Tânia e os tempos perigosos

Admito que demasiadas vezes os agentes jornalísticos, ou técnicos, ou comerciais, de um órgão de comunicação social pautam algumas das suas ações por uma agenda pessoal bem longínqua das regras técnicas e profissionais que os deveriam reger.

Admito que no mundo de vídeos e fotos de partilha potencialmente global em que vivemos a tentação de “espalhar a notícia”, quando não há notícia, será demasiado grande, e que muitos divulgam o que não deveriam divulgar, ao arrepio de todos os critérios deontológicos e do simples bom-senso profissional.


A imagem de uma repórter de televisão aparentemente podre de bêbeda antes de entrar no ar espalhou-se nas redes sociais e foi motivo da risada idiota de milhares de almas boçais, mas há seguramente uma história nada ética por trás do incidente.


Noutros tempos a figura triste (pelo menos aparentemente) da jornalista Tânia Laranjo talvez mais mossa não fizesse do que umas gargalhadas arrancadas de meia dúzia de colegas e eventualmente da própria, no recato de uma régie ou de um estúdio de TV. Diverti-me, eu próprio, com dezenas, centenas de “apanhados” nos tempos em que fazia rádio e televisão. Havia sempre um artolas, entre os técnicos da casa, que se entretinha a colecionar os “cromos” em que todos nós, repórteres, nos convertíamos de vez em quando.


O móbil do “crime” era o puro divertimento, jamais divisei maldade, muito menos desejo de vingança, ou revanche, nas intenções de quem compilava aqueles pequenos extratos. Serviam apenas para nos divertirmos e rirmos uns dos outros às claras e nas caras uns dos outros.


Até que um dia vi um “apanhado” daqueles num Facebook da vida. Era, aparentemente, uma gravação de um curso de TV em que, a certa altura, o jovem pivô se passava e desatava a dizer palavrões, num enorme descontrolo emocional, porventura mais real do que aparente. Desconheço os efeitos que a divulgação terá tido na vida pessoal e profissional do rapaz em causa, mas adivinho que não terão sido nada benéficas. Adivinho, isso sim, que não foram benignas as intenções de quem escarrapachou o vídeo. Ou pura e simplesmente esse alguém se estava a marimbar para o futuro e o bem-estar do aprendiz de pivô. Há sempre para quem os fins (a risada) justifiquem os meios (estragar a vida de alguém).


O caso da jornalista do Correio da Manhã – por quem, assinalo desde já, não nutro profissionalmente qualquer tipo de simpatia, bem pelo contrário! – parece ser mais grave. Não se trata de uma jornalista em fortuita e inesperada perda de controlo emocional. O colega operador de câmara de Tânia retratou um estado (presumivelmente não se trata de uma patologia rara) de embriaguez da colega que deve estar longe de ser acidental ou irrepetível. Ele ou outro que divulgou o vídeo quis prejudicá-la, desconhece-se com que razões ou motivações. Se por desejo de vingança contra ela ou a estação de TV. Se por qualquer outro motivo. Seja como for, mesmo que se trate de vingança e a repórter tenha sido “uma besta” em algum momento para com ele, ou lhe tenha feito alguma daquelas mesmo indesculpáveis, a divulgação do vídeo é condenável, pela pulhice e má índole que revela.


Mesmo que Tânia tenha um problema de alcoolismo grave – aliás, sobretudo se o tiver – o sentimento que merece, até de quem, como eu, detesto o seu jornalismo, deve ser de compaixão e oferta de ajuda. O que alguém fez com ela foi bullying psicológico. Suscetível de lhe trazer graves problemas a acrescer ao que já terá e, em última instância, de poder até provocar sentimentos de autodestruição. Ela precisa de ajuda, não de destruição psicológica por parte de maus colegas.


Nesta novel trama de “apanhados” em redes sociais, nem sempre os colegas são as vítimas. Nem as motivações são a vingança, o ódio, ou o simples “mau-coleguismo”. O caso de António Costa e da divulgação de um excerto de uma conversa off com jornalistas do Expresso é, só por si, sintomático dos tempos que atravessamos.


Ali, quase de certeza houve trama política (embora nestas coisas, diz-mo a experiência, sobre sempre espaço para a possibilidade de uma piedosa ação estritamente palermóide) e o alvo foi o primeiro-ministro. Uma conversa off the record é isso mesmo e não deverá jamais ser divulgada. Os jornalistas do Expresso sabem isso, mas fazem-se acompanhar de técnicos, operadores de câmara e de áudio a quem não foram incutidos esses valores jornalísticos.


Bastou isso e a má-fé de alguns políticos e comentadores – acompanhados de alguns jornalistas – para que 7 segundos de palavras dirigidas a meia-dúzia de médicos de uma pequena vila portuguesa se tenham transformado num relambório discursivo contra todos os médicos do País. São estes os perigosos tempos que vivemos.

João Prudêncio

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