Podia ter sido outro livro, o primeiro impresso em Portugal mas foi o Pentateuco, podia ter sido noutra cidade mas foi em Faro, podia ter-se conservado ou guardado no seu berço mas foi roubado, podia ter sido um cristão ou outro de uma outra crença, ou de uma outra descrença a fazê-lo sair do prelo, mas foi um judeu – Samuel Gacon. E Samuel Gacon podia ter sido esquecido ou omitido para sempre, porque foi olvidado por séculos, mas foi agora bem lembrado e no local certo – o Bispado do Algarve. A evocação recebeu a designação genérica de “Difusão do Conhecimento” e a lembrança de “Núcleo Histórico da Imprensa de Gutenberg e do Pentateuco de Faro”, ficou sedeada em sítio honroso e emblemático. Não é tudo, mas faz adivinhar o início de uma caminhada.
Então há que reconhecer o mérito do Bispado do Algarve ao abrir a sua porta larga para dar passagem ao que se deseja que venha a ser uma procissão da Cultura em Faro. Na verdade, abriu a porta com generosidade – cedeu instalações com alto significado e simbolismo para o caso, abriu-a exemplarmente com espírito de acolhimento ao nome de Samuel Gacon, o judeu pioneiro da tipografia em Portugal, e, como foi evidente para as testemunhas que concorreram ao ato inicial da lembrança, conferiu inquestionável dignidade e respeito à evocação. Longe de ser nuvem passageira, vai ficar.
Fazer futurologia para Faro dá azar e, pior, dá agoiro. Daí que seja aconselhável que ninguém faça previsões ou que tente adivinhar como poderá vir a ser esta caminhada de Cultura. Um dia, desejando que acontecesse o melhor para o País, sem nomear o desejo, limitei-me a escrever que “isso seja como um grão de trigo ampliando-se até aos confins do universo”. Por receio de azar agoiro, omiti o que era isso. E o “isso” aconteceu. Para Faro, digo o mesmo ou semelhante – que a lembrança de Samuel Gacon e a evocação do primeiro livro impresso em Portugal, seja como um bago de trigo ampliando-se, não repito já até aos confins do universo, mas até à constelação da Cultura, como Faro e o Algarve merecem. Melhor, devem exigir.
Flagrantes contas: Enquanto não houver Hospital Central do Algarve, de raiz e sem mazelas, não vale a pena avaliar o Orçamento de Estado, para cá do Caldeirão. Obrigado, Mário Centeno.
Carlos Albino