SMS: O senhor diretor marca o tom

Foi uma entrevista de “grande impacto”. Na verdade, o que parece ser o atual modelo da entrevista política não é recente. Foi surgindo a pouco e pouco, e conta-se que o seu formato é contemporâneo do aparecimento dos canais privados ainda que não seja propriamente a pior das suas filhas. A grande agressividade surgiu mais ou menos há cerca de uns vinte anos. No Brasil, na Rede Globo, no final do século XX era famosa uma certa jornalista cujas perguntas eram dirigidas ao pescoço do entrevistado. Meio Brasil parava para assistir à batalha. A isso chamava-se “criar impacto”. A expressão jornalismo impactante surgiu então, fez viagem de avião pela Varig e aterrou na Portela. Por cá ficou. Quanto mais furioso for o entrevistador, mais impactante será a entrevista, mais audiências, mais suor e sangue. Muito consumível, muito bom.

Vem isto a propósito da entrevista que o Primeiro Ministro concedeu à RTP 1, no passado dia 10 de novembro. Quem dirigiu a entrevista? O Director do canal público de televisão. Ora a expectativa era muita. Desde manhã cedo que os dirigentes das defunta Geringonça se multiplicavam em explicações para o chumbo do Orçamento de Estado, demonstrando o golpe de mestre que, manhosamente, havia engendrado António Costa, e tudo isso, para obter uma maioria absoluta e torna-se um príncipe do Renascimento. Com a expectativa ao rubro, a entrevista tinha de ser impactante. Mas como o Director da RTP não tem muito jeito pata o impacto, nem muito jeito para ir ao pescoço do entrevistado, de que meios se socorreu? Da interrupção da fala do entrevistado. Mal o entrevistado começava a falar, interrompia, mudava de tema, repetia a pergunta, repisava o assunto, falava por cima do entrevistado. A entrevista era sensível, sim era. O país está a passar por um túnel? Sim. O Primeiro Ministro levava a mão ao peito? Sim. Pela primeira vez desde há muito António Costa não se fez arauto daquele otimismo irritante que na forma se assemelha a arrogância. Só que os argumentos ficavam incompletos, eram interrompidos, palavra sim palavra não. Queríamos saber a dimensão da sua hesitação sobre a política de alianças, sobre a hipótese de uma nova geringonça sair da tumba onde se encerrou, e havia a interrupção. O impactante andava por ali.

Gravidade para o esclarecimento político? Nem por isso. O problema, problema a sério é que não nos podemos admirar que os mais jovens entrevistem com falsa energia, substituam o estudo que devem fazer pelo tom trepidante da pergunta, ensaiem ao espelho o rosto façanhudo em vez de se inteirarem da matéria que está em causa. O diretor da RTP não é qualquer um. A sua forma de ser impactante cria escola. Talvez a política ruinosa que está na rua deva alguma coisa ao jornalismo impactante. Talvez deva muito ao modelo impactante dos vários géneros, entre eles, a entrevista.

Flagrante tema: Desde já, anuncia-se o tema deste apontamentozinho para a próxima semana – Política e Cultura, Políticos Muito Cultos e aprendizes de Cultura (como são sempre são)

Carlos Albino

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