Percebeu-se neste ano o que aconteceu no ano passado e, por isso, em Monchique todos quiseram evitar a tragédia, embora o drama em grande parte tenha sido inevitável. Independentemente de negócios premeditados ou não de madeireiros como terá acontecido com o pinhal de Leiria, da incúria e irresponsabilidade com as florestas como tudo leva a crer com Pedrógão, de acertos e desacertos no combate ao fogo como um pouco por todo o lado, da descoberta agora de que os eucaliptos assaltaram Monchique, e de que com tantos ou com cada vez mais meios contra incêndios também se prova mais uma vez que há em Portugal poucos índios para tanto chefe, o certo é que no vasto e perigoso fogo de Monchique não houve tragédia de mortes. Não se trata de vitória como uns proclamam, nem de derrota como outros atiçam. Não aprenderemos a lição se, do bombeiro ao autarca até ao ministro, não assumirmos e não interpretarmos o incêndio de Monchique como um incêndio de aprendizagem. Ver que lição há a tirar, saber para prevenir, identificar as ciladas cada vez maiores e inesperadas da natureza por razões e motivos que o homem culposamente conhece.
Mas para além da lição que deve ser aprendida para revenir o futuro próximo e a longo prazo, há outra lição a tirar – a lição do retrato sobre nós próprios. Em Monchique também foi possível obter essa lição. A política acabou por ser uma “projecção” do fogo, com antigos ministros responsáveis pelas decisões sobre eucaliptos a acusarem a falta daquela memória suficiente para não se mentir ou para bem se mentir. No comentário público que anima as televisões, eis que de repente surgiram dezenas de sábios que, pela forma como falaram, deviam ser os primeiros a inscreverem-se como bombeiros voluntários. No jornalismo, gente impreparada para falar ou com os tiques de glória de como quem estivesse a cobrir uma guerra do Iraque, a tratar a dor alheia como material de êxito da reportagem e quanto maior for a dor, melhor. Com ou sem incêndio, seria muito proveitoso para o Algarve que esta última lição fosse mesmo a última, sobretudo na política. No comentário público, todos sabemos que não há comentador que não queira fazer de Senhora de Fátima se tem uns pastorinhos à frente que trata como analfabetos. No jornalismo, também alguns sabem que a sabedoria que não se dissimule é despedida sem ou com justa causa. Agora na política, na Política, deve-se ter boca, mas não se pode nem se deve ter boca incendiária.
Flagrante urgência: O Algarve precisa de um Congresso.
Carlos Albino