Turistas estão a preferir as moradias

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Deverão ser os turistas nacionais a liderar a retoma turística que se avizinha, ainda a passos lentos e hesitantes. Mas com a retoma dos voos e a abertura de fronteiras os agentes e responsáveis do setor esperam que o Turismo algarvio retorne aos poucos à normalidade. Há quem diga que só na Páscoa de 2021. Para já, hotéis e setor imobiliário estão a receber as primeiras reservas. Neste período pandémico, as preferências do mercado vão para as moradias e, numa segunda linha, para os apartamentos

Os candidatos a veraneantes que já estão no terreno à procura de alojamento para os meses quentes estão a privilegiar a reserva de moradias e o turismo residencial em detrimento dos hotéis, apesar também haver procura de unidades hoteleiras, apurou esta semana o JA junto de fontes do setor.


Depois de um longo período de confinamento de praticamente três meses, em que tanto hotéis como empresas de angariação imobiliária reduziram os seus serviços ao mínimo, quando não fecharam unidades, o Turismo começa aos poucos a despertar do marasmo. Mas ao que parece, pelo menos este ano, nada será como dantes no que respeita às condições de alojamento e de estadia de quem visita o Algarve. Embora haja muitos imponderáveis, sobretudo no que respeita ao mercado externo, há também algumas tendências. Uma delas, disseram todas as nossas fontes, é a tendência para, numa primeira fase, a retoma se alicerçar no mercado nacional. A outra é a preferência dos clientes pela intimidade, seja optando por moradias ou por apartamentos.

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“Neste período de pós-confinamento tem havido um conjunto de reservas maioritariamente do mercado nacional e com grande foco para a parte das moradias. Porque as pessoas ficam num ambiente familiar, têm piscina, tem muita procura. A nível de reservas os números estão a ser mais expressivos do que nós esperaríamos”, disse esta semana ao JA o vice-presidente (da região sul) da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), Reinaldo Teixeira.

Reinaldo Teixeira


Ressalvando que ainda não se pode comparar o movimento de alugueres deste ano com os de um ano “normal”, o dirigente associativo sustenta que, “face ao momento que nós vivemos, estão a haver indicadores claros de as pessoas quererem vir para o Algarve”. E, acrescenta, preferem o recato e a tranquilidade, a juntar à qualidade: “Estamos a falar de moradias de quatro a seis quartos. São normalmente moradias com qualidade, serviço hoteleiro, limpeza diária. Em vez de ser um ambiente mais coletivo é um ambiente mais familiar. As pessoas ficam à mesma perto das zonas de praia e das zonas de lazer, em ambiente mais privado. Do conjunto das reservas que temos, constatamos que as pessoas estão a privilegiar as moradias, que têm um ambiente familiar e maior privacidade. Houve um crescimento na procura para as moradias, mas nos apartamentos, face ao momento que vivemos, tem havido uma procura superior à que esperávamos. Menos do que no ano passado, mas com números superiores aos que esperávamos face à pandemia”.


Reinaldo Teixeira adianta que falamos mesmo de uma transferência de mercado, embora haja muitos clientes que são habituais no mercado do turismo imobiliário (“self catering”): Há pessoas que são históricos neste tipo de mercado self catering. São cliente habituais da imobiliária turística. Mas também sentimos que há muitos clientes que antes estavam nos hotéis, mas que hoje privilegiam estar em família e em ambientes mais recatados”.

Estrangeiros vão liderar a partir de setembro


O dirigente, proprietário da empresa imobiliária Garvetur, garante que, neste momento, são os portugueses que lideram as ofertas, até porque, recorda, “o verão sempre foi o momento em que os portugueses mais nos visitam”. Mas logo adianta que os turistas estrangeiros também querem imobiliária turística. O problema, sustenta, é que, com as fronteiras fechadas e os voos ainda a dar os primeiros passos, os turistas estrangeiros, por enquanto, não têm como vir para o Algarve.


