos de Camilo, no Algarve estamos perante uma barreira intransponível. A zona sustém-se por turismo,imigração, emigração, estrangeiros em trânsito, movimento, compra e venda. A iniciativa privada alicerça-se na empresa e a empresa precisa de movimento dinâmico. Mas a burocracia mata-a. Desilude os emigrantes, os emigrantes, os estrangeiros. Repartições públicas no Algarve estão desfalcadas há anos e anos de pessoal. Os funcionários que não cumprem, tudo bem, assobiam para o ar, estão dentro da maçã. Mas perguntem a alguns funcionários das finanças, por exemplo, os cumpridores, em Loulé, Faro, olhão, Albufeira, como estão de saúde, e eles dirão que estão mal. Trabalham de manhã à noite sem parar. A burocracia portuguesa tem disto – dispensa funcionários para que ela seja lenta, mais inoperante, mais escrava. A internet ainda veio complicar mais? Parece que não, mas sim – em alguns domínios nunca se gastou nem se exigiu tanto papel. A epidemia veio fazer explodir a lentidão? Claro. Haveria maneira de alterar tudo isto? Havia. Mas há quem tenha interesse em que o bicho viva enrolado dentro da maçã.


Que esta situação que se vive, de verdadeiro sufoco burocrático, nos faça pensar em mudança. O Algarve precisa de uma verdadeira mudança de cultura que passe por agilidade. Que a transição digital anunciada não seja só uma coisa de dedos e écrans, que seja uma coisa de alma. Se assim for, pode ser que se vá lá. No entanto há razões para suspeitar que o bicho da maçã esteja já a aprender a transição mais depressa que os destinatários do fruto.

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Carlos Albino

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