Sócrates chegava a pedir 20 mil euros com um dia de intervalo

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“Cercado” dedica-se a descrever os bastidores da vida política de José Sócrates nos últimos dez anos, a partir de documentos e entrevistas a muitos dos seus colaboradores, mas é nos processos mediáticos e controversos de que foi alvo que o livro concentra mais a sua atenção

A 2 de abril de 2014, uma quarta-feira, Carlos Santos Silva entregou pessoalmente a José Sócrates 10 mil euros em notas. O ex-primeiro-ministro precisava de pagar à sua secretária pessoal, Maria João, saldar a sua conta na agência de viagens Top Atlantic e cobrir as despesas de alojamento em Paris, onde manteve uma casa a seguir a ter concluído o seu mestrado de Filosofia Política em Sciences Po.

Dois dias depois, a 4 de abril, uma sexta-feira, o ex-primeiro-ministro recebia do amigo mais 10 mil euros. “Aquela outra coisa”, como se referiu ao dinheiro durante o telefonema, não tinha sido suficiente.

As entregas de dinheiro entre os dois principais arguidos da Operação Marquês, vigiadas durante mais de um ano pelo Ministério Público, aconteciam em média três vezes por mês e são descritas em detalhe num livro lançado esta quinta-feira por Fernando Esteves, editor de Política da revista “Sábado”.

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“Cercado” dedica-se a descrever os bastidores da vida política de José Sócrates nos últimos dez anos, a partir de documentos e entrevistas a muitos dos seus colaboradores, mas é nos processos mediáticos e controversos de que foi alvo que o livro concentra mais a sua atenção.

Embora já referidas várias vezes na imprensa, é a primeira vez que as 40 entregas de dinheiro feitas por Carlos Santos Silva a José Sócrates são publicadas em detalhe. Fernando Esteves cita um despacho de Carlos Alexandre, juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, que viu necessidade de detalhar todos esses momentos para justificar a prisão preventiva do ex-primeiro-ministro e do seu amigo empresário da Covilhã por corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais, reforçando a posição do Ministério Público, que dizia que os “livros” e “fotocópias”, como o dinheiro era muitas vezes referido, “serviam para quase tudo: para pagar roupa, salários, rendas, condomínios, viagens”.

De acordo com o livro, Carlos Santos Silva admitiu ao Ministério Público ter entregado 550 mil euros em dinheiro a José Sócrates.

A vigilância dos movimentos de Sócrates começou no verão de 2013, poucas semanas depois de o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) ter aberto o processo-crime batizado com o nome de Operação Marquês, precisamente por muitas das entregas de dinheiro se passarem em casa do ex-primeiro-ministro, perto da Praça do Marquês de Pombal, em Lisboa.

O ritmo de pedidos foi sempre elevado. A 27 de setembro de 2013, Santos Silva entregou 10 mil euros a Sócrates ao final do tarde, depois de mais um telefonema em que o antigo líder do PS dizia ao amigo que “precisava de levar alguma coisa” porque tinha esgotado o plafond do cartão de crédito e Sofia Fava, a ex-mulher e mãe dos seus filhos, ia nesse dia ainda para Paris, necessitando de dinheiro. Mas sete dias antes já tinham sido outros 10 mil euros. E quatro dias antes disso outros cinco mil.

Apesar das entregas regulares de dinheiro, e segundo as informações da investigação judicial citadas por Fernando Esteves, Sócrates estava constantemente a esgotar o plafond do seu cartão de crédito.

As descrições incluem duas entregas que tiveram como intermediário André Figueiredo, ex-chefe de gabinete no PS e figura muito próxima do antigo líder socialista. A primeira dessas ocasiões aconteceu a 4 de outubro de 2013, no dia seguinte a Sócrates ter combinado com Santos Silva a “entrega de uma quantia entre 10.000 e 50.000 euros”. Houve uma outra vez, a 27 de novembro desse ano, que uma quantia de cerca de 50 mil euros esteve para ser entregue a Figueiredo, mas acabou por ir parar diretamente às mãos de Sócrates. E a 20 de dezembro, o homem de confiança do ex-primeiro-ministro no partido recebeu 10 mil euros de Santos Silva, sendo que, segundo os investigadores, a verba destinava-se a comprar exemplares do livro “A Confiança no Mundo”, lançado por Sócrates dois meses antes.

O Ministério Público, escreve Fernando Esteves em “Cercado”, “sublinha que, nos telefonemas em que solicitava o envio de quantias monetárias, o ex-primeiro-ministro não pedia – ordenava. É também por isso que os investigadores acreditam que o dinheiro, na verdade, lhe pertencia”.

Mas Santos Silva, quando foi interrogado, justificou o tom dos telefonemas como sendo natural, de acordo a contestação à prisão preventiva apresentada pela sua advogada e citada no livro do jornalista da “Sábado”. “Foi pelo arguido dito e redito ser grande amigo do José, desde a juventude. Estranho seria que assim sendo o José sempre que precisasse da ajuda do amigo tivesse de lho pedir cerimoniosamente”. Acrescentando, sobre as formas camufladas de fazer chegar-lhe o dinheiro: “Não é de estranhar que ambos quisessem manter uma razoável discrição e reserva, atento o estatuto social do co-arguido José Sócrates, que naturalmente desejava evitar especulações na comunicação social de que o amigo o ajudava a manter um certo estilo de vida”.

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