Não levem a mal, cantemos, alegrem-se os céus mesmo que não passem nuvens que chovam
para a terra, cantemos com alegria, embora não se saiba qual será o nosso próximo
menino, e de que partido será filho. O Algarve é um presépio, entrai porque o Algarve é um
portal sagrado. Já tivemos ministros de segunda, dois primeiros-ministros e até um presidente
nas palhinhas deitado. É um presépio, embora sem hospital que nos honre as figuras, sem
comboio que ande mais depressa que os camelos, e sem grandes prendas do poder central
embora muito, muito ofereça ao mesmo poder central e a outras periferias, designadamente
oiro, incenso e mirra. O Algarve é um presépio.
E quanto a figuras, é mais do que um presépio, é um verdadeiro tratado. O Algarve tem de
tudo – figuras com pés de barro, figuras de resina, figuras de pano. Tem de tudo, não faltando
as ovelhinhas deputando sobre o musgo, os pastores cada um de seu partido, os anjos
abrindo as asas num céu low cost. Para as nossas figuras só lhes falta a classificação de
património mundial da humanidade, o que não tem sido possível porque falam demais sobre
o que não percebem e dizem perceber mesmo que seja asneira. Além disso, a voz deformada
pelo excesso de medronho ou por mau medronho também prejudica a classificação. Em todo
o caso, somos um presépio. Um presépio que, à falta de casinhas da tradição, tem casas
móveis já por todo o lado, sem necessitarem de papelada e mais papelada, e da vista grossa
das fiscalizações municipais. É um presépio e basta.
Este presépio também tem os seus reis magos, os seus herodes, os seus soldados romanos,
e – ah! – uma estrela do oriente, embora desoriente. Quanto a reis, neste presépio há cada
vez mais gente que chega de longe e que só por vir de longe, fica mais respeitado que os
fariseus, judeus e samaritanos de cá, Quanto a herodes (única palavra que em português
não tem feminino, falta que se faz muito sentir), não há apenas um, há vários – herodes
municipais sem controlo, herodes do poder central que chegam e partem devotos e à
margem dos votos, herodes com cara de pau sendo de barro. Quanto a soldados romanos,
este presépio cumpre os evangelhos, não são novidade, e apenas diferem dos soldados de
outras paragens, a começar pelo cante para se falar dos mais próximos. E quanto à estrela,
alguma que desponte e leve os magos a bom porto, vai logo para Lisboa, esse enorme
buraco negro que suga todas as estrelas das províncias. Neste presépio que é o Algarve,
enfim, ficam os cometas e alguns meteoritos para consolação das figuras, sejam estas reis,
rainhas, magos ou magas.
Em todo o caso, saudemos o presépio que somos e onde todos estamos sem exceção,
mesmo os anjinhos. O que é preciso é melhorar isto. Não levem a mal, cantemos. Melhoremos
o presépio!
Flagrante oportunidade: Feliz Natal e Ano Novo cheio de felicidades, para todos os que nos têm lido e lerão.
Carlos Albino