O sonho de um País livre, mais culto, mais solidário, convivente nas diferenças, em paz consigo mesmo e com os outros de outras fronteiras, já vai em 43 anos. Quem deveras isso sonhou e não ficou a dormir, não é difícil verificar a imensa obra realizada onde não existia nada: associações empresariais e sindicais livres, opiniões respeitadas a cada esquina (oxalá!), escolas de raiz, centros culturais e bibliotecas a cobrirem o território, apoio social tanto quanto possível a substituir a caridadezinha, autarquias com comandos escolhidos pelos diretamente interessados, e sobretudo, o escrutínio livre das decisões que afetem todos, seja no momento em que a decisão é tomada ou prestes a ser tomada, seja em momento posterior pelo voto em que a consciência de cada um é a única testemunha mas também parte integrante da vontade da maioria. Foi um bom sonho, por certo sempre inacabado em função da natureza humana, porque o sonho, se for bom, aprimora-se, e não se repete.
Muito ficou ou está por fazer, bastante foi mal feito ou à espera de correção, e, para tanto, todas as opiniões contam, todos os reparos devem ser registados e avaliados, ninguém pode ou deve ser perseguido, ou mesmo sofrer retaliação por pensar e exprimir-se de maneira diferente.
Não foi o paraíso que desceu a este bocado de terra, com mesa posta e cama feita pelos deuses, mas foi e ainda bem que é um bocado de terra à disposição de gente livre e com intenções permanentemente postas à prova. Nesse bocado de terra cabemos todos, ninguém é demais. Aí cabem mesmo os que não sonharam e que certamente serão incapazes de ter um sonho inacabado. Também cabem, mesmo que façam o pregão de viverem num pesadelo.
O que corrói e destrói o sonho não é o possível pesadelo de alguns, muitos que sejam, obrigando a pensar quem julga estar a sonhar bem. O que corrói e destrói é quem, simulando partilhar o sonho, mais não faz que desempenhar o papel de múmia, designadamente o papel daquela múmia paralítica criada pelo humor brasileiro, a qual, antes de ouvir, cortava qualquer pergunta com uma espécie de ordem que só um morto-vivo pode dar – “Não perguntes que eu respondo”.
Há um sonho que vai em 43 anos, mas também há múmias. Algumas de faraós envoltos em trapos.
Flagrante acontecimento: Caiu uma arriba? Então, o Algarve aparece em notícia nacional. Já não era sem tempo.
Carlos Albino