SMS: O desaparecimento das livrarias. É um sinal

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Colaboradora. Designer.

Passa-se pelas ruas e não se acredita. Onde antes havia livrarias, estão portas fechadas e casas desertas. Quem não as conheceu diz não sentir falta dessas lojas preenchidas com objectos de papel, paralelepípedos colocados ao alto, com lombadas onde estão umas letras desenhadas. Objectos que é necessário folhear, que não brilham ao toque de uma tecla, que demoram a exibir o seu sentido e a mostrarem as suas mensagens. Objectos que ocupam lugar no saco, que têm algum peso, ocupam o espaço na nossa casa. Muitos dirão que as livrarias fazem hoje tanta falta quanto os moinhos de vento, que ficaram no alto dos montes enfeitando a paisagem com o seu corpo fora de serventia. Muitos dizem isso, mas não o deveriam dizer.

A consciência de que o livro físico desempenha uma função capital entre os instrumentos culturais, depois de vaticínios melancólicos sobre o seu destino, regressa a galope, e faz valer os seus direitos. De dia para dia, mais se confirma que a leitura electrónica não substitui a leitura de livros de papel. Pedagogos e sociólogos, antropólogos e filósofos da cultura, alertam para a perda fundamental que se verificará a nível dos comportamentos e das aquisições intelectuais e emocionais, quando se deixar de ler livros. Eles, como nenhum outro instrumento de cultura, permitem a instrução profunda da mente, a aproximação mental entre a representação e a realidade, a mediação entre o pensar e fazer correcto, que está na base ética e da moral. Uma sociedade sem leitura lenta, sem recolhimento, sem a viagem mental que os livros proporcionam, é uma sociedade que não treina a memória, a conjectura, o sonho e a solidariedade com o outro. Na verdade, o livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive, como bem nos advertiu o Padre António Vieira.

É preciso tomar consciência do mundo que se avizinha. Diariamente chegam sinais de várias partes do mundo de que os totalitarismos estão à porta. Eles baseiam-se em sociedades que vivem da comunicação instantânea, sem noção de passado nem projecto solidário de futuro. Não cabe numa crónica desta dimensão dissecar a relação que existe entre o excesso de informação não editada, e a falta de cultura literária. Mas cabe alertar para o facto, e escrevê-lo com maiúsculas. Alertar os decisores políticos para esta realidade que nos assombra. Alertá-los para a necessidade urgente de retirar algumas centenas de euros dos foguetes, espectáculos de luz e fanfarras, apenas algumas centenas, para promover livrarias nos centros das cidades. Ajudam-se cafés, amparam-se passeatas, promovem-se libações e comeres. Por favor, os livros, esses bens fundamentais, tal como Gutenberg nos legou, e a sua galáxia não despareceu, antes exige a retoma, precisa de pessoas sensíveis que lutem por esta causa. Numa cidade de futuro, a Biblioteca pública não existe sem a livraria, a livraria não existe sem a Biblioteca pública. O bibliotecário e o livreiro são parceiros do mesmo barco. Ambos precisam de formação, ajuda, incremento, valorização e locais. Eles são os pivôs de um mundo que se dirige ao pensamento reflexivo. Não acredito em programas de Cultura em que os seus mentores se tenham rendido à metáfora comparativa dos moinhos de vento. E não acredito se esquecerem ou caso desconheçam que o livro é um animal vivo, como Aristóteles deixou gravado.

Flagrantes adiamentos: Mais uma vez, o Orçamento do Estado adia questões essenciais para o Algarve acentuando uma grave miopia do turismo. Miopia ao perto e ao longe.

Carlos Albino

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