SMS: É preciso conhecermo-nos

Ainda tenho nos olhos o trabalho de certo pedreiro, que a partir de meados do século XX começou a juntar pedaços de tigelas partidas, de pratos, planganas, guarda-jóias. Ele recolhia os motivos florais, as figuras geométricas onde se reconhecia o friso entrançado a que se chamam gregas, os traços de volutas ramificadas a que chamavam arabescos, alinhava-os e com eles enfeitava paredes inteiras, criando um efeito surpreendente. De onde lhe vinha esse gosto da profusão decorativa? A necessidade de narrar uma história colorida a partir da junção de fragmentos? O que desejaria transmitir a si mesmo e a quem passava pela rua? Não era opulência, por certo, seria antes, julgo, a demonstração da alegria dos sentidos. A imagem desse pedreiro que amava os espaços rendilhados voltou a visitar-me, agora que abro um livro precioso, acabado de publicar, Platibandas do Algarve.

Não vou folhear diante dos olhos do leitor esse livro com a fotografia admirável de Filipe da Palma, textos de Miguel Reimão Costa, José Eduardo Horta Correia, Alexandre Tojal, Pedro Prista e ainda a apresentação de Guilherme d’Oliveira Martins, numa edição da Argumentum. Trata-se de um daqueles livros em que o vistoso não significa fátuo, significa belo. Mas por sê-lo impor-se-á por si. Ficará na nossa mesa para que nos intervalos da vida os olhos passem por cima das imagens e das páginas, e a mão queira ficar sustentando por longos minutos uma obra de arte que ensina e ao mesmo tempo regala. E assim, em face da explicação do que significam as platibandas, conhecer-nos-emos melhor e mais.
Mas eu penso também nos outros livros. Livros de Sociologia, Economia, Arte, História dos Factos, História de Arte, Agricultura, Viticultura que não têm o aparato visual dos livros ilustrados e que vão construindo o inventário do que fomos e do que somos em profundidade. Livros de ciência, calados, letras pretas sobre páginas brancas, tão contrários ao mundo atual, e que traduzem a espessura necessária para nos vermos ao espelho.

Os governos municipais e a Universidade devem estreitar relações nesse sentido. Conviria que acolhessem cada vez mais os jovens estudiosos das várias áreas, dando-lhes a possibilidade de se entregarem ao estudo metódico de que necessitam. Apoiando-os, libertando-os da angústia de ter de fazer o seu trabalho sem saberem como sobreviver no dia seguinte. Mas, sobretudo, procurando que os livros de estudo, os de ensaio, não fiquem fechados nos caixotes depois de publicados. Ajudar a que a população desperte para o interesse pelo conhecimento do que nos é próximo, sobretudo quando, neste momento, a máxima de viver local e pensar global entrou nas nossas vidas. Pensar assim seria revolucionário – não se deve apagar a palavra – no Algarve.

Por mim, no dia de hoje, ainda não deixei de pensar na relação entre as paredes cobertas de fragmentos de porcelana, as platibandas floridas e as chaminés de renda. Alguma coisa aqui nos faz singulares na alma.

Flagrante evidência: O insulto é o argumento dos que nasceram só com garganta.

Carlos Albino

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