Turismo e Cultura

A tutela política da cultura foi sempre uma tentação, inevitável diga-se, de qualquer sistema e de qualquer regime. Por vezes e por mau sinal, para controle. Com o aparecimento, crescimento e definitiva fixação do turismo, esta atividade passou a ser instrumento não só para controle, mas também para a existência ou sobrevivência pública da cultura. É claro que os campos se cruzam. Tanto que o turismo pode ser visto ou entendido como ampla atividade cultural embora não seja normal que um pintor conceba um quadro para abrir um hotel ou um romancista termine mais uma obra para ampliar um campo de golfe. Os conceitos cruzam-se a ponto de não ser incorreto dizer-se que a cultura é também parte indissociável do turismo, e até lhe fica bem que seja. O problema é quando se mete entre os dois conceitos, um outro – o da propaganda.

Sendo assim, como o vinho arrasta alguma “cultura”, o vinho passa para as malhas do turismo. E como o fado segue as pagadas do vinho, o turismo igualmente acolhe o fado. Mais, como vinho, fado e etc, arrastam o espetáculo, lá vão os espetáculos para o turismo. O espetáculo e as exportações, sejam estas de cortiça, de calçado ou de peras do Oeste. Assim se chega ao inevitável conceito de propaganda do País como tarefa patriótica, de modo que uma pintura de Paula Rego, uma obra de Pessoa ou um serão com pianista português que ponha Viena a seus pés, já é normal que seja colocado ao lado de um par de sapatos, de um frasco de mel da Gardunha ou uma caixa de peras-rocha do Oeste. É o que, volta e meia, surpreendemos nas nossas embaixadas como apresentação de Portugal. Um Portugal desarrumado, diga-se, porquanto não estará bom da cabeça quem lhe dê para roer um quadro de Paula Rego como se fosse uma pera, tal como a cabeça estaria a dar triste sinal de quem ousasse pintar a Capela Sistina nas solas de uns sapatos de Famalicão. É anedótico, mas dá para entender.

A confusão de conceitos e a visão sincrética dos respetivos instrumentos e finalidades políticas, seria problema de fácil solução se tal problema fosse sentido apenas a nível de governo, como parece que está a acontecer. Para solução, bastaria mudar o ministro se o ministro insistisse na confusão. Mas não, o problema vem por aís abaixo, até aos municípios e freguesias. Cá em baixo, tudo é cultura, tudo é turismo, comes e bebes, traços ao acaso, cantos, cantares e esganiçares, cerveja a rodos com dois franceses e cinco alemães, tudo é turismo e tudo é cultura, com esta a ser a mesma coisa que a outra, pelo que quando as coisas dão para o torto, é “má propaganda”. Lá em cima, a chouriça assada sobre tradução mais elevada e apurada, mas também começa a aparecer tudo no mesmo saco, daqui se concluindo que o turismo rem muito ou todos o dinheiro disponível para a “promoção” ou, indo ao assunto, para a “propaganda”, e a cultura continua a ser o parente pobre do Orçamento do Estado, não tendo um tostão para mandar cantar quem tem dois olhos bem abertos.

Lá fora, são as embaixadas que, com consciência ou não, propagandeiam este Portugal desarrumado, cá dentro, são as delegações regionais do turismo ou da cultura que, queiram ou não, promovem ou protagonizam o desarrumo, desarrumo do qual a maioria das câmaras municipais se aproveitam e de que não raramente se vangloriam.

Ainda não se juntou a Informação a este Turismo, para a propaganda ser completa, mas já estivemos mais longe. Depois, senhores democratas, por favor não se queixem. Voltaremos ao assunto.

Flagrante concordância: Sim, sem dúvida, o Serviço Nacional de Saúde está no Algarve para dar garantias ao milhão de turistas estrangeiros que por aqui passam… Notável descoberta!

Carlos Albino

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