Tem sido dito e redito, escrito e reescrito que o localismo exacerbado, as hegemonias bairristas às claras ou disfarçadas, ou as políticas de campanário invertebradas destroem ou inviabilizam a invocada, suposta, ou proclamada identidade do Algarve. Invocada, quando convém. Proclamada, quando já é tarde. Suposta, quando antes do tempo. E então aí temos a Rua da Inveja contra o Largo da Cobiça, a Avenida da Espampanância contra a Ladeira da Altaneirice. E também há o Beco dos Estropiados onde a maioria vai cair, se a goela não der para mais. E lá se vai indo a identidade, sem credibilidade em Lisboa, desconhecida no Porto e sem reconhecimento pelos da cantoria de Coimbra.
Possivelmente foi sempre assim neste talhãozito por onde, desde há milénios, tanta gente tem passado e por onde hoje tanta gente continua a render-se a gente diferente, uns a seguir aos outros, cada um a esquecer-se rapidamente da identidade dos que o antecederam. Vá lá, uma lembrançazinha no breve tempo de acolhimento por quem já estava e de investimento por quem aportou. Foi assim que uns senhores deixaram lá na serra uma escrita do sudoeste indecifrável pelos que lhes seguiram e foi assim que dificilmente se descortina como uma polka folka deu em corridinho sem deixar documento que explique a origem dos sete passos para a direita, sete passos para a esquerda. Possivelmente sempre assim foi, pelo que a identidade do Algarve talvez seja essa – o esquecimento do que se foi e a afirmação hegemónica, altaneira, invertebrada, bairrista até a irracionalidade formar bairro, do que se é por enquanto. Sem grande memória, ou com a memória semelhante à que caracteriza os cemitérios. Ruas antigas com nomes antigos, alguns com séculos, para quê? Mudem-se os nomes para os nomes de mortos recentes, sobretudo se forem compadres, pois até cada homenagem supõe compadrio, e nomes antigos cheiram a identidade, a memória, a lembrança, e a essa “coisa horrível” do conhecimento.
Sim, o Algarve é a tecla delete do nosso estimado teclado meridional. Traça romana da casa rural algarvia? Delete. Sismos, terramotos no Algarve? Delete, à exceção do de 1775 que é indisfarçável. Poesia e cultura? Delete. Recuperar património? Delete, a não ser que a Europa etc. e tal. Sagres? Delete, e nada de acordar fantasmas.
Flagrante apelo à gente da Cultura: Preparai-vos que ides ser chamados…
Carlos Albino