Provavelmente, virão em força a partir do final do verão e no outono, já que os “donos” do verão, por tradição, são os portugueses. de acordo com a tese de João Soares, diretor-geral do Dom José Beach Club e representante no Algarve da Associação da Hotelaria de Portugal: “O mercado internacional, sobretudo o inglês, já tem muitas reservas – embora não como em 2019 – para setembro e outubro e algumas até para o inverno. Não vamos ter os números do ano passado nem nada que se pareça, mas vamos ter um setembro e um outubro razoável e por aí em frente. O Turismo retomará com os voos. O transporte aéreo é fundamental”.


Mais do que no mercado interno, são muitas as incertezas do mercado externo. Até porque cada país tem as suas singularidades e os seus cidadãos têm idiossincrasias específicas face a fazer férias no estrangeiro. Mas os países também são diferentes nas restrições que impõem, como assinala Elidérico Viegas, presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA): “No turismo externo há ainda fatores de incerteza que nós não controlamos: comportamento do transporte aéreo e restrições nos países de origem. Não só relativas à saída, mas também as quarentenas no regresso a casa depois das férias. Há um estudo da União Europeia que diz que 70% dos cidadãos do centro e norte da Europa querem fazer férias ainda este verão, mas 50% dizem que as farão no próprio país. Mas tudo está dependente da evolução do transporte aéreo. Algumas companhias já assumiram que irão regressar gradualmente à normalidade. No caso do Algarve interessam três companhias low cost: a Ryanair, Easyjet e Jet2, que representam quase 70% do tráfego no aeroporto de Faro”. Destas, a Ryanair e a Jet2 já anunciaram que recomeçarão as operações a 1 de julho, mas recentemente a Easyjet – que não comunicou ainda o reinício dos voos – anunciou que vai dispensar cerca de um terço dos seus 4.500 trabalhadores.

Elidérico Viegas


A progressiva retoma das companhias aéreas parece ser o busílis da questão quando se discute a retoma turística baseada em mercados emissores externos. Do lado de cá, desde que venham, já há braços abertos para os receber. Mas para Elidérico Viegas as respostas transcendem em muito as vontades das companhias. Passa pelos Estados: “A União Europeia ainda não anunciou quais as medidas financeiras para apoiar as companhias aéreas. Só para as de bandeira. A TAP, que até ver será a única apoiada pelo Governo português, nunca teve nem tem nem virá a ter uma estratégia para o Turismo, está mais interessada em transportar portugueses para outros países. Os algarvios têm pago os prejuízos da TAP, mas nunca beneficiaram dela”.


Mas nem tudo são imponderáveis ou fatores negativos quando se fala em mercados externos. O mesmo Elidérico Viegas enuncia um fator que está a ser preponderante neste momento em que começam a surgir as primeiras reservas e poderá ser crucial no futuro: até hoje, a pandemia passou por Portugal, e sobretudo pelo Algarve, de forma muito mais ligeira do que por outros países da Europa, alguns dos quais nossos concorrentes turísticos diretos. Há muitas semanas que o número de infetados não passa de aproximadamente 350. E essa quase inocuidade algarvia já se está a sentir na região: “Há muitas solicitações de turistas estrangeiros porque o Algarve ficou de fora da pandemia. Tivemos muito pouca gente infetada, somos vistos como destino seguro em relação à concorrência mais direta, como Espanha”, afirma o presidente da AHETA.

“Ir de férias é igual ao resto do ano mais o alojamento”


A leitura de Elidérico Viegas é consensual. João Soares corrobora: “O baixo número de contágios no Algarve é um fator a nosso favor. Se há destino que está bem preparado, tanto em termos de oferta hoteleira como em termos de saúde para receber clientes é o Algarve. O baixo número de casos é um fator de segurança quando as pessoas pensam em viajar”.


