Trazer a família ou combater, é o dilema dos ucranianos “algarvios”

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São muito parecidos os sentimentos que perpassam por estes dias nos corações dos ucranianos, estejam no seu país ou no estrangeiro. A revolta e a sensação de injustiça serão os mais comuns. Mas há dois outros sentimentos que são contraditórios: entre os que querem ficar por cá e trazer a família que está na Ucrânia e os muitos que querem regressar à pátria

Um regresso que não resulta de um súbito acesso de saudades, mas apenas, de mãos quase despojadas, para combater o inimigo russo, que lhes invadiu o País.

“Quero voltar, defender o meu país, combater o Putin!”, exclamava há dias ao JA o ucraniano Vadimir, 49 anos, que vive em Portugal há 22 anos com a mulher, Tânia, 42 anos e só acreditou na guerra quando a mãe lhe telefonou de Gostomel, a 30 km de Kiev, dando conta dos bombardeamentos russos sobre o aeroporto local.

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“Até à última hora não acreditámos que haveria guerra. ‘Não acredito, que uma pessoa inteligente vai fazer isso’, dizia ainda há poucos dias. Afinal não, aconteceu mesmo”, corroborado pela mulher Tânia que só acreditou na guerra quando viu os vídeos dos primeiros bombardeamentos e os comentários do facebook. Antes disso, “pensávamos que ele [Putin] estava a gozar connosco”, garante o imigrante residente no Algoz, Silves.

Hanna quer trazer a família

Já a conterrânea Hanna. 55 anos, jura a pés juntos que, se pudesse, trazia a família num lusco-fusco: “Quero trazer a família para cá, no caso da minha filha é mais fácil, ela tem residência portuguesa. Tem 33 anos. Foi dias antes da guerra tratar assuntos à terra e agora não consegue sair do país”, lamenta a comerciante residente no Barlavento algarvio, que comunga com Vladimir e Tânia a incredulidade com o que está a acontecer a cerca de 4.000 quilómetros de distância: “Nunca na vida imaginei que em 24 horas a mudança seria esta. Nós ucranianos não conseguimos até final acreditar que isto pudesse acontecer. Pensámos que ele [Putin] nunca iria dar este passo, porque o último tempo que vivemos tivemos a certeza que o mundo vai defender-nos. Que ele não tomaria esta decisão. Ficámos surpreendidos”, reitera à reportagem do JA, poucas horas depois dos primeiros ataques, na madrugada de dia 24 de fevereiro.


Até à véspera desse dia, Hanna acreditou que o seu povo não estava sozinho, mas agora reconhece que a dúvida se instalou: “Temos medo que o povo ucraniano fique sozinho, que o deixem morrer”.


Para que isso não aconteça, Hanna defende uma intervenção mais ativa por parte dos estados ocidentais: “Se o mundo agora não parar este psicipata, o nosso povo vai defender o país mas se ficar sozinho à frente deste inimigo, daqui a algum tempo isto pode acontecer com qualquer país da Europa.

Cria-se um precedente”. Receia, enfatizando que “a guerra não começou agora, começou há oito anos atrás. E durante estes oito anos a Ucrânia defendeu-se sozinha”. E o seu grito contido de revolta ressoa nos muros dos prédios vizinhos: “Nós não conseguimos perceber como é que o mundo ainda está calado”.


Com uma filha (de 33 anos), genro e sobrinhos em Ivano-Frankivsk, no noroeste daquele país enorme (com um território comparável aos da França e Alemanha juntas), Hanna só sabe que não vai conseguir dormir nos próximos dias. Nos que precederam os ataques não ferrou olho.

“Todos tinham avisado que Putin não ia parar”


Quem vai pelo mesmo caminho é Serhiy Buksa, 33 anos, residente em Portimão, com quem falámos poucas horas depois dos primeiros ataques russos: “Estou levantado desde as 4 da manhã. Ouço o canal central com notícias 24 horas por dia.


Tenho família lá, telefonam para mim e eu para eles. Eles dizem que não preciso entrar em pânico, que está tudo controlado. Mas eu julgo que nas últimas horas aquilo está a pesar”, metaforiza, cuja família mais próxima mora em Lviv, a uns 550 km de Kiev e a 200 km da fronteira norte, com Polónia e Bielorrússia: a mãe, o padrastro, a irmã mais velha, o irmão mais novo, o cunhado.


“A nossa cidade já foi atacada, logo na primeira noite. Foi bombardeada a parte militar, fábricas e zonas mais importantes”, explica o ucraniano.
Em Portugal desde 2006, aquele a quem os algarvios chamam Sérgio começou por trabalhar como empregado de mesa, depois nas obras, depois veio a crise. “Agora trabalho por conta própria, na construção civil”.


Lamenta que o Ocidente tenha feito ouvidos de mercador quando, assevera, todos os sinais indicavam que as hostilidades estavam para breve: “Todos tinham avisado que isto ia acontecer, que Putin não ia parar. Até houve militares russos disfarçados que foram apanhados a 31 de janeiro, nessa altura já havia militares russos a tentar entrar no nosso país”.

“[Putin] tem que ser isolado, é uma pessoa fora do normal”


Olexandr, conhecido por Alex, 45 anos, confessa o engano: “Nunca achei que se chegasse a isto. Desde o último dia pensei que o Putin tinha alguma consciência na cabeça”.


E tem o receituário para “tratar da cabeça” do oligarca russo: “Ele tem que ser isolado, é uma pessoa fora do normal. Já passou a fase da segunda guerra mundial. Receio que o que ele está a fazer com a Ucrânia amanhã faz com a União Europeia (UE). Se ele consegue agora baixar a Ucrânia e fazer o que quer, ele vai levantar a cabeça e a própria UE não consegue já fazer nada com ele. Era um sinal para ele a UE ajudar a Ucrânia, porque se ele levanta a cabeça vai dar força para ele”.


Cozinheiro nos Salgados, concelho de Silves, Alex Ucrânia tem outro tipo de receituário para o líder invasor: “A Ucrânia podia entrar na NATO hoje.

Fazer com a Ucrânia o que a Rússia fez com aquelas duas repúblicas separatistas. Se UE não abra os olhos amanhã está fod***. O gajo é o Hitler nº 2”.

E antecipa que e Putin não vai usar as armas nucleares.


Com os primos em pleno combate a cumprirem serviço militar a 200 km de Kiev, Alex não deixa de lançar um apelo quase desesperado aos soldados e ao povo do outro lado da trincheira: Uma palavra ao povo russo! Acordem e vejam quem está no volante deste camião. O povo russo tem que ser acordado”.


Nos últimos dias têm havido manifestações e concentrações em frente à câmara de Albufeira e junto ao consulado da Rússia em Vilamoura contra a agressão russa e pela paz na Ucrânia.

João Prudêncio

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