Depois do que por aí acontece com o Dia de Portugal que antes era uma cidade a puxar o lençol ou a manta para destapar uma outra ou outras em cama tão curta, e agora é um génio a puxar o lençol que tapa outro génio mas ambos a reproduzir discurso igual ao dos alarves cujo salão nobre se chama taberna, é chegado o momento de perguntar – porque não um Dia do Algarve?
Para tal dia, obviamente que se dispensa desfile militar – não faz sentido. Também não faz sentido nomear-se um orador oficial armado em filósofo a falar para uma pátria tal como uma rodela de chouriço fala num prato de feijão à transmontana. O Dia do Algarve seria apenas um dia de identidade. Um dia da meridionalidade, do meio-dia, da claridade, da poesia, da vontade reprimida de ir pelo mar fora, mas vontade liberta se há que navegar contra o vento, que é o exercício máximo da ironia e do lirismo. Enfim, um dia de elogio à leitura e, mais importante, do ensinar a ler. Temos alguém que deixou essa marca – João de Deus. E temos muita gente que prosseguiu com essa marca. Um comboio de gente. Quando? No dia em que se assinala o seu nascimento em São Bartolomeu de Messines.
Também se dispensará decreto – basta que seja manifestação cultural assumida para que entre em vigor. Nem será indispensável a esse dia que tenha uma bandeira única – as 16 bandeiras usadas no Algarve são mais que suficientes desde que quem as ice não tenha mentalidade de quintal, quer discurse pela boca do rei cristão, quer o faça pelo bordado labial do rei mouro.
João de Deus, o poeta lírico e o pedagogo da Cartilha Maternal, pode bem ser o símbolo consensual da identidade algarvia. E porque não, invocando-o, o Dia do Algarve? Em nada prejudicaria os restantes 364.
Flagrantes área metropolitana: Se Faro, Loulé e Olhão, esse triângulo coeso visto de avião, mas manta de retalhos visto de muito baixinho, se isso tivesse um joelho, apeteceria bater-lhe com um martelo, e dizer – Parla!
Carlos Albino