João Fernandes, presidente da Região de Turismo do Algarve (RTA), quantifica as vantagens algarvias: “O Algarve tem uma taxa de transmissão e um número de contaminados inferior à média nacional, que já de si tem um bom desempenho. Instalou uma capacidade de cuidados primários e de hospitais que não esgotou no período de pico da pandemia e que continuam disponíveis agora para um aumento eventual do Turismo na região”.

João Fernandes


E o dirigente do Turismo do Algarve acrescenta dados científicos objetivos: “O que nós percebemos de momento é que Portugal tem conseguido resultados notáveis. Desde 4 de abril temos uma taxa R de transmissão abaixo da referência 1. Quer para efeitos de acordos bilaterais com o Reino Unido para a não verificação da quarentena no regresso ao Reino Unido, quer para a reabertura concertada de fronteiras, Portugal está na linha da frente. E isto sendo um dos países que mais testa e monitoriza em todo o mundo”.


Mas como se comportará o mercado perante as condições concretas da estadia? Não sobrevirá o medo, mesmo assim? João Fernandes acha que há condições para que essas fobias sejam debeladas ou fortemente atenuadas entre os turistas: “A vivência de um espaço como um hotel vai ser acompanhada de uma série de medidas de segurança sanitária. Não só nós como companhias aéreas, operadores, vários agentes estamos a solicitar informação sobre regras a observar. Portugal está muito avançado em relação a outros países nesta matéria. Para além da informação disponibilizada pela DGS há trabalho na área da oferta turística, de agentes públicos e privados”. E o presidente da RTA evoca o caso do selo “clean and save”, inspirador de confiança nos mercados e pioneiro a nível mundial, “como orientação de boas práticas, mas também o manual de boas práticas ‘clean and save’, instrumento que entronca no selo, como conjunto de boas de boas práticas de referência para rent-a-car, golfes, praias, parques de campismo, aquáticos, etc”.


Quanto a fobias dos turistas face ao contexto epidemiológico, João Soares compara com o que agora acontece com os restaurantes e o pequeno comércio: “Agora com a reabertura do comércio houve inicialmente alguma retração, mas depois notou-se que as pessoas começam a ficar mais à vontade e a frequentar os espaços sem grandes medos. Na hotelaria vai acontecer o mesmo. A partir do momento em que haja desconfinamento e que as pessoas comecem a circular, o ir de férias é só o alojamento, porque o resto acaba por ser tudo igual ao que ocorre na origem: deslocações ao exterior, os cafés, os restaurantes, as praias”.


“O Algarve estará mais tranquilo, com mais espaço para desfrutar, terá um melhor serviço porque vai ter um rácio maior de trabalhadores por turista. E não deixará de ter os principais atributos por que nos visitam, a gastronomia, a paisagem, o clima, a boa disposição e com uma qualidade acrescida que é uma maior tranquilidade”, garante por seu turno João Fernandes.

Portugueses serão os reis do verão


Os fatores psicológicos têm vindo a reduzir as incertezas dos mercados, sobretudo a partir do momento em que vários países começaram a desconfinar. E esse ganho de confiança prolonga-se pelos profissionais do setor, como observa ainda o presidente da RTA: “Ninguém tinha uma informação suficiente para uma expectativa enquadrada. De início havia muita incerteza. Conseguimos reduzir esse nível de incerteza através da produção de conhecimento, incerteza em relação à situação de saúde dos nossos mercados emissores, às políticas públicas que versavam a atividade turística, como por exemplo a questão dos vauchers para viagens, se uma fronteira vai estar aberta num determinado prazo, se a aeronave vai poder viajar toda preenchida ou com limitações. Vamos eliminando incertezas para ter uma expetativa”, afirma João Fernandes.


Também Elidérico Viegas está convencido de que as incertezas dos profissionais do setor têm vindo a ser reduzidas e podemos esperar uma boa retoma: “Houve uma evolução muito favorável nas últimas semanas. No princípio de abril apenas 53% dos hotéis tinham intenções de abrir e esse número aumentou pra 75% em meados de maio. Os outros 25% ainda não se decidiram. Muitos deles são grupos que têm muitos hotéis e como não têm expectativas de ficar cheios abrem à medida que a procura vai aumentando. Concentraram a operação no mínimo de hotéis possível para tirarem o máximo partido. É o caso do Pestana e vários outros”.


Todos os responsáveis do setor com quem o JA falou esta semana partilham a ideia de que a retoma será empreendida pelos portugueses, já a partir de junho. E que um setor, o hoteleiro, que esteve praticamente todo fechado na região durante dois meses e meio (os que persistiram em ficar abertos tiveram um índice médio de ocupação de escassos 11,6%), vai reabrir ainda no início do verão. Um inquérito promovido pela AHETA aos seus associados em meados de maio concluiu que 60% deles tinha planos para reabrir ainda em junho e 12% em julho. E, todos concordam, são os portugueses que lideram a lotação dos hotéis nos meses de maior calor.

Normalidade só na Páscoa de 2021


“Estão desesperados por abrir. E contam com quem? A maior prioridade vai para o turismo interno. Em julho e agosto os portugueses tradicionalmente são mais numerosos. Este ano vai haver menos portugueses no exterior. Haverá menos portugueses a fazer férias fora de casa, mas isso poderá ser compensado com a não ida de portugueses para o estrangeiro. A prioridade do mercado do Algarve vai quase toda para o turismo interno”, sustenta Elidérico Viegas.


João Fernandes também não tem dúvidas de que o Algarve beneficiará das reticências dos portugueses às viagens para fora do País: “Haverá pessoas que iriam viajar para fora do País e que permanecerão no território nacional, sendo que o Algarve é há 40 anos o destino com maior número de dormidas turísticas do território nacional para portugueses. Como se viu no caso dos atentados, quando há uma crise as pessoas têm tendência para viajar para mais próximo, donde é possível regressar a suas casas. E também aqui acontecerá isso”. Com um suplemento: “Os emigrantes não puderam vir na páscoa e tenderão a vir no verão. Mesmo aqueles que não têm família no Algarve têm o bom hábito de passar aqui algumas férias balneares”, conclui o presidente da RTA.

João Soares


João Soares expõe as primeiras etapas da retoma: “A curto prazo, o mês de junho vai ser ocupado só por turismo nacional, com uma percentagem relativamente baixa, porque o turista nacional não viaja com frequência em junho. Vai ter uma incidência maior nos feriados, mas depois vamos ter ocupações ainda muito baixas. Depois, lentamente, a partir de julho, pensamos que o mercado começará a retomar”.


Elidérico Viegas concorda com o seu colega hoteleiro: “A maioria vai reabrir em junho. Estão a contar sobretudo com o mercado interno e com a expetativa de que a abertura de fronteiras e o início do transporte aéreo possam contribuir para trazer turistas do exterior, aproveitando o facto de nós termos visto o destino pouco afetado. Por outro lado, como a União Europeia tem as fronteiras fechadas, a circulação de pessoas dentro da União é permitida, mas não para o exterior. Quem está dependente de turistas de outros estados membros, como é o nosso caso, poderá ter vantagem”.


Apesar do relativo otimismo reinante no sector, há ainda muita incerteza e sobretudo a convicção de que não será tão cedo que o Algarve retomará os números record dos últimos anos. Mesmo sem o declarar explicitamente, todos sabem que passarão muitos meses até que tudo volte ao normal. E a evolução da pandemia é a pedra de toque dessa evolução. Elidérico Viegas arrisca um prazo de quase um ano até que haja um assomo de normalidade: “Há muitos fatores de incerteza, mas podemos posicionarmo-nos na grelha de partida para o regresso à normalidade a partir da Páscoa do próximo ano”, diz, mostrando-se confiante face à concorrência europeia mais direta: “Portugal e a Grécia são os países mais bem posicionados para a retoma turística”.

João Prudêncio

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